Meu bom
chefe e amigo, que alguma coisa da vida e do boxe aprendera, me disse por mais
de uma vez: o único golpe, Mauro, que nos nocauteia, é aquele do qual não se
sabe de onde saíu.
Com a
própria sapiência de vida, enriquecida pelo boxe, o grande diplomata Miguel
Ozório de Almeida me transmitiu lição que não vale apenas para essa luta
renhida que os seus partícipes chamam de nobre arte.
É sabedoria
partilhada por todos os seus praticantes, por mais marcado que tenham o rosto e
mais gastas as luvas.
Ontem, a
surpresa se desenharia não de pronto, através dos anúncios excitados dos
locutores, e dos comentários algariados das chamadas cabeças falantes. Por mais
desconheçamos a posição dos comentaristas, o espectador engajado não se
confundirá por muito a respeito de por quem o coração - que busca manifestar a própria isenta opinião -
bate mais forte.
Ao
depararmos afinal, as opiniões de A, B ou C, algumas já matizadas pelas
primeiras decepções, outras, saindo afinal dos disfarces de longo trabalho no
esperar da hora certa para desvelar as próprias simpatias, não se fazia
necessária muita experiência da eleição de que ora se rasgavam os segredos, que
alguma coisa de muito errado estava saindo da criatura monstruosa que
principiava a liberar-se dos estorvos da velha cabine telefônica das
historietas em quadrinhos.
Os
comentaristas continuavam a perscrutar os condados azuis (democratas) e
vermelhos (republicanos), segundo as provadas estatísticas. No entanto, os
malditos números não correspondiam às promessas naquelas cores convencionais.
Assim, da Flórida não saíam as legiões de partidários, que a sua diversidade
étnica e o temor do bicho-papão Donald Trump prometiam, com as algariadas antecipações
de o que acenaria o voto antecipado, jogado depressa nas urnas pelo medo do
muro.
As
primeiras vantagens da candidata democrata se íam derretendo diante dos números
interioranos, que, apesar da linguagem arrevesada do melting-pot da Flórida, teimavam em não imitar os totais de
antanho, colhidos por Barack Obama.
Como se disse alhures, a respeito de outras questões, a derrota costuma
apresentar outras razões que a própria razão desconhece. A ditadura chinesa se
acredita autorizada em esfregar em Washington que tais surpresas só a
democracia engendra. Os regimes da opressão, como a própria China, se lançam a censurar os supostos
defeitos da liberdade, enquanto mais se empenham em sufocá-la na própria terra.
A América profunda pode lamentar a vitória de
Donald Trump, que até há pouco era escarnecido por muitos comentaristas. Há
muitos traços no perfil do candidato republicano que o desfavorecem, se o
compararmos com Hillary Clinton. Sem embargo,
sobre esta última pesavam suspicácias e prevenções. Seria a primeira mulher a
sentar-se na cadeira presidencial. Tem longa trajetória política - colheu a sua
parte de rancores e prevenções - e
cometeu, como todos os que tropeçam nessa caminhada, alguns erros, um dos quais
terá sido tomar como certa a Pennsylvania, um dos maiores estados americanos,
que sempre votara democrata.
Houve
a reanimação do escândalo dos e-mails,
com estranhas idas e vindas, afinal canceladas já na vigésima-quinta hora pelo
diretor do FBI, James Comey. Dizem que os vencidos têm todas as culpas, porque
o povo não erra.
Isso, lamentavelmente está por demonstrar-se. Em outra eleição
contestada, a de George W. Bush contra Albert Gore, na qual a Suprema Corte se
transmutou em grande eleitora, ao sacrar
como vencedor quem perdera na eleição
pelo povo, através da interrupção da contagem
dos votos na mesma Flórida. Naquele tempo, a lenta recontagem prometia
ao democrata os louros da vitória, que confirmariam no cômputo do colégio
eleitoral, a votação do povo americano.
Devo
confessar aos meus dezenove leitores que, a horas tantas, me cansei. Senti
inimitáveis no seu sopro agourento os ventos da derrota para a candidata da
esperança, a primeira mulher que parecia destinada a sentar-se no gabinete oval
da Casa Branca.
Lamentavelmente a minha fadiga, que era mais política do que humana, me
apontou o caminho certo. Demasiadas incógnitas continuavam suspensas no
ar. Onde estão os exércitos democráticos
da Flórida, que teimam em desmentir as esperanças dos especialistas? Por quê a
Pennsylvania não redesperta para as suas antigas tradições? Por quê o voto generoso da Carolina do Norte,
que redespertaria para os seus amores do Partido Democrata, teima em não sair
das urnas? O que é feito daquele élan que nos teus olhos tão puro distingui,
naquele estado que o voto antecipado prometia repor no campo da esperança?
A
derrota costuma ser um enredo longo e aborrecido, entrecortado por demasiados
enganos, falsas esperanças e muitas desilusões, enquanto a vitória, pelo menos
nos seus avatares iniciais, tudo parece desculpar, enquanto ao vencedor
convergem os cumprimentos e até os abraços de quem até há pouco, ou o
escarnecia, ou lhe desejava o mal que se vota àqueles que nas costas levam o imã
da derrota, que é pródigo em risotas, menosprezo e, o que é talvez pior, aquele
silêncio culpado do antigo ardoroso partidário que ao cruzar com o anterior símbolo das esperanças
partidárias e nacionais, desvia o olhar pesado para outras bandas, movido por irrepresso, mas humano horror aos vencidos.
( Fontes: Miguel Ozório de Almeida, Luiz de Camões, C.D.,
CNN, J.S. )
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