segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Dos Furacões e seus secretos Amigos

                              

        A violência da investida do furacão Harvey parece ainda mais ameaçadora, mesmo se formalmente rebaixada para a categoria de tempestade tropical.
        As lembranças do inferno criado pelo furacão Katrina, em 2005, que literalmente afundara a Administração de George W. Bush, através de um misto de falta de sensibilidade e de incompetência na intervenção, não se repetem por ora no Texas, malgrado seja grande, gigantesco mesmo, o desafio colocado por mais este mega-fenômeno.
        Houston pode ser a quarta cidade em tamanho nos Estados Unidos, mas a sua topografia em planas extensões funciona às vezes como diabólico inimigo natural, que inviabiliza qualquer socorro motorizado que não seja por barco, eis que a força do temporal ultrapassa a humana imaginação e tende a evocar o mítico dilúvio.
         A calamidade das águas torrenciais, que torna as grandes e largas avenidas e a rede de ruas, como ulterior desafio, seja para a fuga - impossível sobre quatro rodas, seja pelo conjunto de desastrosos isolamentos, em que estouram redes de esgoto e sistemas de escoamento pluvial, pois enfrenta-se uma batalha, na verdade sucessão de ataques que vão inchando sempre,e se confundem no inferno de torrenciais correntezas, que semelham cairem do céu, como avatar de dilúvios espalhados pela ajuda de inerte planície na mega-cidade.
           A pressão é tal que o inaudito desafio provoca, que a capacidade da megalópolis resistir se torna, na essência, a esmagadora dúvida de que os equipamentos existentes, quaisquer que sejam os respectivos materiais, ao invés de solução passam a integrar o labirinto de estranhas ameaças, que, ao parecer, não é que caiam do céu, mas se apresentam como inextricável complexo das forças naturais, que, debochada e afrontosamente, se servem das humanas construções e das artificiais esplanadas como cínicas, homicidas reservas de potências antes ignotas porque dormentes e, de súbito, se lançam em torvelinho de poderes nunca antes imaginados, em que se conjugam, crescem, carregam e espantosamente recrudescem as atávicas forças de mãe-natureza.
              De que adianta que a torpe investida a todos intimide - ali, na tenebrosa  planície  onde céus e terras parecem juntar-se - e a figura do dilúvio semelhe fora do lugar, pois nesse avatar do inferno líquido e caudaloso não há embarcações ou, se existem, como chegar a elas, no torvelinho das caudais e das torrentes, que do nada parecem sair, e que ameaçam a cada momento transformar as atônitas, trêmulas, aterradas vítimas em pasto de forças antes ignotas - e de que muitos cretinos ainda ousem contestar ?
               Os que duvidaram, e que pensaram que as grandes descobertas eram  impossíveis, pois no além-mar esperavam os atrevidos navegantes súbitos abismos que engolfariam as naves para sempre. Incrédulos e negacionistas são criaturas perenes da Humanidade, fontes de atraso e do ramerrame do imortal cotidiano.
                A diferença para o bando cretinóide dos atuais denegadores do clima é que - seja por má-fé, seja por mentes pequenas que não ousam sair do espaço tacanho da própria mediocridade, ou por fim, devido à incurável burrice - pela respectiva atitude, eles podem, como o demonstra a Administração Trump, representar ameaça adicional à sobrevivência da Humanidade, ou estúpido estímulo para tornar a existência dos demais cada vez menos aprazível - seja pelas tempestades naturais que se amiúdam, seja pelos mares que vão engolindo as terras baixas, seja pelas médias de temperatura, que derretem o permafrost e trazem gases poluentes como o tóxico metano para atmosfera, ou derretem os polos e elevam os níveis dos mares, engolindo as praias, empurrando a Humanidade para existência cada vez mais desconfortável e perigosa?
                    Ora direis que os furacões sempre existiram. Que são flagelos que cruzam os mares do Setentrião e do Caribe, nas quenturas do hemisfério norte, e como Átila chicoteiam e matam os desgraçados que estão na sua trilha maldita. Os locais ainda não olvidaram as vergastadas do trêfego Sandy, que arrasou terras vizinhas do Mar do Norte, nos estados de New Jersey e New York.    
                  Que grandes experiências essa gente da lavra de Trump e de todos os mais que o ainda incompreensível fenômeno de seu incongruente triunfo e a derrota da primeira mulher, que lá chegaria não fosse sabe-se lá o quê que aprontara aquele esforçado, dedicado e, sem embargo, encantadoramente estúpido exército do Armagedão formado por série de grandes fenômenos naturais, que a civilização poluente do petróleo jamais entendeu quão cataclísmico tal flagelo poderia ser para ela própria, e todos os mais, que seja, por faltos de compreensão e inteligência, permitiram que tantas desgraças viessem a ocorrer, infortúnios esses que eles não podem entender, tementes a Deus que são, ou pelo menos, dizem ser... 
                    Em termos de furacões e desgraças grandes, as aldravas das portas, por robustas que sejam, jamais lhes impedirão a passagem, em que como as bíblicas forças do Apocalipse trazem o esqueleto que a todos faz tremer, assim como miséria, destruição, e, uma vez mais, nossa senhora morte, cantada pelos aztecas e outros povos por ela enfeitiçados. Mas façam tento, meninas e meninos, que não é seu pai que está chegando, mas  esses malditos vendavais, que  não param de crescer, com forças que se pensaria saíssem das entranhas do mal. Se os deuses nos deram a dúbia dádiva da desmemória, seria bom não olvidar que os dias e as sazões podem passar, mas nunca esse estival castigo. E ele sempre mais forte, quanto mais o alimentares, devastando matas, amazônicas ou não, queimando combustíveis fósseis, e pondo em movimento a maravilhosa pujança de u'a grande, comemorativa fogueira, que nos leve para longe o oxigênio, que a vida se obstina em trazer para o homo sapiens, enquanto para perto, muito perto, que venha a magnífica coalizão dos poluentes gases!     


(Nota. Com os meus agradecimentos a Carlos Drummond de Andrade.)

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