sábado, 5 de janeiro de 2019

O Savonarola dos Pobres


                              
          Ao ver, na mídia, a face transtornada de Mr Donald Trump, o leitor há de suspeitar que o presidente dos Estados Unidos está passando por estranha fase, estranhíssima mesmo, em que ele se crê imerso na atenção de todos, envolto que se acha nas próprias manias ilusionárias, reputando-se,  sabe-se lá, encontrar-se no mágico centro de todas as atenções do Povo americano. Este, no entanto, sem que sua Excelência sequer o imagine, já o vê, e de forma crescente, mais do que um transtorno, em verdade um empecilho aos seus respectivos interesses, que exigem um mínimo de respeito pela rotina a que são supostos zelar aqueles que se crêem homens públicos.

           Mr Trump não é um Savonarola dos pobres, aquele que mesmerizava, do púlpito, as volúveis multidões de Florença, e que foi acabar no fim predizível de todos os insanos ilusionistas, que se crêem senhores dos caprichos desse móvel, sensível e, por vezes, gigantesco  tapete humano, que diante de seus olhos cúpidos e injetados se distendia, soprando-lhe, em forte, suzerano sussurro, o quão perigosas e indevassáveis eram as pulsões daquela ondulante turba, que semelhava distender-se, como se fora  carpete, à frente daquele que se acreditava, o infeliz, em condições ótimas,  quase plenas, dela dispor ao próprio bel prazer, como quem alguém que a vê distraido, os dedos estala no seio sereno do seu solar.

            Mr Trump olha na distância, com essa expressão meio indefinível, meio imbecilizada, similar àquela da pobre Theresa May que se acredita a instrumentalizadora do Brexit, quando na verdade já enceta a ser engolida por esse monstro  que imaginara ter ao próprio serviço.   

            São vítimas da mesma delusão esses supostos registas desse multitudinário monstro, que a princípio, como nas medievas  piazze florentinas, pareceria até criatura, quase um deferente criado,  e a todos os seus caprichos. Como criatura de tais dimensões, no entanto, ela procede aos arrancos, findos os períodos de aparente obediência, e com as restrições das metáforas modernas, se aplicadas àquelas medievais, o seu avanço será tão previsível quanto o fim da paciência de enorme ser, ao cabo consciente do respectivo tamanho, que se cansa de ser joguete nas mãos de quem não mais seria que seu servo, na série sucessiva de subitâneas reações das sombrias, soturnas, insondáveis criaturas que insanos pensaram , se bem que por momentos, serem suscetíveis de humano controle.

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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