quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O problema 'colonial' da China


                             

         Não é de hoje que a República Popular da China tem no seu flanco sul, na área voltada para oeste o que remonta a uma de suas conquistas sobre a enorme extensão no seu flanco oriental. Aí está localizada a região de Xinjiang, em que os habitantes são de maioria uighur, e de credo islâmico.  
           Mesmo antes que Xi Jinping, na prática, modificasse a constituição chinesa[1], essa larga área no oeste vem representando um desafio para os intentos de asserção da soberania de Beijing na região. E a principal motivação para que tal repto se verifique é facilmente deter-minável. Sendo a mais forte, a China - e tal constitui uma longa e deplorável tradição - só vê obstáculo para a consecução dessa 'política'  em uma estrutura de resistência estatal com condições de criar dificuldades maiores para o alargamento do imperialismo de Beijing.  Se a área a ser "absorvida" não reúna elementos  que tornem em extremo difícultoso ou de perspectivas bastante precárias o intento de alargar o sino-imperialismo, o caráter suzerano do poder central não deixará de ser implementado .
          Dessarte, o chamado 'problema uighur', para Beijing exprimiria apenas uma dificuldade material, sem qualquer conotação de resquício de respeito ao eventual  direito à soberania por uma etnia que, na verdade,  para o mandarim chinês não reuniria condições de pleitear  tais garantias do direito público ocidental.

          Nestes termos, a província de Xinjiang, em fases anteriores da dominação - quando o chamado método de controle era mais brando - constituía um local para que quadros promissores da classe dirigente chinesa eram regularmente enviados, como local de aprendizado e também de demonstração na prática que reuniam condições para enfrentarem os desafios que sóem confrontar  aos funcionários mais dotados de um sistema de governo colonial, representando, mutatis mutandis, uma escala hierárquica de dificuldade pela qual deveriam transitar, para evidenciar a própria capacidade de lidar com desafios maiores nos encargos futuros.
            Na realidade, o que está acontecendo com a chamada província de Xinjiang é, na prática, um enorme endurecimento da 'resposta' da hierarquia burocrática chinesa ao desafio representa-do pela reação do povo uighur no que tange ao sistemático desígnio de Beijing de tratar de forma colonial  esse desafio - em linguagem toynbeeana - representado pelo povo uighur  que tanto racial, quanto religiosamente, se recusa a ser absorvido pela RPC.
             No caso, o tratamento aplicado por Beijing configura a forma brutal do imperialismo chinês,  pois  não só Xi, mas vários outros gerarcas chineses, julgaram factível o recurso a métodos.  Talvez a única diferença, esteja na graduação crescente desse método opressivo, e que desrespeita o povo uighur.

              Pois, além de ser inadmissível determinar a uma etnia uma cartilha nacional, o quadro fica ainda mais absurdo pela implementação de sistema - apoiado em campos de concentração !- e, que são mais do que simplesmente reminiscentes dos métodos stalinianos descritos por Alexandr Solzhenitsyn  no seu famoso livro Arquipélago Gulag.

               O autoritarismo chinês, exercido  não só por Xi Jinping, mas também por seus antecessores, foi portanto sendo implementado em um crescendo, que se "explica" pela incapacidade do mais forte no caso de forçar o mais fraco a 'obedecer'  às regras com que pretende não só modificar a sua postura tanto política, quanto religiosa,  o que só pode ser interpretado como se a crença religiosa possa vir a ser entendida também como uma atitude  de conveniência ideológica, o que, na verdade, implicaria em rebaixá-la para uma postura perigosamente relativizada, a que nem mesmo um ateu convicto acreditaria fosse possível implementar.
                 De qualquer forma, torna-se mais fácil de entender que esse método de desilamização  hoje implementado nesse espécie de "campo de ateismo forçado", aplicado por preleções, como se se tratasse do desaprendizado de uma outra formação política, na verdade é um método demasiado rudimentar ideologicamente falando se se pretende  afastar uma comunidade de uma crença com a conhecida e atávica fé do Islã...  E por isso não espantar decerto quais sejam os "resultados" dessa desislamização forçada, que  estaria necessariamente votada  aos mesmos resultados negativos de que outros métodos - suasórios ou não - anteriores, aplicados pelo poder imperial chinês.

                  E tampouco há de surpreender que esses mesmos uighures possam tornar-se  elementos 'subversivos' dentro de uma sociedade que, além de querer convencê-los à força,  não admite que professem outro credo, senão o ateísmo do regime comunista chinês. 

(Fontes: A Study of History, A. Toynbee;  A. Solzhenitsyn,  Arquipélago Gulag)



[1] Obviamente, esta é uma liberdade verbal do articulista. Não se trata de nenhuma Carta Magna, mas da brutal asserção da soberania chinesa sobre a citada região, em termos similares ao que antes ocorrera com o Tibete que, por ser mais antigo e mais conhecido, tem mais condições de ter a simpatia ocidental quanto à fruição de liberdade  que é negada ao Dalai Lama, líder religioso tibetano, pelas mesmas razões que intentam "justificar" a injustificável suzerania de Beijing.

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