Talvez na mais repressiva teocracia do
planeta, ulterior levante surja no Irã,
hoje como ontem, contra o sufocante domínio dos ayatollahs sobre a suposta república
iraniana.
Os protestos de agora - se por ora ainda
menos violentos do que aqueles da Revolução
Verde de 2009 - surpreenderam o mundo teológico-oficial pela própria força
e o inesperado surgimento, além das aparentes causas cogentes para esses distúrbios, que, consoante os modelos
usuais das ditaduras, são 'explicados' como eventuais ingerências de inimigo a
que o mundo oficial atribui as pesadas
culpas de ser a um tempo alienígena e cismático.
Ainda há muitas dúvidas sobre as causas
do levante, se políticas, economico-sociais ou econômicas, ou mistura de ambas.
Se elas aparentemente surgiram no meio do povo - no Brasil, haveria semelhanças
com a revolta do vintém, em princípios do século passado - a sociedade fechada
e o pouco acesso que faculta a observadores, sejam profissionais, sejam da
imprensa - isto conjugado com o caráter repressivo do regime, com a sua sutil
capa parlamentarista - traz para esse estado sob o domínio dos ayatollahs a carantonha de um
clericalismo medieval.
Quando se pensa nos avanços do regime
de Mossadegh[1], na maneira em que aquela
democracia foi derrubada por estulto golpe de sufoco, com a usual clarividência da CIA, dos tempos de
Dwight D. Eisenhower, e os desastrosos resultados daí decorrentes pelo caminho
do subsequente reinado de Reza Pahlevi, tão truculento quanto corrupto, a que
se segue a revolução dos ayatollahs,
através da carismática liderança do Ayatollah
Khomeini, não se pode ignorar a base popular e clérico-religiosa desse
movimento.
À postura antiocidental da governança
dos ayatollahs, esse regime clerical - maximalista resistiria ao embate dos
oito anos da guerra Irã-Iraque, na década dos oitenta. Saddam Hussein foi então
apoiado por Washington, a Arábia Saudita e as demais monarquias do Golfo
Pérsico, em que o seu final inconclusivo
implicaria na superação pela república clerical dos ayatollahs do respectivo maior desafio, e no consequente
enrijecimento doutrinário, quando tal regime adentra a sua fase de maior
radicalismo.
Hoje o poder clerical das monarquias
xiitas, no seu embate com as sunitas, dispõe de vários peões no mundo islâmico,
acreditando por isso escapar do mortal isolamento que seria a chave da
derrocada na Líbia do coronel Muammar
Gaddafi, cujas concessões nos pródromos do respectivo fim, seriam apontadas
como diretamente instrumentais para sua ruína e assassínio em estrada deserta,
como brande, à guisa de advertência, o Ayatollah
supremo Khamenei : "Se os inimigos
Baathi houvessem adentrado o Irã, eles não teriam tido misericórdia com
ninguém" e a "situação do Irã seria pior do que a da Líbia ou
Síria." Nesses dois twitters,
citados pelo Times, se vê a tentativa do líder religioso xiita de
trazer para o proscênio os embates entre os campeões xiitas (Teerã) e sunitas
(Arábia Saudita).
A radicalização e a intolerância religiosa
estão no cerne do conflito no oikomene médio-oriental
entre os chamados campeões de ideologias contrapostas, em que a religião
muçulmana, na verdade, não é arrastada para o campo de batalha, mas dele intrinsecamente
participa na confrontação à outrance
de um cenário que não se sentiria fora
do contexto dos embates no medievalismo dos tempos da Commedia de Dante Alighieri. (a
continuar)
( Fontes: The
New York Times; La Commedia de Dante; A
Study of History, Arnold Toynbee; Enciclopédia Delta-Larousse ).
[1]
Mossadegh, na verdade Muhammad Hidayat, político iraniano (1881-1967). Chefe de
governo entre 1951 e 1953, nacionalizou as empresas de petróleo,
contrariando o Ocidente.
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