domingo, 19 de novembro de 2017

A internet é espelho de democracia?

                    
         O grau de democracia de um país pode acaso ser medido pela internet?  Em caso negativo, as dúvidas decrescem dramaticamente.  A China atual, por exemplo, oferece um acesso à internet - reporto-me, é lógico, a uma internet relativamente livre - não marcada pelas 'firewalls' (muralhas de fogo), pelos espaços vedados na prática ao navegador - e, por conseguinte, um espaço assaz controlado, em que os acessos são policiados e as muralhas de fogo bastante comuns.
          A sensibilidade negativa da internet na RPC de Xi Jinping é, por isso, muito mais ativa, e o infeliz viajante nessa internet  tende a recordar-se dos bons, velhos tempos de Hu Jintao, um governo mais permissivo ideologicamente do que o de Xi, e não é por acaso que este senhor no presente tanto admira a Mao Zedong.
           Por isso, a safra dos livros escritos sobre a China na atualidade tende a ser muito menos informativa, do que aquela anterior, em um período mais aberto e, por conseguinte, mais permissivo de Hu Jintao.
            Se Li Peng não tivesse logrado afastar a Zhao Ziyang, e prevale-cer-se de sua fatídica viagem oficial - enquanto primeiro ministro -  à República da Coréia do Norte - para convencer Deng Xiaoping  a  en-durecer com os estudantes, através de editorial no principal jornal chinês, e assim desencadear a máquina infernal que ativou o massacre de  Tiananmen, teria probabilidade tendente a zero de que hoje o mundo assistisse ao discurso interminável de posse do admirador de Mao Zedong - Xi Jinping - porque a China sob Zhao teria condições de evoluir para certo tipo de democracia oriental, a qual viveria sem muralhas de fogo (as firewalls da censura na internet), mas decerto  caracterizada por uma democracia dita forte, como surgiria sob as chefias burocráticas na RPC.   
            Sem querer cansar o leitor, é indispensável ter presente que a viagem oficial de Zhao para a República da Coreia do Norte abriu  deplorável oportunidade para o grupo de Li Peng, dito "conservador", para extrair uma senhora concessão do então líder Deng.  A linha dura conservadora de Li Peng - a despeito de marginal, desempenharia aí o seu papel na história chinesa e voltaria rápido para a obscuridade.  Serviu-se da provocação que levou, na ausência de quem lhes conscientizasse da armadilha que lhes era preparada - para levar os estudantes a fazer exatamente o que grupo linha dura chinesa desejava que fizessem: i.e., morder a isca e cair na armadilha da reação, foi o que aconteceu. Há poucos momentos na História em que um erro - como foi o do ancião Deng Xiaoping aceder em assinar uma provocação aos estudantes na Praça Tiananmen - teria as consequências danosas que teve para a história da RPC.
          A China decerto não retomaria o caminho da democracia dos últimos tempos do longo reinado da Imperatriz Ci Xi,  mas com Zhao presente seria impensável  um episódio como o do massacre de Tiananmen.
            O leitor há de relevar essa minha volta ao passado. Por esse quase putsch do grupo periférico de Li Peng, houve uma senhora ruptura na progressão histórica da China e o próprio Xi, enquanto admirador de Mao, sequer teria oportunidade de dar o ar de sua graça. A gerarquia chinesa jamais ignorou a popularidade de Zhao Ziyang. Por isso, ao contrário de tantos outros,  seu destino foi o da prisão residencial, e a sua duradoura popularidade o acompanharia até a morte,  eis que um regime medroso preferiu enterrá-lo como se fora um segredo de estado.
               Constitui, por conseguinte, uma espécie de maldição político-histórica àquela revolução branca que poderia ter sido, mas não foi - e de que a biografia de Zhao Ziyang constitui o revés de outra evolução - e que tenderá pela sua incômoda presença, inclusive pela própria renitente grandeza  a representar à ordem autoritária a ameaça que o favor popular e a consequente autoridade moral  constituem, como se verificou  no enterro secreto de Zhao, e no estranho temor que persiste em  infundir este personagem a que o destino - e a conspiração dos medíocres - trabalham até hoje por fazer esquecer  nos longos bocejos dos discursos intermináveis, e no papelório infindável  de um regime que acalenta trazer de volta os programas demenciais do inferno maoista.

                Pobre China!  na estação da História quis o Acaso imbecil  que, em ritual visita à República da Coreia do Norte, se esvaísse o sangue  de outro Lenin, que não careceria de um trem de ferro, para ser levado a uma outra revolução, a de trazer a democracia - já desejada pela Imperatriz Ci Xi no começo do século passado - para as vermelhas plagas de um grande, nascente Poder.

                 Mas que grande infelicidade esta, a de destinar a China uma vez mais aos punhos de ferro das medrosas ditaduras?


(Fontes: Prisoner of the State (The Secret Journal of Premier Zhao Ziyang); Empress Dowager Cixi )

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