Há
grande confusão e não só nas esferas oficiais. Para começar, já parece difícil dizer o que é e o que não é
oficial.
Depois
das primeiras notícias, que davam como dissolvido o Parlamento - refiro-me
àquele saído de eleições públicas e devidamente verificadas , - parece que não
é bem assim.
Neste
momento, há a constituinte (assim mesmo, com letra minúscula), saída de
"eleições" com o público eleitor inflado, como o próprio sistema de
aferição escolhido faz tempo pelo Estado chavista já fez saber a quem interessar
possa.
Na
sessão de ontem, sábado dezenove de agosto, a Assembleia Nacional, dominada
pela Oposição, foi convocada para defender a Constituição atual e rejeitar a
Assembleia Constituinte.
Nessa
semana, a Constituinte usurpara os poderes da Assembleia Nacional, o que na
prática encerraria as atividades do Parlamento.
Por um
lado, entretanto, os deputados desse Parlamento não foram formalmente
destituídos. Já na sessão deste sábado, a Oposição tencionara abrir investigação
para responsabilizar os autores intelectuais do intento de dissolver a
Assembleia Nacional, posto que restem poucas dúvidas quem seja o vértice da
manobra - o presidente Nicolás Maduro.
Para
complicar ainda mais o quadro venezuelano, desde o intento em que Maduro
tentara substituir a Assembleia pelo Tribunal Supremo, esse último venha
rotineiramente, sob o pretexto de que a Assembleia esteja em 'desacato', invalidando - ou, o que seria mais preciso - tentando
invalidar as iniciativas da Assembleia legalmente eleita, e com maioria oposicionista.
Por
força disso, como internacionalmente foi rechaçada a tentativa de fazer passar
a máxima instância jurídica como se Parlamento fora, interveio espécie de
acordo tácito em que a antiga Assembleia, com maioria oposicionista e
regularmente eleita, continua a ser respeitada pelo imperante chavismo (na
versão Maduro), e, por outro lado, mantido o tal de "desacato " ao
Tribunal Supremo, que persiste por seu lado a derrogar as providências
legislativas do Parlamento - que tem sobre as demais instâncias a insubstituível vantagem de ser
respeitado (dada a própria manifesta legalidade) pelos canais internacionais.
Como
se vê, prevalece uma espécie de "arreglo" venezuelano, em que as
Partes por ora se respeitam, ainda que, na aparência, a Assembleia Legislativa
já estivesse com os poderes derrogados na bruta.
Dessarte, não é por generosidade
que a Assembleia é mantida nessa preterlegalidade, na realidade chavista. Maduro e camarilha terão percebido que não lhes será oportuno esmagar
- na ótica interna - a Assembleia Legislativa, porque diante dos demais -
Assembleia Constituinte e Tribunal Supremo - é a única entidade que dispõe de
legalidade inatacável, atributo que as
demais criaturas jurídicas do mundo do ditador Maduro não possuem.
Não
interessa, por conseguinte, a Maduro e seus aliados procurar destruir o único
apoio de que possa servir-se para manter a ficção da respeitabilidade
democrática no atual cenário venezuelano.
Não é
de surpreender, portanto, que tal estranho personagem - que até a véspera era
anátema para os demais personagens dessa tragicomédia - seja mantido por ora
como o estranho espécime de uma realidade anterior, que não obstante tudo,
continue a ser tratado como se vivo fosse.
E, na
verdade, nas condições presentes, a única garantia do neo-chavismo está no
passaporte para a legalidade continental
que lhe ofereceria a Assembleia
Legislativa da Venezuela, que na aparência é frágil, mas tem título sem par no
mundo de Nicolás Maduro: é a única com o
apanágio da legitimidade.
E se
não lhes faltar juízo, Maduro e seu
mundinho neo-chavista cuidarão de mantê-la viva.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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