No século passado, entre os anos trinta
e quarenta, Arnold Toynbee escreveu a sua grande contribuição à filosofia da
História, que apesar de meio esquecida nos dias que correm, ainda tem muita
relevância, talvez ainda mais do que a obra de Oswald Spengler, escrita esta
logo após a Iª Guerra Mundial, sob o título A Decadência do Ocidente, em dois
volumes, enquanto a do historiador inglês tem doze volumes, mais um de mapas e
outro de Reconsiderações, e se denomina com modéstia Um Estudo de História.
A que toda essa velharia há de
interessar ao mundo atual?
Na verdade, o passado com o seu cabedal
de erros, está aí, e tenderão a imitá-lo aqueles que, por ignorância ou
soberba, desdenham de procurar nesses cartapácios da História as lições
porventuras deixadas por nossos antepassados.
Não pude deixar de ter isso presente ao
deparar o hirto cumprimento entre Barack Obama e o seu surpreendente sucessor,
Donald Trump.
O isolamento na foto - tirada no
simbólico Gabinete oval da Casa Branca - é apenas ilusório, como não poucas
coisas nesta vida. Os dois parecem
sozinhos, mas como tudo ou quase tudo nessa existência, é apenas ilusão de
ótica.
Em torno deles esta a hidra da mídia,
que os cerca ansiosa, com os longos braços de seus microfones, e as muitas
objetivas para tirar todas aquelas fotos que o mundo, qual criança ansiosa,
logo deseja apossar-se, como se aquela estória carecesse de confirmação, tão
pouco crível o passado recente tende a torná-la.
Algum imbecil descreveu como 'cordial'
o encontro. Ora, cordial tem a ver com
coração, e eu não vejo Barack H. Obama querendo apertar a mão do demagogo
Donald Trump, senão constrangido pelo ritual que dizem da democracia, mas que
na verdade pode ser encarado como uma estada a contragosto em Canossa.
Hão de lembrar-se que Canossa é o
lugar em que Papa Gregório VII fez esperar
no frio glacial, em roupa de penitente, Henrique IV imperador germânico,
para levantar-lhe a excomunhão. Isso durante a Idade Média, esse período
histórico rico de lições que uns poucos ignorantes acoimam de tempo de atraso e
de maldades.
O tempo no aguardo foi importante para
o Pontífice, porque dava solenidade à necessária penitência. Desta feita,
Trump, que até dois ou três dias atrás era havido como um néscio e um demagogo,
agora pela decisão rancorosa dos desprezados treze da sociedade tornado o
presidente-eleito de um país grande e poderoso.
Por isso, a ele estende Barack Obama a mão hirta, com
os dedos bem separados, como que para mostrar a todos quão forçado e quão
desgraçadamente necessário é este gesto.
A democracia se compraz em pregar
senão humilhações, gestos patéticos. Apertar a mão desse demagogo, desse
mentiroso - que inventou a estória dos birthers
, aqueles que por negá-la pelos próprios preconceitos, chegam a desenhar
uma ridícula caricatura de toda a sua racial arrogância.
E agora diante da América curiosa e -
porque não dizer? - do mundo, ele Obama tem de cooperar com essa montagem de
gosto amargo e duvidoso, que a democracia exige.
Quando uma sociedade escolhe um
determinado caminho - que a muitos não parece ser aquele adequado - ensina essa
maldita correção política que o professor Obama tem de mostrar respeito à
decisão da maioria.
Não importa que essa decisão esteja
inquinada por muitos erros, e que o escolhido não parece em condições de trazer
para os Estados Unidos o caminho da concórdia e do progresso.
Como disse Churchill não há
sucedâneos para a democracia, que é o pior de todos os regimes, excluídos todos os outros. Contudo, quando uma sociedade escolhe alguém
da cepa de Donald Trump, há algo de
muito errado nela. Se esse senhor, no entanto, conseguiu ganhar, o ritual tem
de ser mantido, por mais penoso que pareça.
Daí, a cara séria e os dedos hirtos
de Barack Obama. Sequer pode acreditar
que aquele carnaval se haja instalado no Salão Oval. Mas infelizmente ele é também professor de
história constitucional, e os rituais, ainda que inquietantes, carecem de ser
mantidos.
( Fontes: Brockhaus, vol. 1, Tv Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário