domingo, 28 de janeiro de 2018

Da paralisia do Congresso

                                 

         Cresce no Congresso americano a sensação de generalizada paralisia (gridlock) da instituição. Tanto republicanos, quanto democratas temem as  próximas eleições intermediárias,  previstas para este  novembro.
         Se há nos democratas a esperança de uma reversão de expectativas, com vitória na Câmara de Representantes, que derrube o speaker republicano, Paul Ryan, no posto desde outubro de 2015, quando sucedeu a outro do GOP, John Boehner, e lhes traga de volta a speaker democrata (consequência de que o partido do burrinho volte lá a ter maioria, o que não acontece desde 2011, quando Nancy Pelosi perde a cadeira de Speaker) e, o que se afigura talvez ainda mais difícil, que voltem também a ter maioria na Câmara Alta, com Chuck Schumer, e despeçam para a minoria o atual líder republicano, no Senado Mitch McConnell.   
           Talvez o temor maior seja dos republicanos,  por causa da eleição de Donald Trump para presidente da república. Com uma liderança errática, Trump tem sobre a cabeça um Conselheiro Especial, Robert Mueller que estuda se cabe ser ele submetido ao procedimento do impeachment, por eventual colusão para a obtenção da presidência com a Federação Russa.
           Tampouco aumentou a confiança dos políticos a cessação do serviço público, determinada pela falta de fundos para o funcionamento do Estado. Tendo de ser restrito pela cessação dos fundos das atividades estatais, que nesses casos  se vêem restringidas a atividades mínimas do Estado. Esta última foi causada pela cessação quase completa das funções do Estado, e está ligada à radicalização no que tange a um acordo entre os dois partidos sobre a imigração, notadamente com a regularização da situação dos dreamers, imigrantes que entraram nos Estados Unidos ainda crianças, e que desejam ter regularizada a sua situação. O radicalismo do Presidente Trump, com a sua política anti-imigratória - conforme de pronto revelada pela crise determinada pela sua tentativa de proibir o ingresso nos EUA de imigrantes árabes, e o choque com o Judiciário estadunidense, dado o carater ilegal das novas disposições migratórias do Governo Trump.
            Na raíz da crise se acha a incerteza jurídica, que é uma decorrencia direta da recusa pela nova Administração a coordenadas jurídicas na área migratória que estejam conformes à tradição constitucional do Direito das Gentes americano, como uma terra de oportunidades e que esteja aberta àqueles que venham de boa fé nela estudar, além de buscar atividades que sejam consentâneas com a tradição americana. São tais princípios, defendidos por uma interina democrata na Secretaria de Justiça, de nome Sally Yates que, apesar de terem contribuído para a sua exoneração pelo Presidente Trump, marcaram de forma indelevel que a pátria americana é uma de princípios, de acolhida ao estrangeiro que a ela acorre de boa fé, e que marcaria a sua breve, mas memorável, intervenção no Legislativo estadunidense. Convocada pelo Subcomitê Judiciário do Senado, para depor sobre a sua tumultuada década na Administração Trump, e perguntada pelo Senador republicano Ted Cruz se estava familiarizada com o Código americano Seção 1182,   disse não estar preparada a lidar com tal estatuto, pelo menos à primeira vista.  Com um sorriso superior, o Senador pensou relembrar-lhe que se tratava da disposição legal que ela se havia recusado a implementar, e que, por conseguinte, determinaram a sua exoneração. Dentro dessa linha, Cruz leu trecho da lei, que dá ao Presidente a autoridade de suspender o ingresso de todos estrangeiros ou qualquer espécie de alienígenas como imigrantes. Ao ouvir a leitura do documento legal, Sally respondeu: sim, estou familiarizada com essa Lei.  Mas estou também familiarizada com ulterior determinação do I.N.A. - a lei da nacionalidade e da imigração. que diz que ninguém pode receber tratamento de preferência ou ser discriminada na expedição do visto por causa de raça, nacionalidade, ou local de nascimento.  Nesse contexto, Sally Yates declarou que, além da linguagem do Estatuto, ela devia também verificar se o decreto executivo de Trump era conforme à Constituição americana. Escusado dizer que o Senador republicano pelo Texas tratou de sair sem mais comentários, diante daquela jovem Senhora que lhe falava da importância e da relevância do Direito americano na defesa dos estrangeiros  que vêm aos Estados Unidos, como terra de asilo que é.
            Não é decerto a primeira vez que cito - e o faço com o prazer que a defesa do direito dos desvalidos me proporciona - e dado o caráter errático e impositivo dessa nova Administração Americana, não é difícil intuir que o desconforto, as dúvidas e, sobretudo, as incertezas de determinações arbitrárias, amiúde, sem respaldo da Lei, criam muitas vezes atmosfera povoada de dúvidas e inseguranças. O direito não é uma construção de improviso, ou ato reflexo de preconceito.  Por outro lado, o atual voluntarismo da Administração Trump está na raiz da dúvida e da incerteza, que sóem surgir de ambiente em que o eventual capricho e a vontade nua do poder pensam ter condições de agir de forma discricionária em terra americana. E é dessa mesma incerteza e imprevisibilidade que se forma ambiente pouco condizente com o livre trânsito das idéias e para a construção - esse trabalho de Sísifo - dos parâmetros e a infinidade das condições que devam presidir  um diálogo na sociedade americana que se paute pelo respeito a todos os que nela participam. No Império da Lei, liberdade, respeito e reciprocidade são as grandes coordenadas, a que todos sem exceção se devem sujeitar. Não há maior cumprimento que o servo da liberdade deva realizar que ter presente a respeitosa atenção a cada um. Republicanos e democratas se alternam na valsa do poder, e a condição de que a democracia prevaleça está no seu respeito tanto ao cidadão incomum, quanto ao menor de seus filhos. Ordem e Democracia não são princípios contrários, mas constituem, na verdade, coautores de obra que jamais termina.e que para tanto carece de  basear-se no atencioso respeito à liberdade de cada um, enquanto expressão de um direito que atenda ao coletivo, na medida em que reflita capacidade intelectual e eventuais prerrogativas de cada peça integrante desse divino mecanismo. E é por isso, caro leitor, que a lição que a democrata Sally Yates prestou ao dignitário e Senador Ted Cruz não será coisa de somenos nos anos do porvir. Tê-la presente implica muito mais do que o conhecimento do direito das gentes. Representa, na verdade, a bela visão da Democracia americana, e o quanto devamos atuar para colocá-la de volta nos trilhos.


( Fontes: The New Yorker,  29 de maio, 2017; The New York Times

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