quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A Falsa Esfinge


                             
         O leitor que me honra ao acompanhar  o meu blog terá presente a minha visão da Primeiro Ministro Theresa May. Não creio haver errado na minha interpretação do personagem. Sempre restou um elemento de perplexidade. Ela realmente parece acreditar naquilo a que se propõe.  E não me parece possa excluir da análise a sua recusa de um segundo referendo, que sempre surgiu para mim como a maneira apropriada de cortar a cabeça dessa falsa disjuntiva, e alcançar afinal uma indicação definitiva do real desígnio do Povo inglês. Que mal existe enfim em dar at last a última palavra aos súditos de Sua Majestade, para por fim colocar um termo irrecusável a essa questão que, convenhamos, é competência do Povo inglês ?
            Se é um ponto de vista dela, ou se a ele chegou graças a ponderações de outrem, parece-me, nessa altura do deslindamento desse falso enigma, irrelevante, na medida em que a estratégia e, sobretudo, o resultado a atingir já estão firmemente decididos.
             O que ela não deseja é deslindar essa questão do bréxit. Não há de ruborizar se pretende valorizar o primeiro Brexit , e não só pela circunstância de já resolver a questão.  Todos ora sabemos que a consulta inicial foi reflexo da irremediável mediocridade do Primeiro Ministro que resolvera pôr a cabeça no cutelo e deixar que o falso com-promisso de campanha (aceitar mais um referendo) fosse aceito como se fora obrigação inarredável.
               Não nos cansemos mais com os cacoetes insulares daquele Primeiro Ministro. Cameron nunca evidenciara grandes amores pela conexão europeia que a participação na União Europeia tornava obrigatória a presença nas reuniões das comissões de Bruxelas.
               Já a May é uma mulher que não impressiona pela intelectualidade, mas tampouco, por ser demasiado inglesa, atribui excessiva importância às questões europeias e - o que vai um pouco além desse raciocínio que escandalizaria a liderança inglesa dos tempos da superação da recusa do general de Gaulle, porque se tratava de um punhado de líderes de escol,  que se propunham a superar os preconceitos da classe média britânica, e de, em ingressando na União Europeia, fazer o trabalho maior, em prol do continuado crescimento industrial da velha Álbion.  
                  E é por isso que tornar viável um segundo referendo deve parecer anátema para a limitada, mas empenhada Theresa May. Toda essa baboseira de respeitar o primeiro referendo, não é derivada de arcano respeito a uma resolução popular. Estamos, na verdade, diante de um exercício de cinismo. O primeiro brexit, além de se caracterizar  por um percentual de participação medíocre, que nada tem a ver com sérias exigências de quorum que atenda aos requisitos históricos para atestar  participação relevante, que se afigura no mínimo cabível para  decisão de tal porte do Povo inglês. E todos ora sabemos que tal não foi o caso, e que portanto essa suposta decisão soberana dos súditos de Sua Majestade, na verdade não traz consigo um selo que seja condigno com os requisitos de um percentual que porventura faça justiça a resolução de tal porte. E a Senhora May sabe muito bem que tal não é o caso, naquele referendo  realizado em meio às férias estivais, como se se tratasse de coisa de somenos.
                   Por isso, a May não é uma intelectual, mas ela deve estar respondendo a antigas aspirações suas - como se  pudesse candidatar-se a uma renascida Inglaterra - em libertando Downing Street 10 do sufocante abraço de Mittel-Europa, e, dessarte, escorregando por esse Tobogan na velha Inglaterra insular, e quem sabe, criando impensáveis condições  de um Reino Unido, que se parecesse um pouco mais àquele da sua juventude...

( Fontes: The Independent, Carlos Drummond de Andrade)

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