terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Desafio para a ditadura clerical iraniana?

                      

       Talvez na mais repressiva teocracia do planeta,  ulterior levante surja no Irã, hoje como ontem, contra o sufocante domínio dos ayatollahs sobre a suposta república iraniana.
        Os protestos de agora - se por ora ainda menos violentos do que aqueles da Revolução Verde de 2009 - surpreenderam o mundo teológico-oficial pela própria força e o inesperado surgimento, além das aparentes causas cogentes para esses distúrbios, que, consoante os modelos usuais das ditaduras, são 'explicados' como eventuais ingerências de inimigo a que o mundo oficial atribui as pesadas culpas de ser a um tempo alienígena e cismático.
        Ainda há muitas dúvidas sobre as causas do levante, se políticas, economico-sociais ou econômicas, ou mistura de ambas. Se elas aparentemente surgiram no meio do povo - no Brasil, haveria semelhanças com a revolta do vintém, em princípios do século passado - a sociedade fechada e o pouco acesso que faculta a observadores, sejam profissionais, sejam da imprensa - isto conjugado com o caráter repressivo do regime, com a sua sutil capa parlamentarista - traz para esse estado sob o domínio dos ayatollahs a carantonha de um clericalismo medieval.
        Quando se pensa nos avanços do regime de Mossadegh[1], na maneira em que aquela democracia foi derrubada por estulto golpe de sufoco, com a usual clarividência da CIA, dos tempos de Dwight D. Eisenhower, e os desastrosos resultados daí decorrentes pelo caminho do subsequente reinado de Reza Pahlevi, tão truculento quanto corrupto, a que se segue a revolução dos ayatollahs, através da carismática liderança do Ayatollah Khomeini, não se pode ignorar a base popular e clérico-religiosa desse movimento.
          À postura antiocidental da governança dos ayatollahs, esse regime clerical - maximalista resistiria ao embate dos oito anos da guerra Irã-Iraque, na década dos oitenta. Saddam Hussein foi então apoiado por Washington, a Arábia Saudita e as demais monarquias do Golfo Pérsico,  em que o seu final inconclusivo implicaria na superação pela república clerical dos ayatollahs do respectivo maior desafio, e no consequente enrijecimento doutrinário, quando tal regime adentra a sua fase de maior radicalismo.
          Hoje o poder clerical das monarquias xiitas, no seu embate com as sunitas, dispõe de vários peões no mundo islâmico, acreditando por isso escapar do mortal isolamento que seria a chave da derrocada na Líbia do coronel Muammar Gaddafi, cujas concessões nos pródromos do respectivo fim, seriam apontadas como diretamente instrumentais para sua ruína e assassínio em estrada deserta, como brande, à guisa de advertência, o Ayatollah supremo Khamenei :  "Se os inimigos Baathi houvessem adentrado o Irã, eles não teriam tido misericórdia com ninguém" e a "situação do Irã seria pior do que a da Líbia ou Síria." Nesses dois twitters, citados pelo Times,  se vê a tentativa do líder religioso xiita de trazer para o proscênio os embates entre os campeões xiitas (Teerã) e sunitas (Arábia Saudita).
          A radicalização e a intolerância religiosa estão no cerne do conflito no oikomene médio-oriental entre os chamados campeões de ideologias contrapostas, em que a religião muçulmana, na verdade, não é arrastada para o campo de batalha, mas dele intrinsecamente participa na confrontação à outrance de um cenário que não se sentiria  fora do contexto dos embates no medievalismo dos tempos da Commedia de Dante Alighieri.  (a continuar)

( Fontes: The New York Times;  La Commedia de Dante; A Study of History, Arnold Toynbee; Enciclopédia Delta-Larousse ). 




[1] Mossadegh, na verdade Muhammad Hidayat, político iraniano (1881-1967). Chefe de governo entre 1951 e 1953, nacionalizou as empresas de petróleo, contrariando  o Ocidente.

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