sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O Prefeito Paes acabou com o Centro

                    

           O Rio de Janeiro tinha centro movimentado. Para substituir os bondes do Rio de Janeiro, o Prefeito Eduardo Paes resolveu desabilitar na prática a Rio Branco, a que fez atravessar com uma praça-barreira de modo a retirá-la do papel de grande via de desafogo do trânsito vindo da Praça Mauá e da Presidente Vargas.
           Para o tráfego destinado à Zona Sul serviu-se de um dédalo de ruas e logradouros, para de maneira precária e sinuosa fazer com que o trânsito se arraste até as pistas do Aterro do Flamengo. Hoje é um suplício atravessar o cemitério do antigo Centro carioca.  
            Pensou, outrossim,  fazer que o Rio imitasse Zurique e outras metrópoles europeias com os seus veículos leves sobre trilhos (VLTs). Esses bondes da modernidade se locomovem com a lentidão que caracteriza o novo ritmo do centro carioca.  São modernosos e, em geral, muitos arquitetos lhes devotam babosa admiração. Quanto à sua utilidade, as opiniões variam.
            Não me aventurarei hoje sobre o Porto Maravilha, e a suposta recuperação da Praça Mauá. Basta assinalar que até agora - diante do paquidérmico novo prefeito Marcelo Crivella (que mais pensa em motivos de como 'livrar-se' dos problemas, do que realmente enfrentá-los) o qual carece urgentemente pôr mãos à obra, e dizer ao que veio nesta Cidade que se diz Maravilhosa (já o foi, decerto; hoje, há grandes dúvidas).
             Mas não poderia encerrar esse escorço da crise do centro da cidade - que foi artificialmente acentuada e agravada pelo estranho urbanismo do ex-Prefeito Eduardo Paes.
              Para a minha geração e a seguinte que conheceram o centro do Rio, se ele perdera parte de seu viço e relevância comercial - como a tinha em meados do século passado e até mais adiante, durante a segunda metade do século XX - o que hoje se vê só pode despertar indignação com o que o brusco Prefeito Paes fez das suas ruas movimentadas e buliçosas, com o comércio ativo e variado, do passado ante-Paes, e o seu modernoso esvaziamento do centro da antiga Capital.
               Se não for feito um esforço grande - que implica decerto em série de medidas que oxigenem distrito ora destinado a ser transformado em gigantesco cortiço, povoado por mendigos, craqueiros e meliantes de toda ordem.
              Não sei o que o Prefeito Paes tem (ou tinha) contra o centro do Rio de Janeiro. Prefiro não imaginá-lo e pensar que, malgrado tudo o que levanta na mente de quem hoje percorra esse resquício de centro - e o fará depressa, pelas vias desertas e o que elas em geral significam, tangido por uma mescla de pensamentos de que fará parte até o receio, pelo caráter ermo que impregnou aquela área a que caracterizavam as idas e vindas dos fregueses dos diversos comércios do centro carioca (livrarias, bares, restaurantes,  lojas especializadas em artigos de vestuário, papelarias, etc. etc.). 
                   Tudo isso por razões ignotas levou o rodo do Prefeito Paes.
                  Caminhar pelo centro carioca é contemplar o que consegue alguém que tem uma ideia má na cabeça. Até nos aparentes detalhes, como na mudança de mão da rua da Carioca, este Senhor decretou ou o fim ou a lenta agonia de muitos comércios, lojas e restaurantes, que dependiam do fluxo comercial intenso da velha Rua.
                     É difícil adentrar a mente humana, sobretudo quando conjumina não a floração, mas a murchação e a decadência de setor comercial a quem não faltava público, nem o movimento das pessoas.
                       Hoje, ao andar pelo centro, ao  atravessar-lhe as ruelas desertas, não pode o carioca deixar de sentir um aperto no coração, pelo trabalho de desfazimento de uma realidade para substituí-la com a própria ilusão que, como outras experiências miraculosas, não quiseram ou não puderam vingar em uma nova Manhattan, o que talvez possa ter passado pela vibrante cabeça do antigo Prefeito.
                        Ao esvaziar o Centro, o Prefeito Paes terá provocado muitos dramas pessoais, decretados pela súbita falta de público, que o aprendiz de taumaturgo conjuminara fosse apenas fenômeno passageiro.
                       Para quem hoje visita o Centro e se resolve caminhar por vielas e ruas antes febricitantes de gente, e hoje virou deserto de pedra,  a reação será sempre a princípio de surpresa e desconforto, para depois alçar-se ao temor que costuma pairar nas ruas e ruelas abandonadas pelo comércio e pelas gentes.
                    Sabemos como involuem os quarteirões e as ruas e travessas abandonadas. Com o abandono dos negócios, das lojas e da sua corrente sanguínea, que é o público desejoso de comprar, ou de alimentar-se, ou de pesquisar preços, há de surgir por especial cortesia do ex-Prefeito Pais, um outro público, que virá preencher, tangido pela miséria ou outros interesses, as antigas dinâmicas ruas do Centro Carioca.
                
                     Entre as suas realizações, não será das mais bem lembradas...



( Fontes: O Globo, Glauber Rocha )

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