A palavra desmanche é mais usada
para carros (o dicionário Houaiss nos
escreve: ato ou efeito de desmontar, desmantelar mecanismos, engenhos ou
máquinas; desmanche de carros para fins ilícitos).
No
entanto, talvez o Rio de Janeiro, a antiga Cidade Maravilhosa, venha a
colaborar com um novo sentido do vocábulo desmanche.
Nem mais o carioca é o tipo alegre, despreocupado de antes, porque o Rio só é
cidade maravilhosa na letra - que hoje nos parece ingênua - de André Filho,
escrita nos anos trinta aquela alegre marchinha que só de ouvi-la temos a
sensação estranha de um arqueólogo, que vive num inferno e não pode acreditar
que o lugar aonde hoje vegeta tenha sido tão bom há oitenta e cinco anos atrás,
a ponto de gestar no cabeça de quem criou a ingênua marchinha aquela visão
hiper-romântica de realidade que a sucessão das décadas, e o antes chamado progresso levou para o beleléu (o
palavreado da época de um certo modo me parece mais adequado).
Hoje a tragédia do Rio de Janeiro, a
palpável ausência de qualquer segurança, ela não é como a piada de Aporelly que
se reporta também aos aviões de carreira.
Tomemos em pílulas a realidade
carioca (porque querer ingeri-la de uma vez é ato de mortal imprudência). Vejam
o foto na primeira página de O Globo de hoje: vemos a trinca que aqui se
movimentou. Enquanto o governador Pezão olha com a atenção inteligente que lhe
é própria um celular, o ministro da Justiça Torquato Jardim e o ministro da
Defesa Raul Jungmann deparam a movimentação em torno com as vistas ou vazias,
ou ansiosas, que as duas autoridades trouxeram para o Rio.
Mais uma reunião vazia de
consequências, enquanto a ex-Cidade Maravilhosa soçobra no assassínio cruel de
um delegado honesto, que como sói acontecer foi descoberto pela bandidagem e
arrastado para algum tugúrio e lá torturado, massacrado e morto. De uns tempos para cá,o diretor dos filmes
sobre ex-Cidade Maravilhosa mudou, e começou a dar às tragédias cariocas os fins dos filmes noir, em que a boa gente
morre, como esse pobre delegado a quem a bandidagem odiava por acreditar no
próprio mister, que é pôr na cadeia o bandido e o marginal. Vejam
o seu triste fim, ao ser reconhecido dirigindo o próprio carro, sendo dele
arrastado e liquidado com a crueza do mundo a que combatia.
Tenho para mim a teoria que a
Cidade Maravilhosa foi assassinada há tempos,
mas os Sérgio Cabral, o seu Vice Pezão,
urdiram um final guignolesco para esse filme, pondo como prefeito Paes
para organizar as Olimpíadas, levar São Paulo a um ataque apoplético de
inveja, para depois desmoralizá-lo de
vez, com o desfazimento (na prática) da
Secretaria de Segurança (o honesto
Beltrame não tinha mais condições), chegando ao ponto extremo de trazer para o
Rio quem não gosta de samba e de carnaval, Marcello Crivella, o evangélico
doublé de sobrinho do Bispo Macedo, que ora examina com a própria seriedade a
possibilidade de tomar o lugar de Dom Orani...
Não sou vidente, mas crescem as
possibilidades de que a revolta coma solta quando quiserem fazer tocar, como
era praxe, a alegre marchinha da Cidade Maravilhosa. Podem pensar que isso é deboche, e prejudicar
dessarte o plano turístico do novo Prefeito (quem será, só Deus sabe...)
( Fonte:
O Globo )
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