Tem-se a impressão de que a Coreia do Norte, ao presenciar-se as desatinadas reações do Presidente dos Estados Unidos ao desafio colocado pelo regime de Kim Jong-un, representa um dado desde muito firmado, quanto à respectiva ameaça colocada por Pyongyang à superpotência, seja em ataque à base americana em Guam, no Pacífico, seja em bombardeio nuclear à extremidade norte-oeste dos Estados Unidos.
Como essa aparentemente absurda
utilização de armamento que pode pôr em risco a sobrevivência da Humanidade, ou
no mal ainda terrível e impensável de ser empregada por um estranho provocador,
que chega a imaginar o seu uso como arma tática, seja em fim de contas tão
demencial, que tende a tornar qualquer avaliação dos riscos envolvidos
extremamente problemática.
A análise desse enfrentamento nuclear
se torna ainda mais difícil pelas multifacéticas características que o problema
coloca.
Este redondo fracasso do esquema de
não-proliferação nuclear estabelecido pelos Estados Unidos da América, com a
anuência das demais potências nucleares, nos desvela outra falha colossal, i.e., que Pyongyang, fundado em
infraestrutura pobre e deficiente, haja conseguido burlar o decantado sistema
de antiproliferação, para chegar à construção e à experimentação de um artefato
nuclear, a que o subdesenvolvimento do país não constituíu obstáculo de maior
monta. Que um rogue cientista ou não
haja conseguido burlar o esquema de prevenção montado pelo Tratado de Não-Proliferação
implica na acusação mais séria quanto à inépcia de tal sistema, ou a hipóteses
ainda piores no que respeita à capacidade dos Estados Unidos e do Ocidente de
barrar o desenvolvimento de um artefato que constituía um profundo desejo de
afirmação do regime que preside sobre a geral miséria da população
norte-coreana.
Nesse contexto, qual foi a
participação da China Comunista? Como uma espécie de legado do último conflito
mundial, a liderança chinesa sempre procurou surgir em posição de potência
protetora da Coreia do Norte. A própria participação de Beijing na guerra da
Coreia, com a entrada no conflito como 'voluntários' de suas forças, já mostra
a relevância que tem Pyongyang para Beijing.
Nessas condições, o fato de o regime
de Kim Jong-un viesse a constituir através dos anos o desafio para a Paz
mundial que ele ora representa não pode escamotear a gravíssima falha no
esquema de prevenção da nuclearização norte-coreana.
Outro complicador do problema da
Coreia do Norte está no estilo Trump de enfrentá-lo. Por vezes, Donald Trump,
seja por limitações pessoais, seja pelo próprio temperamento, não tem lidado
com o desafio da maneira que seria a empregada por um Presidente preparado para
agir de forma mais profissional, e não através de rompantes, como o mais
recente sondagem da CBS News veio patentear. Há certo ar de bravata, de cowboy perante um rival pistoleiro, e
mesmo nas ameaças do presidente ao desafiante Kim Jong-un, sem sequer
consultar os canais competentes que para isso existem, inclusive numa
necessária imersão junto à burocracia
responsável pela matéria. Aliás essa carência de seriedade e profissionalismo
já se desvela nas pessoas que Trump escolheu para assessorá-lo, como no caso do
fugaz Assessor de Segurança Nacional, Michael Flynn, que principiou mentindo
para o Vice-Presidente Mike Pence, acerca de contatos com o embaixador
russo - o que determinou a exoneração do
Assessor.
Além desse ar de cowboy em
cavalo branco, que fala - ou melhor que tuíta antes de pensar - e, por
conseguinte, não consulta aqueles que têm experiência do problema em termos de chancelaria,
para que a sua eventual reação possa expressar o sentir da burocracia
especializada na questão, com o aval presidencial. Ao invés, o seu
comportamento transmite forte impressão de improvisação, como se lá estivesse
como o velho cowboy John Wayne, que ali
está seguro de si, e que na hora h sabe puxar primeiro, como se o enfrentamento
fosse simples reedição daqueles do velho Oeste.
Não é à toa, por isso, que 61% dos americanos estão incomodados
com a maneira pela qual o presidente Donald Trump está enfrentando a crise com
a Coreia do Norte, segundo pesquisa da CBS News.
(
Fonte: O
Estado de S. Paulo )
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