Ao ver, na mídia, a
face transtornada de Mr Donald Trump, o leitor há de suspeitar que o presidente
dos Estados Unidos está passando por estranha fase, estranhíssima mesmo, em que
ele se crê imerso na atenção de todos, envolto que se acha nas próprias manias
ilusionárias, reputando-se, sabe-se lá, encontrar-se
no mágico centro de todas as atenções do Povo americano. Este, no entanto, sem
que sua Excelência sequer o imagine, já o vê, e de forma crescente, mais do que
um transtorno, em verdade um empecilho aos seus respectivos interesses, que
exigem um mínimo de respeito pela rotina a que são supostos zelar aqueles que
se crêem homens públicos.
Mr Trump não é um Savonarola dos
pobres, aquele que mesmerizava, do púlpito, as volúveis multidões de Florença,
e que foi acabar no fim predizível de todos os insanos ilusionistas, que se
crêem senhores dos caprichos desse móvel, sensível e, por vezes,
gigantesco tapete humano, que diante de
seus olhos cúpidos e injetados se distendia, soprando-lhe, em forte, suzerano
sussurro, o quão perigosas e indevassáveis eram as pulsões daquela ondulante
turba, que semelhava distender-se, como se fora carpete, à frente daquele
que se acreditava, o infeliz, em condições ótimas, quase plenas, dela dispor ao próprio bel
prazer, como quem alguém que a vê distraido, os dedos estala no seio sereno do
seu solar.
Mr Trump olha na distância, com
essa expressão meio indefinível, meio imbecilizada, similar àquela da pobre Theresa
May que se acredita a instrumentalizadora do Brexit, quando na verdade já enceta a ser engolida por esse monstro que imaginara ter ao próprio
serviço.
São vítimas da mesma delusão esses
supostos registas desse multitudinário monstro, que a princípio, como nas medievas piazze florentinas, pareceria até
criatura, quase um deferente criado, e a todos os seus caprichos. Como criatura
de tais dimensões, no entanto, ela procede aos arrancos, findos os períodos de
aparente obediência, e com as restrições das metáforas modernas, se aplicadas
àquelas medievais, o seu avanço será tão previsível quanto o fim da paciência
de enorme ser, ao cabo consciente do respectivo tamanho, que se cansa de ser
joguete nas mãos de quem não mais seria que seu
servo, na série sucessiva de subitâneas reações das sombrias, soturnas,
insondáveis criaturas que insanos pensaram , se bem que por momentos, serem suscetíveis de
humano controle.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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