sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Considerações inatuais

          
        No século passado, entre os anos trinta e quarenta, Arnold Toynbee escreveu a sua grande contribuição à filosofia da História, que apesar de meio esquecida nos dias que correm, ainda tem muita relevância, talvez ainda mais do que a obra de Oswald Spengler, escrita esta logo após a Iª Guerra Mundial, sob o título A Decadência do Ocidente, em dois volumes, enquanto a do historiador inglês tem doze volumes, mais um de mapas e outro de Reconsiderações, e se denomina com modéstia Um Estudo de História.
       A que toda essa velharia há de interessar ao mundo atual?
       Na verdade, o passado com o seu cabedal de erros, está aí, e tenderão a imitá-lo aqueles que, por ignorância ou soberba, desdenham de procurar nesses cartapácios da História as lições porventuras deixadas por nossos antepassados.
        Não pude deixar de ter isso presente ao deparar o hirto cumprimento entre Barack Obama e o seu surpreendente sucessor, Donald Trump.
        O isolamento na foto - tirada no simbólico Gabinete oval da Casa Branca - é apenas ilusório, como não poucas coisas nesta vida.  Os dois parecem sozinhos, mas como tudo ou quase tudo nessa existência, é apenas ilusão de ótica.
        Em torno deles esta a hidra da mídia, que os cerca ansiosa, com os longos braços de seus microfones, e as muitas objetivas para tirar todas aquelas fotos que o mundo, qual criança ansiosa, logo deseja apossar-se, como se aquela estória carecesse de confirmação, tão pouco crível o passado recente tende a torná-la.
         Algum imbecil descreveu como 'cordial' o encontro.  Ora, cordial tem a ver com coração, e eu não vejo Barack H. Obama querendo apertar a mão do demagogo Donald Trump, senão constrangido pelo ritual que dizem da democracia, mas que na verdade pode ser encarado como uma estada a contragosto em Canossa.
         Hão de lembrar-se que Canossa é o lugar em que Papa Gregório VII fez esperar  no frio glacial, em roupa de penitente, Henrique IV imperador germânico, para levantar-lhe a excomunhão. Isso durante a Idade Média, esse período histórico rico de lições que uns poucos ignorantes acoimam de tempo de atraso e de maldades.
         O tempo no aguardo foi importante para o Pontífice, porque dava solenidade à necessária penitência. Desta feita, Trump, que até dois ou três dias atrás era havido como um néscio e um demagogo, agora pela decisão rancorosa dos desprezados treze da sociedade tornado o presidente-eleito de um país grande e poderoso.
          Por isso,  a ele estende Barack Obama a mão hirta, com os dedos bem separados, como que para mostrar a todos quão forçado e quão desgraçadamente necessário é este gesto.
          A democracia se compraz em pregar senão humilhações, gestos patéticos. Apertar a mão desse demagogo, desse mentiroso - que inventou a estória dos birthers , aqueles que por negá-la pelos próprios preconceitos, chegam a desenhar uma ridícula caricatura de toda a sua racial arrogância.
          E agora diante da América curiosa e - porque não dizer? - do mundo, ele Obama tem de cooperar com essa montagem de gosto amargo e duvidoso, que a democracia exige.
          Quando uma sociedade escolhe um determinado caminho - que a muitos não parece ser aquele adequado - ensina essa maldita correção política que o professor Obama tem de mostrar respeito à decisão da maioria.
           Não importa que essa decisão esteja inquinada por muitos erros, e que o escolhido não parece em condições de trazer para os Estados Unidos o caminho da concórdia e do progresso.
           Como disse Churchill não há sucedâneos para a democracia, que é o pior de todos os regimes, excluídos  todos os outros.  Contudo, quando uma sociedade escolhe alguém da cepa de Donald Trump,  há algo de muito errado nela. Se esse senhor, no entanto, conseguiu ganhar, o ritual tem de ser mantido, por mais penoso que pareça.

          Daí, a cara séria e os dedos hirtos de Barack Obama.  Sequer pode acreditar que aquele carnaval se haja instalado no Salão Oval.  Mas infelizmente ele é também professor de história constitucional, e os rituais, ainda que inquietantes, carecem de ser mantidos.             

( Fontes: Brockhaus, vol. 1, Tv Globo )

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