A Coreia do Norte - este não é o seu
título oficial - continua decerto um
país pobre, com boa parte da sua população vivendo no limiar da miséria, e a
sua diferença de padrão de vida é tão marcada em relação à Coreia da Sul, que o governo de Pyongyang busca em geral
escamotear tal circunstância.
Não há duvida se os régulos da Coreia
do Norte tivessem um objetivo mais modesto e mais terra à terra, a situação do
próprio sofrido povo não apareceria tão mal
no quadro existencial das nações do Extremo Oriente.
A própria China parecerá um eldorado
em termos de comércio e de consumismo, embora ainda existam bolsões de pobreza
no Eldorado chinês, sempre se cotejada com a Coréia do Norte.
Na estranha monarquia de
Pyongyang, o atual soberano Kim Jong-un
tem incômoda presença, sobretudo para Washington, mas também para Seul. Isto
ele já o demonstrou em excesso, a ponto de que empalidece a obnóxia presença de
seus antecessores - na linha real encetada pelo pater-familias Kim Il-Sung, que por causa da IIa
Guerra Mundial instalou-se na Coréia, graças aos préstimos de Joseph Stalin.
Depois de sobreviver à guerra da Coreia em que, com a ajuda da China Comunista
e seus 'voluntários' firmou-se o poder da família Kim na parte setentrional da
península.
A República Popular da China, por
força dos grandes cometimentos em defesa da Coréia do Norte - como no citado
conflito com os Estados Unidos - se marcou pelo seu apoio ao regime de
Pyongyang, além de constituir uma área de especial atenção para os gerarcas do Império do Meio. Existia como que um
interesse especial por aquele atrasado país, máxime pelo fato de ser regido
pelas normas marxistas-leninistas. A maior parte dos gerarcas chineses tinha
por princípio visitar aquela nação que a RPC se esforçava em ajudar, por laços
ideológicos de que não se pode excluir algum sentimentalismo. Nesse quadro,
está a visita do então Primeiro Ministro Zhao
Ziyang à Coreia do Norte. Após uma
série de cargos importantes e sendo próximo do líder Deng Xiaoping, Zhao teve
de visitar aquele país aliado da China. No entanto, essa viagem teve o condão
de afastá-lo de Beijing em momento chave da história recente chinesa, quando
surgira na praça de Tiananmen o movimento dos estudantes pró-democracia
A ala conservadora do regime,
encabeçada por Li Peng, influenciaria Deng Xiaoping para escrever editorial no principal jornal
do Partido, estigmatizando o movimento na Praça, em uma linguagem que se
especula teria sido evitada por Zhao. Este, no entanto, estava longe na Coréia
do Norte...
Essa ausência de Zhao em
momento chave da história chinesa pode explicar muito de o que ocorreu depois.
Mas esse pormenor é igualmente relevante porque ele descerra a cortina sobre os
estranhos caprichos da História. Se Zhao ficasse em Beijing, o grupo de Li Peng teria acaso a possibilidade de fazer
com que o ancião Deng usasse a linguagem do artigo, o que afastou as lideranças
estudantis e mais envenenou o ambiente. Tudo como Li Peng e seus aliados
desejavam, dentro da velha receita de quanto pior melhor...
Escrevo tais observações
porque sinto que o sistema de prevenção das armas nucleares tem na Coreia do
Norte um dos seus fracassos determinantes. Conter será sempre mais difícil do
que difundir, como a trajetória de Pyongyang
o mostra hoje de maneira irrecusável.
Nessa involução na política
de contenção das armas nucleares, muitos fatores terão operado para tornar
possível o que hoje se assiste em matéria de desagregação das defesas
institucionais dessa terrivel arma.
Que o hoje pacífico Japão
vire expectador do cruzeiro de um míssil
que sobrevoou o país no que se pode definir como exercício para o prazer do
atual soberano da Coréia do Norte, é uma questão que, pesa-me dizê-lo, torna
precárias as avaliações tradicionais tanto da segurança, quanto daqueles em
condições de lidar com ela.
É sempre tarefa árida e
pouco promissora investir contra os erros do passado, sobretudo quando os fatos
consumados nos cercam e nos contemplam com um esgar que pode parecer sorriso,
mas não o é.
Qual será a próxima
brincadeira de Kim Jong-un?
(Fontes:
O Estado de S. Paulo; Prisoner of the
State, by Zhao Ziyang)
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