O
atual presidente do Equador, Lenin Moreno, ex-vice presidente, sucedeu ao
Presidente Rafael Correa - que se empenhara a fundo tanto na condução de Moreno como
vice, assim como na sua própria eleição para sucedê-lo. Correa fizera muitos inimigos no Equador, durante uma presidência de mais de um mandato, com uma presença forte e não poucas intervenções na mídia, que lhe terão criado diversos inimigos.
Dessarte, quando o benfeitor de Moreno se decidiu a viver no estrangeiro, na companhia da nova esposa, já tinha marcado a própria gestão também através de acolher ao fundador do opositor estadunidense Julian Assange - o criador do Wiki-leaks, na acanhada chancelaria da embaixada do Equador em Londres. Não pequeno papel na luta contra o que parecia a vitoriosa candidatura democrata de Hillary Clinton foi desempenhado pelo Wiki-Leaks, divulgando documentos que julgava comprometedores para a causa da candidata que surgia como a favorita. Por trás, servindo-se da estranha apatia de Barack Obama - para quem jamais surgiria a ocasião de reagir com destemor e energia diante desses mendazes e insistentes ataques - e não por acaso gospodin Putin irrompia como o principal instrumentalizador.
O Equador é um belo país - foi meu segundo posto, depois de Paris - os contrastes são uma marca da carreira diplomática - e lá foi gerado o meu primeiro filho Mauro, que faria nascer, por várias considerações, no Rio de Janeiro, transportando então esposa grávida para a Belacap, em um tempo em que as travessias aéreas não eram assim tão simples quanto nos dias de hoje. De qualquer forma, Quito ainda nos traria belas e inesquecíveis lembranças, com a sólida amizade renovada com o amigo Pedro Carlos Neves da Rocha, que para mim também seria uma espécie de preceptor pela vida afora, eis que amigos ficamos por cerca de cinquenta anos, até o telefonema do amigo comum Rezende, que me alcançou em férias no Rio, para dizer, tenho uma notícia muito triste para dar-lhe (Pedro morava em Petrópolis), e quando ouvi tais palavras do Rezende (que tampouco está mais por aqui ), não tive quaisquer dúvidas de que o Rezende me comunicava a morte de nosso velho e inesquecível grande amigo.
Pedro foi o maior amante dos livros que iria conhecer - e até hoje lutamos para que a sua biblioteca, por ele doada por testamento para o Estado brasileiro, de mais de trinta mil volumes, seja instalada no conjunto do palácio onde estava a residência de verão do Presidente Getúlio Dornelles Vargas. Por causa de Pedro, e logo após a sua partida definitiva, escrevi "Cartas para o Amigo Ausente", que está disponível pela internet para quem desejar conhecer mais sobre a biografia desse grande leitor e de sua amazônica cultura, que me impressionou vivamente quando, por vez primeira, o visitara na pensão-hotel em que ainda estudante do Rio Branco me dera alguns conselhos sobre o vestibular - que eu faria em seguida - e que me impressionaria desde aquela manhã no velho bairro do Catete, pela quantidade de volumes que já montara em estantes adrede postadas no amplo quarto de que dispunha na pensão-hotel do Catete. Ali estavam estantes já plenas daquele estudioso, arrumadas antes do seu casamento com Therezinha (ela também recentemente falecida), e que não decerto por acaso era bibliotecária. Também publicado por mim na internet o seu livro sobre Aristóteles, filósofo que ambos admiramos.
Falar sobre Pedro, o grande amigo feito sobretudo no altiplano do Equador, para onde o Neves da Rocha, menosprezando a carrière, se refugiria por bem cerca de vinte anos, diplomata por obrigação, e estudioso por escolha. Quando lá cheguei, a febre do petróleo ainda não atingira aquela cidade que tem as quatro estações durante uma jornada, e cuja altitude recomenda prudência àqueles moradores porventura adventícios. Lá cheguei - como já contei alhures - dirigindo o meu Porsche pouco rodado, e vencendo da Cordilheira dos Andes as primeiras "chuvas" de pedras tombadas. Como era a única estrada de rodagem pavimentada ligando Guaiaquil (em cujo porto, o cargueiro depositara a minha preciosa carga) parti, com a confiança dos meus ainda restante vinte anos a caminho de San Francisco de Quito, aonde chegaria (a instrução era seguir a estrada pavimentada, pois era a única e inexistiam sinalizações outras), à tardinha, não antes sem furar um pneu, em cuja substituição foi ajudado por um grupo de simpáticos estudantes.
Chegaria quando mal acenava cair à noite, com minha então esposa já grávida de muitos meses de o que seria nosso primogênito Mauro, e o comum alívio seria sensível, mesmo no belo pôr de sol da cidade então ainda muito colonial de Quito (aonde séculos antes o entrante Pedro Teixeira irrompera para assustar os espanhóis arranchados na margem pacífica do Continente, espantados diante da irrupção do amazônida na sua entrada através da imensa floresta reputada impenetrável...).
Mas fujamos das recordações - que nos atiça a então verdejante e plácida cidade de San Francisco de Quito.aonde venderia, aceitando um simples cheque de sua compradora, a milionária Blanche Norton (dona das estações de tevê quitenhas, perante as quais Rosario passaria a sua gravidez nos poucos meses em que transcorremos na colonial capital, aonde deixaria meses mais tarde o que sempre tive como meu grande amigo no Itamaraty, o Conselheiro Pedro Neves da Rocha, não mais encarregado-de-negócios, porque o viajante embaixador Lucillo Haddock Lobo retomara por fim a chefia da embaixada...
A quizília entre o presidente Rafael Correa e o seu sucessor Lenin Moreno surgiria com o tempo, esse molesto, sinuoso, fabricante de pequenas e grandes desavenças. Rafael Correa, o benfeitor, se decidiu a interromper o que parecera série interminável de mandatos presidenciais, quando apontara como um quase-caudillo naquele Equador, em que a figura de Velasco Ibarra, o grande tribuno, surgira como o presidente, se não me engana a soez memória, nos anos trinta-quarenta do século passado, sendo amiúde derrubado pelos sólitos movimientos dos generais de turno.
Eis que o aparente benfeitor de Lenin Moreno, o seu discreto vice, o mui presente Rafael Correa, depois de avultar na cena equatoriana - e muito empenhar-se para garantir a eleição de seu vice - resolveu seguir para o exterior, deixando pendentes o asilo em Londres para o criador do Wiki-Leaks Julian Assange - que pelos poucos recursos da chancelaria não pôde submeter-se a qualquer tratamento dentário, com as previsíveis consequências, pois Estados Unidos - que sói ser implacável em tais perseguições (e há outros exemplos) - sequer para tratamentos dentários faria vista grossa, com outras e previsíveis consequências.
Mas voltemos à relação, crescentemente difícil, entre o benfeitor Rafael Correa e o antes protegido Vice Lenin Moreno. Quando aquele se decidiu a deixar o Equador, por questões privadas e também públicas, eis que o deus Cronos, este maldito tecedor de intrigas, não é que por questões privadas e também públicas, agora permitiu sejam descobertos erros de construção e um dispêndio muito superior ao combinado em cinco projetos petrolíferos feitos na última década, e portanto durante a presidência do respectivo antecessor Rafael Correa..
Dessarte, quando o benfeitor de Moreno se decidiu a viver no estrangeiro, na companhia da nova esposa, já tinha marcado a própria gestão também através de acolher ao fundador do opositor estadunidense Julian Assange - o criador do Wiki-leaks, na acanhada chancelaria da embaixada do Equador em Londres. Não pequeno papel na luta contra o que parecia a vitoriosa candidatura democrata de Hillary Clinton foi desempenhado pelo Wiki-Leaks, divulgando documentos que julgava comprometedores para a causa da candidata que surgia como a favorita. Por trás, servindo-se da estranha apatia de Barack Obama - para quem jamais surgiria a ocasião de reagir com destemor e energia diante desses mendazes e insistentes ataques - e não por acaso gospodin Putin irrompia como o principal instrumentalizador.
O Equador é um belo país - foi meu segundo posto, depois de Paris - os contrastes são uma marca da carreira diplomática - e lá foi gerado o meu primeiro filho Mauro, que faria nascer, por várias considerações, no Rio de Janeiro, transportando então esposa grávida para a Belacap, em um tempo em que as travessias aéreas não eram assim tão simples quanto nos dias de hoje. De qualquer forma, Quito ainda nos traria belas e inesquecíveis lembranças, com a sólida amizade renovada com o amigo Pedro Carlos Neves da Rocha, que para mim também seria uma espécie de preceptor pela vida afora, eis que amigos ficamos por cerca de cinquenta anos, até o telefonema do amigo comum Rezende, que me alcançou em férias no Rio, para dizer, tenho uma notícia muito triste para dar-lhe (Pedro morava em Petrópolis), e quando ouvi tais palavras do Rezende (que tampouco está mais por aqui ), não tive quaisquer dúvidas de que o Rezende me comunicava a morte de nosso velho e inesquecível grande amigo.
Pedro foi o maior amante dos livros que iria conhecer - e até hoje lutamos para que a sua biblioteca, por ele doada por testamento para o Estado brasileiro, de mais de trinta mil volumes, seja instalada no conjunto do palácio onde estava a residência de verão do Presidente Getúlio Dornelles Vargas. Por causa de Pedro, e logo após a sua partida definitiva, escrevi "Cartas para o Amigo Ausente", que está disponível pela internet para quem desejar conhecer mais sobre a biografia desse grande leitor e de sua amazônica cultura, que me impressionou vivamente quando, por vez primeira, o visitara na pensão-hotel em que ainda estudante do Rio Branco me dera alguns conselhos sobre o vestibular - que eu faria em seguida - e que me impressionaria desde aquela manhã no velho bairro do Catete, pela quantidade de volumes que já montara em estantes adrede postadas no amplo quarto de que dispunha na pensão-hotel do Catete. Ali estavam estantes já plenas daquele estudioso, arrumadas antes do seu casamento com Therezinha (ela também recentemente falecida), e que não decerto por acaso era bibliotecária. Também publicado por mim na internet o seu livro sobre Aristóteles, filósofo que ambos admiramos.
Falar sobre Pedro, o grande amigo feito sobretudo no altiplano do Equador, para onde o Neves da Rocha, menosprezando a carrière, se refugiria por bem cerca de vinte anos, diplomata por obrigação, e estudioso por escolha. Quando lá cheguei, a febre do petróleo ainda não atingira aquela cidade que tem as quatro estações durante uma jornada, e cuja altitude recomenda prudência àqueles moradores porventura adventícios. Lá cheguei - como já contei alhures - dirigindo o meu Porsche pouco rodado, e vencendo da Cordilheira dos Andes as primeiras "chuvas" de pedras tombadas. Como era a única estrada de rodagem pavimentada ligando Guaiaquil (em cujo porto, o cargueiro depositara a minha preciosa carga) parti, com a confiança dos meus ainda restante vinte anos a caminho de San Francisco de Quito, aonde chegaria (a instrução era seguir a estrada pavimentada, pois era a única e inexistiam sinalizações outras), à tardinha, não antes sem furar um pneu, em cuja substituição foi ajudado por um grupo de simpáticos estudantes.
Chegaria quando mal acenava cair à noite, com minha então esposa já grávida de muitos meses de o que seria nosso primogênito Mauro, e o comum alívio seria sensível, mesmo no belo pôr de sol da cidade então ainda muito colonial de Quito (aonde séculos antes o entrante Pedro Teixeira irrompera para assustar os espanhóis arranchados na margem pacífica do Continente, espantados diante da irrupção do amazônida na sua entrada através da imensa floresta reputada impenetrável...).
Mas fujamos das recordações - que nos atiça a então verdejante e plácida cidade de San Francisco de Quito.aonde venderia, aceitando um simples cheque de sua compradora, a milionária Blanche Norton (dona das estações de tevê quitenhas, perante as quais Rosario passaria a sua gravidez nos poucos meses em que transcorremos na colonial capital, aonde deixaria meses mais tarde o que sempre tive como meu grande amigo no Itamaraty, o Conselheiro Pedro Neves da Rocha, não mais encarregado-de-negócios, porque o viajante embaixador Lucillo Haddock Lobo retomara por fim a chefia da embaixada...
A quizília entre o presidente Rafael Correa e o seu sucessor Lenin Moreno surgiria com o tempo, esse molesto, sinuoso, fabricante de pequenas e grandes desavenças. Rafael Correa, o benfeitor, se decidiu a interromper o que parecera série interminável de mandatos presidenciais, quando apontara como um quase-caudillo naquele Equador, em que a figura de Velasco Ibarra, o grande tribuno, surgira como o presidente, se não me engana a soez memória, nos anos trinta-quarenta do século passado, sendo amiúde derrubado pelos sólitos movimientos dos generais de turno.
Eis que o aparente benfeitor de Lenin Moreno, o seu discreto vice, o mui presente Rafael Correa, depois de avultar na cena equatoriana - e muito empenhar-se para garantir a eleição de seu vice - resolveu seguir para o exterior, deixando pendentes o asilo em Londres para o criador do Wiki-Leaks Julian Assange - que pelos poucos recursos da chancelaria não pôde submeter-se a qualquer tratamento dentário, com as previsíveis consequências, pois Estados Unidos - que sói ser implacável em tais perseguições (e há outros exemplos) - sequer para tratamentos dentários faria vista grossa, com outras e previsíveis consequências.
Mas voltemos à relação, crescentemente difícil, entre o benfeitor Rafael Correa e o antes protegido Vice Lenin Moreno. Quando aquele se decidiu a deixar o Equador, por questões privadas e também públicas, eis que o deus Cronos, este maldito tecedor de intrigas, não é que por questões privadas e também públicas, agora permitiu sejam descobertos erros de construção e um dispêndio muito superior ao combinado em cinco projetos petrolíferos feitos na última década, e portanto durante a presidência do respectivo antecessor Rafael Correa..
Agora que as relações entre o antigo protetor, o presidente Rafael Correa, que trouxe para o pequeno Equador um papel maior na política internacional - e o Wiki-Leaks, com todos os seus defeitos, está aí para demonstrá-lo nesse heróico asilo na pequena chancelaria londrina de Julian Assange - em toda aparência desandaram, é de esperar-se que Lenin Moreno proceda a implementar a Justiça, mas sem os excessos da vingança, se for sobretudo a pequena, porque, descontado o que deve ser arrostado na implacável Justiça, o Vice deve não pouco ao desapego e à coragem do Presidente do pequeno Equador, o carismático e generoso (pelo menos em parte) Rafael Correa.
Sem embargo, o atual mandatário - que não se esqueça a sua condição de cadeirante, sendo paralítico dos membros inferiores, anunciou não faz muito que pediu a reabertura das investigações para punir os responsáveis, o que trocado em miúdos quer dizer que se terá pela frente a reabertura desse interminável litígio para punir o alegado responsável. Como os citados projetos apresentem falhas graves de operação: "Por estes cinco projetos foram pagos US$ 4,9 bilhões", disse o sucessor Moreno, nesta 5ª feira, três de janeiro de 2019. No caso seriam ao ex-presidente. Temos assim mais um combate entre sucessor e o benfeitor, com o litígio se revivendo como um câncer a ligar o atual presidente e o seu antecessor, agora transformado em novo litígio entre Lenin Moreno e Rafael Correa, a que antes ligava estreita amizade, a ponto de Rafael mover céus e terras para garantir a eleição de Lenin para a cadeira antes ocupada por ele, o benfeitor Rafael, e por vários mandatos, pensando talvez assegurar, pela consequente gratidão um sucessor que lhe garantia maior tranquilidade, quando Correa estivesse com a esposa no Velho Continente. Pois então, não é que a amizade entre o benfeitor Rafael Correa e o beneficiado Lenin Moreno se transformou por motivos que só a crônica pormenorizará e fará conhecer com o detalhamento que se deve às grandes figuras nacionais, e que hoje explica esse penoso antagonismo entre o ex-beneficiado e o ex-benfeitor, por motivos que ambos decerto reconhecem, mas também negam com a veemência desses ódios entranhados que parecem sair não se sabe bem de onde, e que por isso semelham tão difíceis de serem apagados e esquecidos. Pois como se diz, nos detalhes é que mora o demônio das quizílias e dos ódios que ignoram o tempo e as suas peripécias.
Por fim, quando falo - ou escrevo - acerca do Equador, a figura de Pedro aparece sempre, pois foi o seu refúgio durante a carreira, e foi lá que a nossa amizade se consolidou. Rezende foi o Sancho Pança desse grande Quixote dos nossos livros, Rezende sempre cuidando de apaziguar os ânimos de eventuais circunstantes que, irritados com as suas petrinas liberdades com guarda-chuvas (costumava girá-los),e que ficavam verdadeiras araras contra o surpreso - o que sempre me parecera espontâneo, sem qualquer resquício de astúcia ou má-fé Pedro - antes que Rezende, jeitoso como sempre, arranjasse palavra ou jeito para acalmá-los... Lembro-me de Pedro que os olhava meio entregue, com a fisionomia de quem não atina com o que está acontecendo... Por outro lado, era firme nas suas posições. Não aceitou que um acadêmico lhe dedicasse um livro, e talvez tenha pago caro com esse ato de honestidade intelectual, pois não conseguiria publicar a sua monografia sobre Aristóteles, que, depois de uma passagem por uma editora estatal, em que o seu livro seria posto de lado por algum protegido político que o editor oficial não tinha condições de rejeitar, ele teve de contentar-se com a publicação post-mortem pela internet. E o Brasil continuará assim. As cavalgaduras premiadas e os letrados refugiados nos etéreos braços da internet...
( Fontes: O Estado
de S. Paulo e a vida diplomática)
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