quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Theresa May e o desafio da mediocridade


                              
      Nada acontece por acaso na história dos povos e dos Estados. Tome-se o caso inglês, por exemplo. Grandes vultos já estiveram em Downing Street 10. A própria reação da elite inglesa em não acomodar-se com o brutal veto do general Charles de Gaulle ao ingresso do Reino Unido no Mercado Comum não aconteceu por um capricho da História. A elite inglesa - incluindo conservadores e trabalhistas - via o desafio da Comunidade Econômica Europeia e depois de buscar a saída por meio de uma associação livre de países, o que não lhes satisfez - eis que desejavam o melhor para a velha Álbion - tão logo o velho general tivesse saído do poder cuidaram de agilizar a melhor solução para o próprio país.
        A queda na qualidade da liderança inglesa não carece de maiores demonstrações práticas, uma vez que dispomos de duas amostras que nos parecem bastantes - como já referido neste blog - para dar uma ideia bastante veraz do nível da qualidade desses líderes políticos atuais na antiga rainha dos mares.
         Tony Blair - e me atenho apenas ao seu capítulo europeu - concordou em realizar um referendo por motivos menores, e quis a sorte - que costuma favorecer aos que têm valor - que a sua consulta terminasse com a confirmação da presença inglesa em Bruxelas. Sem embargo, essa colocação em jogo de um trunfo que havia sido considerado vital pelos seus antecessores, contemporâneos do velho general, tornara de uma certa forma possível a repetição de tal disparate (se tivermos presente que a opção da união com a Europa continuasse tão válida, quanto ao tempo do ingresso de Londres no organismo de Bruxelas).  Blair, ao colocar em risco a conquista anterior - a participação plena no mercado comum europeu - reduzira a relevância  do trunfo proporcionado pelo Mercado Comum Europeu como opção que de indispensável passara a descartável em determinadas circunstâncias.  Dando-se conta ou não, Blair admitia a realidade de que o Reino Unido poderia prescindir da Comunidade Europeia, reassumindo um velho princípio caro ao isolacionismo da Grande Potência Inglaterra, graças ao próprio Império - onde outrora o sol nunca se punha, e que dispunha da mais poderosa marinha de guerra.  Duas guerras mundiais - que, sem embargo, vencera - poderiam embalar-lhe na ilusão de que o isolamento continuava possível, mas não foram bastante para deter um grupo de trabalhistas e conservadores que, cientes das novas realidades, não trepidaram em  considerar viável o ingresso no mercado comum.
         A imprudência de Tony Blair, ainda que evitada, sinalizaria como possível para mentes menores a possibilidade de desfazer a união com a Europa como opção perene para o Reino Unido. E aí está o erro de David Cameron - tornado possível com um referendo marcado por ultra-medíocre maioria, e ainda por cima em período estival - que funcionaria tristemente como progressão geométrica para fazer retroceder a velha Inglaterra. De algo intocável - não imagino os líderes ingleses do tempo pós-de Gaulle convivendo com essa hipótese de retrocesso - Blair banalizara o recurso que transformara como opção válida, possível, e foi isto que viabilizaria que gente menos dotada em Downing Street 10 caísse nessa esparrela.   
          Por isso, a atual liderança britânica representada por Theresa May espelha a mediocridade para quem Tony Blair abrira a porta, que seria utilizada, com os previsíveis calamitosos resultados por espécimes da decadência imperial, como David Cameron e outros políticos menores, como os gêmeos Johnson, que estão interessados no poder nu e cru, sem outras considerações capazes de motivar políticos conservadores (ou trabalhistas) em meados do século XX.
            Nesses termos, que podem ser cruéis para a juventude inglesa que se vê  cerrarem as condições - e oportunidades - anteriores, favoráveis a horizontes mais largos e mais propícios à fruição da realidade mega-europeia, e não do medíocre particularismo da pequeno-burguesia que agrada aos políticos da triste vindima do fatídico referendo de 2016.  
            O irresponsável jogo referendário só poderia terminar no triste espetáculo que ora se nos depara, com a May que continua no assento de  Primeiro Ministro, a despeito dos inúmeros tropeços e vexames sofridos.  Como todos os medíocres, as considerações de valor não são para ela critérios permanentes, mas apenas trompaços e escorregões que ela conta superar pela própria aderência ao poder nu e cru.  A ex-secretária do Interior acredita ter a qualidade da sobrevivência, mas com a própria visão prejudicada pelos limites de sua capacidade intelectual, crê piamente que a sua solução é a melhor para o Reino Unido, enquanto desaparece de seu entorno visual uma realidade gerenciável pelas novas gerações, e que é substituída por trôpegas e elementares construções que, mais cedo ou mais tarde, pelo acúmulo de estorvos aduaneiros e de infernal mentalidade pequeno-burguesa ora multiplicada pelo monturo dessas duanas  promete o inferno da burocracia para uma juventude que ousara sonhar com a abertura de horizontes acadêmicos e edênicos centros de artes e saber realmente sem fronteiras, e livre enfim dos pequenos burocratas, que hoje se escondem por trás de computadores,  na medida em que tais aparelhos só possam repetir-lhes  suas tacanhas, míopes realidades a que o sorriso vazio dessa personalidade a que a sorte madrasta entregou o destino de uma juventude e da intelectualidade que acreditara, por momento brevíssimo, ter acesso a uma realidade de sonho, a que o burocratismo de Theresa May porá um inglório mas turbador fim. Quantas iluminantes mocidades, ora perdidas em pesadelos burocráticos, há de cobrar esta manipulação irresponsável de um jogo que tão só reproduz o pesadelo gerado por mediocridade sem limites e sem as ilusões criadoras de um porvir digno de ser vivenciado?

(Fontes: The Independent, The Economist )  

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