quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Brute Force


                                          

        Faz bastante tempo (1947/48) assisti ao filme Brute Force (Brutalidade) que me impressionou bastante. O seu titulo em inglês - que me ficou na memória - é o que encima esse artigo. Passava-se em prisão, e havia um cantor negro que, à guisa de acompanhamento musical, relatava o que se ocorria no cárcere.  O ator principal era Burt Lancaster, e o diretor,  Jules Dassin.
          Criança ainda que era, pergunto-me até hoje como me deixaram entrar, pois, assim como o que contava era triste e as coisas pareciam acabar todas mal, sob as notas lamurientas de um bardo que nos desfiava melancólico enredo, em que tudo já principia arrevezado, e termina ainda pior. 
            Achei que estava com sorte, pois nada a princípio parece melhor para uma criança de o que esgueirar-se pelas muitas proibições a que tantos adultos se empenham em colocar-lhes, como se a vida, e as respectivas peripécias, sejam visitadas por grandes cartazes, proibindo a torto e a direito de adentrar nas tenebrosas sinuosidades que a gente grande costuma colocar em tantos filmes.
             Nesse filme, havia uma espécie de cantor que fazia às vezes de arauto, contando para a emudecida plateia as muitas estórias de toda aquela gente, que contemplava, com as vistas compridas do cárcere, aquele mundo de sombras, em que aquela  voz saía de dentro uma cela e acompanhava, com as lamúrias da nênia a triste estória de fulano e sicrano que se tinham batido em duelo e por bons atiradores que eram se tinham entre-matado.

             Não sabia ainda, mas as sombras da cadeia se estendiam langorosas pelos espaços em que o preto e branco eram as únicas, solitárias  cores da melancólica estória a que os cânticos do bardo povoavam de ainda maior tristeza de que os próprios personagens que, de algum estranho modo, se fundiam nestas grades, para ver a vida que custa e muito a passar, sobretudo para quem, na cadeia, a existência semelha transcorrer sem deixar qualquer outra marca que o lamento comprido que as tragédias da prisão parecem carregar  sob  o tristonho, melancólico escandir de estórias por vezes até despojadas de qualquer significado além do fundo lamento de  mundo para sempre fechado  que apenas se debate nas escandidas sílabas que parecem querer ninar a morte, que se esconde, tão sinuosa quanto a serpente, nos versos que ignoto cantor  se compraz em repetir, qual fosse sinistra cantiga de ninar, adrede feita para todos os que escutam aquela composição passar, na geral indiferença que a tudo preside, enquanto promete, sabe-se lá para quando afinal, como se fora solução, o paroxismo terminal de um súbito fim sem sentido.

( Fonte: memórias de Brute Force, guardadas por uma criança, que vê, com os olhos assustados a funda tristeza do mundo prisional)

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