O Rio de Janeiro tinha centro
movimentado. Para substituir os bondes do Rio de Janeiro, o Prefeito Eduardo
Paes resolveu desabilitar na prática a Rio Branco, a que fez atravessar com uma
praça-barreira de modo a retirá-la do papel de grande via de desafogo do
trânsito vindo da Praça Mauá e da Presidente Vargas.
Para o tráfego destinado à Zona Sul
serviu-se de um dédalo de ruas e logradouros, para de maneira precária e
sinuosa fazer com que o trânsito se arraste até as pistas do Aterro do
Flamengo. Hoje é um suplício atravessar o cemitério do antigo Centro carioca.
Pensou, outrossim, fazer que o Rio imitasse Zurique e outras
metrópoles europeias com os seus veículos leves sobre trilhos (VLTs). Esses bondes da modernidade se
locomovem com a lentidão que caracteriza o novo ritmo do centro carioca. São modernosos e, em geral, muitos arquitetos
lhes devotam babosa admiração. Quanto à sua utilidade, as opiniões variam.
Não me aventurarei hoje sobre o
Porto Maravilha, e a suposta recuperação da Praça Mauá. Basta assinalar que até
agora - diante do paquidérmico novo prefeito Marcelo Crivella (que mais pensa em
motivos de como 'livrar-se' dos problemas, do que realmente enfrentá-los) o
qual carece urgentemente pôr mãos à obra, e dizer ao que veio nesta Cidade que
se diz Maravilhosa (já o foi, decerto; hoje, há grandes dúvidas).
Mas não poderia encerrar esse
escorço da crise do centro da cidade - que foi artificialmente acentuada e
agravada pelo estranho urbanismo do ex-Prefeito Eduardo Paes.
Para a minha geração e a seguinte
que conheceram o centro do Rio, se ele perdera parte de seu viço e relevância
comercial - como a tinha em meados do século passado e até mais adiante,
durante a segunda metade do século XX - o que hoje se vê só pode despertar
indignação com o que o brusco Prefeito Paes fez das suas ruas movimentadas e
buliçosas, com o comércio ativo e variado, do passado ante-Paes, e o seu
modernoso esvaziamento do centro da antiga Capital.
Se não for feito um esforço grande - que implica decerto em série de
medidas que oxigenem distrito ora destinado a ser transformado em gigantesco
cortiço, povoado por mendigos, craqueiros e meliantes de toda ordem.
Não sei o que o Prefeito Paes
tem (ou tinha) contra o centro do Rio de Janeiro. Prefiro não imaginá-lo e
pensar que, malgrado tudo o que levanta na mente de quem hoje percorra esse
resquício de centro - e o fará depressa, pelas vias desertas e o que elas em
geral significam, tangido por uma mescla de pensamentos de que fará parte até o
receio, pelo caráter ermo que impregnou aquela área a que caracterizavam as
idas e vindas dos fregueses dos diversos comércios do centro carioca (livrarias,
bares, restaurantes, lojas
especializadas em artigos de vestuário, papelarias, etc. etc.).
Tudo isso por razões ignotas
levou o rodo do Prefeito Paes.
Caminhar pelo centro carioca é contemplar o
que consegue alguém que tem uma ideia má na cabeça. Até nos aparentes detalhes,
como na mudança de mão da rua da Carioca, este Senhor decretou ou o fim ou a
lenta agonia de muitos comércios, lojas e restaurantes, que dependiam do fluxo
comercial intenso da velha Rua.
É difícil adentrar a mente
humana, sobretudo quando conjumina não a floração, mas a murchação e a
decadência de setor comercial a quem não faltava público, nem o movimento das
pessoas.
Hoje, ao andar pelo
centro, ao atravessar-lhe as ruelas
desertas, não pode o carioca deixar de sentir um aperto no coração, pelo
trabalho de desfazimento de uma realidade para substituí-la com a própria
ilusão que, como outras experiências miraculosas, não quiseram ou não puderam
vingar em uma nova Manhattan, o que talvez possa ter passado pela vibrante
cabeça do antigo Prefeito.
Ao esvaziar o Centro, o
Prefeito Paes terá provocado muitos dramas pessoais, decretados pela súbita falta
de público, que o aprendiz de taumaturgo conjuminara fosse apenas fenômeno
passageiro.
Para quem hoje visita o Centro e se
resolve caminhar por vielas e ruas antes febricitantes de gente, e hoje virou
deserto de pedra, a reação será sempre a
princípio de surpresa e desconforto, para depois alçar-se ao temor que costuma
pairar nas ruas e ruelas abandonadas pelo comércio e pelas gentes.
Sabemos como involuem
os quarteirões e as ruas e travessas abandonadas. Com o abandono dos negócios,
das lojas e da sua corrente sanguínea, que é o público desejoso de comprar, ou
de alimentar-se, ou de pesquisar preços, há de surgir por especial cortesia do
ex-Prefeito Pais, um outro público, que virá preencher, tangido pela miséria ou
outros interesses, as antigas dinâmicas ruas do Centro Carioca.
Entre as suas
realizações, não será das mais bem lembradas...
(
Fontes: O Globo, Glauber Rocha )
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