A responsabilidade ou a falta de, podem
ser julgadas como características do fenômeno que viria a ser caracterizado
como brexit
(the exit of Britain).
O mundo político inglês não sai com flying colours deste episódio que, pelos
últimos desenvolvimentos, indica que a palavra final ainda não foi dada.
Tentemos fazer um brevíssimo resumo. O
Primeiro Ministro conservador David Cameron pensara que determinação com o peso
e a importância histórica da entrada do Reino Unido na Comunidade Européia
pudesse servir para jogada política com p
minúsculo, vale dizer silenciar os membros pro-Brexit dos tories, a que ele era suposto liderar.
É justo e oportuno aditar que David
Cameron não emprestara jamais a relevância que tivera o ingresso da Albion no
organismo de Bruxelas para os seus maiores, e respectivos predecessores como
Ted Heath, que tinham arrostado a tenaz oposição do general de Gaulle à adesão
da velha Inglaterra ao organismo continental de Bruxelas.
Saído afinal de cena o velho general, a
Inglaterra pôde realizar o sonho de
muitos - posto que não todos - e adentrar o Mercado Comum Europeu, eis que a
última grande guerra, com a derrota do nazismo, ao redimensionar as grandes
potências de antanho, deixando em campo apenas aquelas continentais, apontava
com gesto demasiado óbvio para a necessidade da velha Europa enterrar os seus
arcanos dissídios e transformar velhas quizílias em jovens e ambiciosos ideais.
Esta era a visão grande dos criadores
da Comunidade Européia, que com passos cautelosos mas relevantes, lançara os
fundamentos econômicos do que entendiam como base de sólida união, do núcleo
europeu. Entre os grandes nomes se assinalam Jean Monnet, Robert Schuman, Konrad
Adenauer, Paul-Henri Spaak, em que o político e o técnico se associavam, a par
das bases econômicas.
Os ingleses sempre foram partidários
tardios de uma união centrada nas realidades do carvão e do aço, assim como nos
poderes centrais que aí encontraram a maneira certa de enterrar as velhas achas
da guerra, que tantas vidas, culturas e
esperanças haviam ceifado, aleijado ou cortado através de séculos de pequenas
quizilias e grandes guerras.
O ceticismo do velho general - de que
os anos me permitiram assistir as famosas conferências de imprensa - se baseava
em velha desconfiança com as artes de que alguns chamavam de pérfida Albion,
mas também, e é justo que tal se assinale, em diversa travessia, de que a
condição insular da Grã-Bretanha muito contribuíra para singularizá-la em
relação ao Continente.
Dessarte, a atitude quase negligente
de David Cameron pode ser explicada através de um velho tripé: a união européia,
produto de ingente trabalho de expoentes da Europa do Meio, a dificuldade e as
muitas guerras assassinas de que Bruxelas trazia as cicatrizes, e por último a
consciência da continentalidade, a ser preservada por união que fosse mais
forte do que os desafios internos.
Se os campeões britânicos da árdua adesão
ao Continente já haviam desaparecido de cena, é mais fácil entender a relativa
displicência de Tony Blair, que arrostara um primeiro referendo sobre a
associação com a União Européia, já a atitude de David Cameron só pode ser
entendida como decorrente de lamentável deficiência quanto ao entendimento de o
que a associação com Bruxelas, tão duramente arrancada por seus predecessores,
realmente implicava.
Tal sentido de irresponsabilidade só
pode ser atribuído ao apequenamento das elites políticas inglesas, que semelham
haver esquecido dois fatores: o quanto seus maiores tinham lutado por
associar-se e quem sabe integrar-se no organismo de Bruxelas, e o forte peso
econômico da prospectiva união.
Ao pensar possível colocar na caixa
de Pândora da fortuna, como se fora algo do dia-a-dia político, a permanência
ou não na Comunidade Européia da Velha
Albion, tal desnudava a irremediável miopia de quem sempre afetara um certo
distanciamento das realidades européias. Quem se apega a ilusões e vê mais
vitalidade em um passado morto, está condenado a voltar à própria posição de
mendicante político, que a geração anterior sofrera de modo tão pronunciado nas
mãos e na altivez do velho general, quiçá mêmore de situações de desconforto, de
que o exilado mesmo transitório tende a arrostar pela humana condição de quem
lhe outorga asilo.
É difícil dizer como irá terminar o
episódio do brexit. Talvez os
ingleses devam aproveitar o bom senso
dos juízes da Alta Corte, que unanimente recomendaram fosse a questão decidida
pelo Parlamento. Se a Suprema Corte mantiver a sentença, a decisão volta ao
Legislativo que em 1972 votara pela união com o Mercado Comum (o predecessor da
atual União Europeia).
O plebiscito do brexit, marcado
pelo estúpido assassínio de uma parlamentar trabalhista, e com a maioria de
51,9%, em 23 de junho, terá de ser reavaliado, em um processo nacional.
O Parlamento não deve
contaminar-se com a negligente indiferença de quem julga tal determinação como
um aut-aut, que é a constrangedora de um paladino não sei de quê, pois Boris
Johnson levou a irresponsabilidade ao ponto de redigir dois artigos, um a
favor, e o outro contra a permanência na União Europeia.
Nisso ele imita, de certa forma, outro
doidivanas, a quem faltou discernimento para as grandes triagens existenciais.
Se a velha Inglaterra, nas
suas muitas aparições, quer apequenar-se, que venha a cumprir, em boa e devida
forma, o próprio destino.
Alguns hão de vislumbrar
nessa volta do caminho, uma oportunidade que ressurge.
Que Diógenes parta com a sua
tocha, na hora da grande decisão.
Essa questão é importante
por demasia para ser decidida por gente pequena, inda que presa de grandes
ambições.
Mostra a sorte que o
destino pode passar mais uma vez pela porta que se deixou aberta.
Mas depois, será como
dizia minha avó: passada a hora, das mãos torcidas, não sairá mais sangue.
(Fontes: The New York Times, The New York Review of
Books, The Economist)
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