Dizem
que a Humanidade viveu muitos anos na funda e primeva Antiguidade sob o cruel e
impregnado breu da ignorância. Na verdade, o desconhecimento há de ter pesado
forte no seu turvo e prolongado início em que a carga da mentira, e de suas
irmãs, o circundante medo e a magia, com os fáceis atalhos da sinuosa superstição,
mostram as próprias horrendas cabeças na
funda escuridão de patéticos mistérios, que vestidos nos farrapos do conhecimento
primevo, por incipientes e timoratos que apareçam, mais mostram aos trôpegos passos daqueles imprudentes
nas suas por vezes terminais saídas da caverna, quão mendazes ainda lhes possam
aparecer as primeiras, apressadas tentativas de agarrar pelo torpe intelecto acepções
de realidade que na sua grossa, agressiva
natureza encaram mesmerizados, entre
pedrinhas coloridas jazessem tenteantes e tré-pidas, como se em negaças ali se
detivessem, no aberto, desolado e traiçoeiro espaço que demora, muito além da
abrigada segurança da caverna, no andar por vezes medroso, tentativo, nas
teimosas, por vezes na torpe busca dos
primeiros bosquejos de hipótese, na procura tão instintiva quanto fatalista,
das respostas primeiras que a nature-za áspera parece acenar-lhes, naquela
corrida de sombras e súbitas, repentinas e terminais ameaças que lhes reserva realidade
que pode ser inda mais profunda e debochada, do que a temida, traiçoeira trampa
da ignota besta ignota que lhe põe fim a existência ainda sem sentido, entre as
tépidas sombras de realidade tão brutal quanto irresistível, no terminal ataque de animal tão feroz quanto
ignoto, que o arrasta, como torpe carniça, para sossegar a fome de um bando de
ávidos filhotes, no que se esvai, em cego e inútil sacrifício, a existência dos
primeiros homens.
Pois
então dirão aqueles homens que hoje conhecemos nas por vezes toscas e, no
entanto, sublimes imagens das cavernas que
inda hoje restam, como rastros do primeiro homem, e nos contam, através dos milênios, a
sincopada, por vezes timorata e temerosa realidade, que se abriga em espaços
por vezes opressos, que da luz do dia se distanciam, a quem só a claustrofobia
primeva promete da espécie a sobrevivência, em cultura que rasteja mais do que
anda, esgueirando-se em espaços tão estreitos e sufocantes que só a custo o
explorador do hiper-passado neles rasteja como serpente, imêmore, quem sabe,
dos perigos hobbesianos que reservam
tanto os imensos socavões, quanto as angustiantes gretas.
Nesse
mundo, vastíssimo mundo que nas trevas descobre a bruxuleante luz dos toscos
tições e por eles jura junto aos próprios ídolos nas trôpegas palavras das
primeiras adorações, ditas por um dos primeiros homens que confia a estranhas,ensombrecidas
divindades, enegrecidas que são pela chama inconstante que bruxuleia enquanto
primeiro grande enigma nas infindáveis, tanto salvadoras, quanto cruéis
cavernas, no tartamudear de insanos palpites e primevas acepções da agressiva,
grosseira realidade dos muitos ingentes e insanos temores que seres encurvados
e frágeis terão vivido talvez a centenas de milhares de anos.
A saída daquele mundo primeiro que nas trevas encontra a frágil chama do
conhecimento terá sido de início rara e atravessada por ignotos temores,
amiúde perpassados pelas ignávias apreensões de uma realidade lá fora
demasiado brutal, seja pelos glaciais,gélidos frios daquele tempo, seja pela
fraqueza dos primeiros homens, a que cerca o hobbesiano mundo do caçador da pele de bestas mais protegidas dos
lancinantes frios da era do gelo.
A imaginação do homem, essa torpe e tacanha ferramenta de que se serve
na insana, mas intemerata busca do conhecimento, quem poderá acaso negá-lo que
terá si-do a tocha primeva a acendê-la alguma porventura esquecida na noite
milenar dos tempos a celeste visita de algum cometa, esse bendito porta-voz da
luz e da beleza do infinito, que terá vindo trazer àquele mundo de trevas e de
tremores, que a cerúlea abóbada contemplara a princípio com o olhar viajor daqueles
pontos faiscantes que lhes traziam a luz macia dos emudecidos astros e estrelas
do cerúleo universo, que a princípio frágeis
olhos visitavam numa rota em que os enigmas mais pareciam encobrir de que des-velar
as balbuciadas respostas.
Pois a vinda do primeiro cometa terá trazido, e para mundo visitado
pelos te-mores das trevas, a estranha promessa trazida por um plácido, argênteo
banho de luz celeste, esfuziante na sua
rota que para muitos traz esperança, na medida em que tal irrompente claridade,
máxime aquela com o brilho fulgurante desse astro viajor, vindo das funduras do
universo, será quase sempre associada à mensagem de bem-aventurança, que semelha
acenar com a próxima vinda de dias e noites melhores, na medida em que tal estranha
luz, que de repente sai do nada,visita ao mundo como dissolutora das trevas da
ignorância e de sua próxima parenta, a superstição das abominações terrenas.
(
Fontes: Hobbes, Carlos Drummond de Andrade, o mundo das
cavernas, mente e fragilidade
do homem primitivo, a mítica vinda do
primeiro Cometa ).
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