A violência da investida do furacão
Harvey parece ainda mais ameaçadora, mesmo se formalmente rebaixada para a
categoria de tempestade tropical.
As lembranças do
inferno criado pelo furacão Katrina,
em 2005, que literalmente afundara a Administração de George W. Bush, através
de um misto de falta de sensibilidade e de incompetência na intervenção, não se
repetem por ora no Texas, malgrado seja grande, gigantesco mesmo, o desafio
colocado por mais este mega-fenômeno.
Houston pode ser a quarta cidade em
tamanho nos Estados Unidos, mas a sua topografia em planas extensões funciona
às vezes como diabólico inimigo natural, que inviabiliza qualquer socorro
motorizado que não seja por barco, eis que a força do temporal ultrapassa a
humana imaginação e tende a evocar o mítico dilúvio.
A calamidade das águas torrenciais,
que torna as grandes e largas avenidas e a rede de ruas, como ulterior desafio,
seja para a fuga - impossível sobre quatro rodas, seja pelo conjunto de
desastrosos isolamentos, em que estouram redes de esgoto e sistemas de
escoamento pluvial, pois enfrenta-se uma batalha, na verdade sucessão de
ataques que vão inchando sempre,e se confundem no inferno de torrenciais correntezas,
que semelham cairem do céu, como avatar de dilúvios espalhados pela ajuda de inerte
planície na mega-cidade.
A pressão é tal que o inaudito
desafio provoca, que a capacidade da megalópolis resistir se torna, na
essência, a esmagadora dúvida de que os equipamentos existentes, quaisquer que
sejam os respectivos materiais, ao invés de solução passam a integrar o
labirinto de estranhas ameaças, que, ao parecer, não é que caiam do céu, mas se
apresentam como inextricável complexo das forças naturais, que, debochada e
afrontosamente, se servem das humanas construções e das artificiais esplanadas
como cínicas, homicidas reservas de potências antes ignotas porque dormentes e,
de súbito, se lançam em torvelinho de poderes nunca antes imaginados, em que se
conjugam, crescem, carregam e
espantosamente recrudescem as atávicas forças de mãe-natureza.
De que adianta que a torpe
investida a todos intimide - ali, na tenebrosa
planície onde céus e terras
parecem juntar-se - e a figura do dilúvio semelhe fora do lugar, pois nesse
avatar do inferno líquido e caudaloso não há embarcações ou, se existem, como
chegar a elas, no torvelinho das caudais e das torrentes, que do nada parecem
sair, e que ameaçam a cada momento transformar as atônitas, trêmulas, aterradas
vítimas em pasto de forças antes ignotas - e de que muitos cretinos ainda ousem
contestar ?
Os que duvidaram, e que pensaram
que as grandes descobertas eram
impossíveis, pois no além-mar esperavam os atrevidos navegantes súbitos
abismos que engolfariam as naves para sempre. Incrédulos e negacionistas são
criaturas perenes da Humanidade, fontes de atraso e do ramerrame do imortal cotidiano.
A diferença para o bando
cretinóide dos atuais denegadores do clima é que - seja por má-fé, seja por
mentes pequenas que não ousam sair do espaço tacanho da própria mediocridade,
ou por fim, devido à incurável burrice - pela respectiva atitude, eles podem,
como o demonstra a Administração Trump, representar ameaça adicional à sobrevivência
da Humanidade, ou estúpido estímulo para tornar a existência dos demais cada
vez menos aprazível - seja pelas tempestades naturais que se amiúdam, seja
pelos mares que vão engolindo as terras baixas, seja pelas médias de
temperatura, que derretem o permafrost
e trazem gases poluentes como o tóxico metano para atmosfera, ou derretem os
polos e elevam os níveis dos mares, engolindo as praias, empurrando a
Humanidade para existência cada vez mais desconfortável e perigosa?
Ora direis que os furacões sempre existiram. Que
são flagelos que cruzam os mares do Setentrião e do Caribe, nas quenturas do
hemisfério norte, e como Átila chicoteiam e matam os desgraçados que estão na
sua trilha maldita. Os locais ainda não olvidaram as vergastadas do trêfego
Sandy, que arrasou terras vizinhas do Mar do Norte, nos estados de New Jersey e
New York.
Que grandes experiências essa
gente da lavra de Trump e de todos os mais que o ainda incompreensível fenômeno
de seu incongruente triunfo e a derrota da primeira mulher, que lá chegaria não
fosse sabe-se lá o quê que aprontara aquele esforçado, dedicado e, sem embargo,
encantadoramente estúpido exército do Armagedão formado por série de grandes
fenômenos naturais, que a civilização poluente do petróleo jamais entendeu quão
cataclísmico tal flagelo poderia ser para ela própria, e todos os mais, que
seja, por faltos de compreensão e inteligência, permitiram que tantas desgraças
viessem a ocorrer, infortúnios esses que eles não podem entender, tementes a
Deus que são, ou pelo menos, dizem ser...
Em
termos de furacões e desgraças grandes, as aldravas das portas, por robustas que
sejam, jamais lhes impedirão a passagem, em que como as bíblicas forças do
Apocalipse trazem o esqueleto que a todos faz tremer, assim como miséria,
destruição, e, uma vez mais, nossa senhora morte, cantada pelos aztecas e
outros povos por ela enfeitiçados. Mas façam tento, meninas e meninos, que não
é seu pai que está chegando, mas esses
malditos vendavais, que não param de
crescer, com forças que se pensaria saíssem das entranhas do mal. Se os deuses
nos deram a dúbia dádiva da desmemória, seria bom não olvidar que os dias e as
sazões podem passar, mas nunca esse estival castigo. E ele sempre mais forte,
quanto mais o alimentares, devastando matas, amazônicas ou não, queimando
combustíveis fósseis, e pondo em movimento a maravilhosa pujança de u'a grande,
comemorativa fogueira, que nos leve para longe o oxigênio, que a vida se
obstina em trazer para o homo sapiens,
enquanto para perto, muito perto, que venha a magnífica coalizão dos poluentes
gases!
(Nota.
Com os meus agradecimentos a Carlos Drummond de Andrade.)
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