Existe uma
palavra em alemão que pode exprimir a atual situação política na Alemanha e a
posição de Ângela Merkel, como Chanceler.
Segundo se depreende das notícias vindas da Alemanha, de repente se
coloca um agravamento da crise política naquele país.
Há um mal-estar com o decurso dos prazos para a formação do governo. Por
uma série de circunstâncias, há muita gente - a mor parte por motivos
inconfessáveis - que deseja a sua saída do governo.
Antes de entrar nessas matérias em que repontam invejas pequenas e
grandes ambições, gostaria de pedir a atenção do leitor para uma palavra
em alemão, a que sempre li com um interesse mesclado à admiração da língua de
Goethe, e de sua originalidade verbal.
Dizem que o idioma germânico prende o leitor
em cada frase, pela circunstância de que os verbos se dividem entre meio e fim de frase, e por isso mais do que
cativam, eis lhe agarram o interesse no respectivo desfecho até o fim da
oração, por meio de um singelo prefixo,
que tudo ao cabo muda.
Há um escritor que discorrendo sobre esse ponto, fala do suspense, que ele provoca, eis que o
leitor, ao embrenhar-se na construção de uma única frase, pode só saber do
respectivo desfecho já nos finalmente
daquela construção linguística. Na
célebre descrição, seria como se o leitor, ao seguir avidamente a frase, na
ansiosa busca por sua mensagem, espera
até o último momento para captar-lhe o seu sentido final, em que ela, após o
consueto mergulho nas águas incertas e prenhes da sintaxe, de repente se
ergue, ao cabo e no próprio final da
sentença, como se fora mergulhador levando na sua boca a ansiada resposta
quanto às dúvidas que só então serão aclaradas pelo prefixo que soubera guardar
entredentes...
A excelência da língua germânica
tem no próprio luzente baú uma infinidade de pedras preciosas que podem luzir
tão forte a ponto de turbar um leitor mais afoito e descuidado.
Tenhamos, por exemplo, presente a liberdade que o idioma germânico tem
com a construção de novos conceitos, formados por palavras já existentes, e que
através da própria união perdem, em parte, o seu sentido primitivo. Nesse
aspecto, a originalidade do alemão está
não em juntar palavras, mas na verdade por seu intermédio atingir um
sentido surpreendente, paradoxal mesmo.
É como se, na própria desenvoltura
verbal, o idioma de Goethe nos surpreendesse doutro modo, diverso daquele da
imagem famosa do mergu- lhador que aparece afinal com a prometida resposta
entre os lábios presa.
Nessa momento difícil da Merkel se reflete também a riqueza da língua
germânica. Vê-se não só na atmosfera
renana, e também nos lábios de comentaristas e políticos, aquela velha
Schadenfreude - alegria com a desgraça
(alheia). Na realidade, duas palavras
modestas, que integram o cotidiano de qualquer nação. Schaden
é o prejuízo material, mas também a perda; por sua vez, Freude é a
alegria sem adjetivo. Pode ser, assim, a
alegria de uma criança com seu brinquedo, e também o júbilo de um adulto.
Sem embargo, Schadenfreude é
muito diverso, porque traz dentro dela a alegria com a desgraça de outrem.
É o que vemos hoje, na velha terra teutônica. Os inimigos da
Merkel não podem confessar o próprio ressentimento com os seus treze anos de
Chanceler. São tantas as suas
realizações, e tantos os anos, de sua
presença na Chancelaria alemã, que se pode até entender que gente menor, com
vôo menor, e, por muito tempo, dela
psicologicamente dependente, como alguém, por exemplo, tem de levar na mente a
sua exitosa presença como Chanceler.
A Schadenfreude é uma criatura mesquinha pela própria natureza, e por
isso em geral espera longos anos se são grandes as árvores e a sombra que
projetam, para poder agitar-se, sob o domínio da inveja, que tende a crescer
diante da antojada e aparentemente próxima desgraça desses grandes personagens que parecem pairar
acima das mesquinharias do cotidiano reservado à gente menor e àqueles que
pensam ser grandes, mas são também pessoas mesquinhas e mofinas. Lembram-se acaso de como Donald Trump a
recebeu na Casa Branca? Torcia-se de
inveja diante da aparição da Merkel. Na
verdade, sequer o seu mal-estar lograva
disfarçar, por ser ela tão grande e ele tão pequeno.
Pois na verdade, não tardaria em
dar outra indicação do próprio desconforto, que fê-lo ser até quase grosseiro
com a personalidade de Frau Angela Merkel. Não é que Trump se sentiu híper-realizado no
encontro com Theresa May, a Primeiro Ministra britânica, a quem deu
romanticamente a mão, encantado sem dúvida em voltar à planície em que vive !
Grande como é a Merkel como
dirigente e como personalidade, estar presente já é um incômodo para os falsos
grandes da cena mundial...
Não sei como isso há de
terminar. Será que a SDU - partido
bávaro que teme a incursão na Baviera
dos neo-nazistas da Alternativa para a Alemanha, e que é a irmã siamesa
da CDU - se preocupa com o que acontecerá com a Merkel?
Será que à liderança do SPD
incomoda a presença da Merkel, em uma nova Grande-Coalizão? Ou quem sabe, a sua ausência lhe cairia mais
a gosto? Como dirá o mesmo, ou parecido,
o velho FDP, o sócio fiel de tantas coalizões, que agora pensa e repensa se não
seria melhor que a Merkel, com tão grande passado, se afastasse afinal com
todos os seus louros?
Gente pequena, que se sente cercada por problemas grandes, a
que não se acham em condições de lidar...
O quê fazer?
Não sei o que Frau Angela Merkel ainda
medita. Mas tudo aquilo que pensar, com
as suas grandes asas é bem maio do que o entorno...
Será que a Merkel ficou demasiado
grande e por isso, incomoda, e por isso deva ser afastada ?
A lógica é besta, sem pé nem
cabeça, mas o que é a vida, com o seu chorrilho de surpresas?
Talvez a impenetrável, imponderável Angela Merkel
tenha no próprio seio a resposta a tantas baixarias e
mesquinharias... Talvez apronte uma das
suas, em meio aos pequenos líderes que a cercam. Quem sabe, a imagem do
verbo-mergulhador continue a valer...
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