Faz bastante tempo
(1947/48) assisti ao filme Brute Force
(Brutalidade) que me impressionou bastante. O seu titulo em inglês - que me
ficou na memória - é o que encima esse artigo. Passava-se em prisão, e havia um
cantor negro que, à guisa de acompanhamento musical, relatava o que se ocorria
no cárcere. O ator principal era Burt
Lancaster, e o diretor, Jules Dassin.
Criança ainda que era, pergunto-me
até hoje como me deixaram entrar, pois, assim como o que contava era triste e
as coisas pareciam acabar todas mal, sob as notas lamurientas de um bardo que
nos desfiava melancólico enredo, em que tudo já principia arrevezado, e termina
ainda pior.
Achei que estava com sorte, pois
nada a princípio parece melhor para uma criança de o que esgueirar-se pelas
muitas proibições a que tantos adultos se empenham em colocar-lhes, como se a
vida, e as respectivas peripécias, sejam visitadas por grandes cartazes,
proibindo a torto e a direito de adentrar nas tenebrosas sinuosidades que a
gente grande costuma colocar em tantos filmes.
Nesse filme, havia uma espécie de
cantor que fazia às vezes de arauto, contando para a emudecida plateia as
muitas estórias de toda aquela gente, que contemplava, com as vistas compridas
do cárcere, aquele mundo de sombras, em que aquela voz saía de dentro uma cela e acompanhava, com
as lamúrias da nênia a triste estória de fulano e sicrano que se tinham batido
em duelo e por bons atiradores que eram se tinham entre-matado.
Não sabia ainda, mas as sombras
da cadeia se estendiam langorosas pelos espaços em que o preto e branco eram as
únicas, solitárias cores da melancólica
estória a que os cânticos do bardo povoavam de ainda maior tristeza de que os
próprios personagens que, de algum estranho modo, se fundiam nestas grades,
para ver a vida que custa e muito a passar, sobretudo para quem, na cadeia, a existência semelha transcorrer sem deixar qualquer outra marca que o lamento comprido que
as tragédias da prisão parecem carregar sob o
tristonho, melancólico escandir de estórias por vezes até despojadas de
qualquer significado além do fundo lamento de mundo para sempre fechado que
apenas se debate nas escandidas sílabas que parecem querer ninar a morte, que
se esconde, tão sinuosa quanto a serpente, nos versos que ignoto cantor se
compraz em repetir, qual fosse sinistra cantiga de ninar, adrede feita para
todos os que escutam aquela composição passar, na geral indiferença que a
tudo preside, enquanto promete, sabe-se lá para quando afinal, como se fora
solução, o paroxismo terminal de um súbito fim sem sentido.
( Fonte: memórias de Brute Force, guardadas por uma criança,
que vê, com os olhos assustados a funda tristeza do mundo prisional)
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