Enquanto a mídia e o Partido Democrata
persistirem em calar - ou tratarem com luvas de pelica - as vantagens obtidas
nas eleições pelo Partido Republicano através
de meios ilícitos, a presença de representantes democratas continuará a ser
determinada e contingenciada pelos processos inconfessáveis adotados pelo GOP.
Por um lado, temos o gerrymander que muita vez - na velha
tática de que todos fazem assim, então porque preocupar-se? - continuará impávido
a perdurar, valendo-se do acintoso silêncio da mídia - reporto-me à grande mídia
e não aquela pequena - que não levanta escândalos que perduram. É do conhecimento geral que o Partido
Republicano tem o domínio da Câmara de Representantes, depois do segundo biênio
do primeiro mandato de Barack Obama. Diante da inexperiência do jovem
presidente, houve oportunidade para forte reação da direita (tea party) e um gerrymandering generalizado nos estados em que a direita vencera
com boa e folgada margem.
Dessarte, não é por acaso que a
Câmara de Representantes virou feudo do GOP,
com grave dano para a governabilidade nos Estados Unidos. Há também estados em
que esse gerrymander é tão acintoso
que, como no Ohio, os democratas podem vencer em eleições em que há um só
colégio para todo o estado. Sem embargo, por estranho capricho, os republicanos
tem folgadas maiorias nos órgãos
estaduais e nas respectivas representações para a Câmara baixa...
Há uma veía que qualificaria como
cínica e que, conquanto esteja plenamente consciente do abuso e do escândalo do
gerrymander, a mídia continua a dar
de ombros, como se tal fenômeno fosse imbatível força da natureza.
Continua a tratar-se o gerrymander como se fora uma realidade
da existência política, quando na verdade é um truque baixo e inadmissível, que
desfigura a votação e transforma minorias as inchando em falsas maiorias. À
Câmara de Representantes foi permitido por falta de uma campanha à altura da
ameaça que o processo do gerrymander
constitui para a Democracia que permanecesse por todos esses anos como um
retrato desfocado da realidade política nacional americana. Esse poder se
estende já em seguida ao segundo biênio de Obama até hoje, com essa presidência
Trump, eleita como foi, com intervenção russa
(por vez primeira na história americana), já sob o crivo de um fiscal especial de
ótimo nível, o que faz esperar que a verdade virá à tona.
O Partido Republicano tem notório
problema com o corpo eleitoral, e por isso recorre a meios nos supostos limites
da legalidade para tentar suprir essa sua dificuldade em prevalecer através do
voto. Daí, a Suprema Corte (que, por acaso, tem maioria republicana) derrubou a
lei instituída na presidência de Lyndon
Johnson, que tornava sujeitos à vigilância federal estados que costumam
recorrer a meios ilícitos para ganhar eleições, como o é a legislação de
supressão de eleitores de educação ou meios inferiores. Este cínico recurso já
volta a ser usado à tripa forra até em estados do Norte, durante a última eleição
(com ótimos resultados para o GOP,
que costuma em muitos casos fundar-se na supressão dos votantes para vencer
eleições).
Recordo-me da disposição do
Juiz-Principal Roberts, presidente da
Corte Suprema, dizendo que já passara o tempo de condicionar o voto de certos
estados ao exame federal. Como definir
um tal veredito, com o irrepresso desenvolvimento da negação ao voto sempre por
motivos inconfessáveis, e que colima apenas
afastar os pobres, os velhos, os afro-americanos e, quem sabe, a minoria dos
latinos, para que não interfiram com a vitória dos candidatos brancos e
anglo-saxões que são em geral sufragados pelo Grand Old Party...
Tanto a mídia - grande ou pequena,
falada, televisada ou escrita - não pode mais fingir o que está escancarado à
sua frente. Não se pode permitir que
vença aquele que teria menos votos de que o seu adversário, se a eleição fosse
jogada de forma limpa e aberta.
Chega de hipocrisia e de
fingimento. Não mais aceitemos esse tipo
de descrição que nos traz o artigo de hoje deste provado defensor do direito e
do bom pleito, jogado corretamente, sem truques nem altos, nem baixos. Dizem os franceses que a hipocrisia é a
homenagem que o vício rende à virtude...
A grande imprensa dos
Estados Unidos não deve ser um fanal apenas em determinados casos, e deixar em
silêncio, ou sob uma envergonhada reserva, as formas mais gritantes de desrespeito
ao voto e ao sentir das maiorias. Gerrymander, em qualquer lugar em que
reponte, será sempre um crime eleitoral. O fato de ser antigo - datar de um
governador do Massachusetts no século XIX - não lhe dá o título ou o diploma de
continuar a apresentar-se como se fora irremovível realidade.
Nem o Povo americano, nem
o Partido Democrata devem curvar-se diante dessa ignóbil realidade. O gerrymander não é fatalidade irremovível,
como se fora brutal força da natureza.
Ele só subsiste pela ignava fraqueza dos que preferem não só ignorá-lo,
senão viver, ou até mesmo vegetar, na sua incômoda, desagradável presença.
( Fonte: The New York Times )
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