O famigerado 'jeitinho' brasileiro, vale
dizer a tendência a servir-se de pontos obscuros na lei, forçando interpretação,
ainda que contrária à intenção da norma legal,
mas logrando por má-fé
contorná-la, é por muitos
apontado como uma falha no caráter do brasileiro, que não trepida em
prevalecer-se de interpretações no
mínimo discutíveis para vencer eventuais obstáculos.
Nesse sentido, está o recurso à fraude
na chamada 'cota racial' nas universidades
federais. Assim, segundo apurou o Estado
de S. Paulo uma em cada três
universidades federais do Brasil já investigou a matrícula de estudantes
por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais, como mostra
levantamento realizado pelo jornal, tomando por base os processos
administrativos instaurados pelas instituições.
Para reduzir as fraudes, o governo
Temer quer formar uma comissão para
análise visual dos alunos, consoante informa o repórter Luiz Fernando Toledo.
Quanto ao quadro de abusos existente,
das 63 universidades federais no Brasil,
53 responderam aos questionamentos. No
total, há 595 estudantes investigados em 21 instituições de ensino. Desses, a maioria já teve a matrícula
indeferida, mas parte logrou retomar os
estudos por decisão judicial. Nos
documentos analisados, foram encontrados estudantes que se declararam
quilombolas, mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade. Há também alunos
acusados por movimentos negros de serem brancos. O caso mais comum, em que há mais
polêmica, é o dos pardos. Eles muitas
vezes são identificados - e denunciados - como "socialmente vistos como
brancos". Nesse contexto, eles não deveriam utilizar o sistema, segundo os
movimentos sociais. Como seria previsível, os cursos mais concorridos são o
principal alvo de denúncias. Dentre esses, medicina e direito, com casos em
todas as instituições em que jáa houve sindicância. As denúncias, em geral
provêm do movimento negro e dos próprios colegas. Com a frequência das
denúncias aumentando, parte das instituições criou comissões de aferição da
autodeclaração de raça feita pelo aluno.
Como a falta de padrão tende a criar
distorção, o Governo Temer decidiu
reativar um grupo de trabalho, encabeçado
pelo Ministério dos Direitos Humanos, e incluindo secretarias do
Ministério da Educação e da Fundação Nacional do Índio, que deve finalizar um
documento para dar base a comissões de aferição de autodeclaração da etnia dos
estudantes em todas as universidades federais do Brasil (hoje, só parte das
instituições realiza esse procedimento).
Segundo o Estado apurou o modelo
em tela prevê bancas de cinco pessoas, formadas de modo diversificado, tanto em
gênero, quanto em etnia dos servidores. Só novos alunos seriam avaliados, antes da matrícula, e o primeiro
aspecto a ser considerado deve ser o fenótipo (aparência) . Segundo afirma outrossim Juvenal Araújo,
secretário nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, órgão
vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, "a questão do racismo no
Brasil é de marca e não de origem. As pessoas são reconhecidas socialmente enquanto
negras pelos traços fenotípicos."
Por fim, entre os especialistas,
não há consenso sobre as comissões. "Pode criar uma espécie de tribunal
racial, no qual a população negra estaria, mais uma vez, alijada das decisões
sobre a própria identidade e pertença.
Quem comporia essas comissões? Quais seriam os critérios para a escolha
dos homens e mulheres que decidiriam quem é ou não negro no Brasil ?",
pergunta a professora Inaé Santos, da Fundação Getúlio Vargas-Rio e do Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV),
Já o especialista em ações
afirmativas Frei David Santos diz que é
essencial combater fraudes: "Essas práticas criminosas precisam ser
atacadas exemplarmente, para garantir que os reais destinatários da medida
sejam contemplados."
( Fonte: O Estado de S. Paulo )
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