O grau de democracia de um país pode
acaso ser medido pela internet? Em caso
negativo, as dúvidas decrescem dramaticamente.
A China atual, por exemplo, oferece um acesso à internet - reporto-me, é
lógico, a uma internet relativamente livre - não marcada pelas 'firewalls' (muralhas de fogo), pelos
espaços vedados na prática ao navegador - e, por conseguinte, um espaço assaz
controlado, em que os acessos são policiados e as muralhas de fogo bastante
comuns.
A sensibilidade negativa da internet
na RPC de Xi Jinping é, por isso,
muito mais ativa, e o infeliz viajante nessa internet tende a recordar-se dos bons, velhos tempos
de Hu Jintao, um governo mais
permissivo ideologicamente do que o de Xi, e não é por acaso que este senhor no
presente tanto admira a Mao Zedong.
Por isso, a safra dos livros
escritos sobre a China na atualidade tende a ser muito menos informativa, do
que aquela anterior, em um período mais aberto e, por conseguinte, mais
permissivo de Hu Jintao.
Se Li Peng não tivesse logrado afastar a Zhao Ziyang, e prevale-cer-se de sua fatídica viagem oficial -
enquanto primeiro ministro - à República
da Coréia do Norte - para convencer Deng Xiaoping a en-durecer
com os estudantes, através de editorial no principal jornal chinês, e assim
desencadear a máquina infernal que ativou o massacre de Tiananmen, teria probabilidade tendente a
zero de que hoje o mundo assistisse ao discurso interminável de posse do
admirador de Mao Zedong - Xi Jinping - porque a China sob Zhao teria condições
de evoluir para certo tipo de democracia oriental, a qual viveria sem muralhas
de fogo (as firewalls da censura na
internet), mas decerto caracterizada por
uma democracia dita forte, como surgiria sob as chefias burocráticas na RPC.
Sem querer cansar o leitor, é
indispensável ter presente que a viagem oficial de Zhao para a República da
Coreia do Norte abriu deplorável
oportunidade para o grupo de Li Peng, dito "conservador", para extrair
uma senhora concessão do então líder Deng.
A linha dura conservadora de Li
Peng - a despeito de marginal, desempenharia aí o seu papel na história chinesa e voltaria rápido para a
obscuridade. Serviu-se da provocação que levou, na ausência de
quem lhes conscientizasse da armadilha que lhes era preparada - para levar os
estudantes a fazer exatamente o que grupo linha dura chinesa desejava que
fizessem: i.e., morder a isca e cair
na armadilha da reação, foi o que aconteceu. Há poucos momentos na História em
que um erro - como foi o do ancião Deng Xiaoping aceder em assinar uma
provocação aos estudantes na Praça Tiananmen - teria as consequências
danosas que teve para a história da RPC.
A China decerto não retomaria o caminho da
democracia dos últimos tempos do longo reinado da Imperatriz Ci Xi,
mas com Zhao presente seria impensável
um episódio como o do massacre de Tiananmen.
O leitor há de relevar essa minha
volta ao passado. Por esse quase putsch do grupo periférico de Li Peng,
houve uma senhora ruptura na progressão histórica da China e o próprio Xi,
enquanto admirador de Mao, sequer teria oportunidade de dar o ar
de sua graça. A gerarquia chinesa jamais ignorou a popularidade de Zhao
Ziyang. Por isso, ao contrário de tantos outros, seu destino foi o da prisão residencial, e a
sua duradoura popularidade o acompanharia até a morte, eis que um regime medroso preferiu enterrá-lo
como se fora um segredo de estado.
Constitui, por conseguinte, uma
espécie de maldição político-histórica àquela revolução branca que poderia ter
sido, mas não foi - e de que a biografia de Zhao Ziyang constitui o revés de outra
evolução - e que tenderá pela sua incômoda presença, inclusive pela própria renitente
grandeza a representar à ordem
autoritária a ameaça que o favor popular e a consequente autoridade moral constituem, como se verificou no enterro secreto de Zhao, e no estranho temor
que persiste em infundir este personagem
a que o destino - e a conspiração dos medíocres - trabalham até hoje por fazer
esquecer nos longos bocejos dos
discursos intermináveis, e no papelório infindável de um regime que acalenta trazer de volta os
programas demenciais do inferno maoista.
Pobre China! na estação da História quis o Acaso
imbecil que, em ritual visita à
República da Coreia do Norte, se esvaísse o sangue de outro Lenin,
que não careceria de um trem de ferro, para ser levado a uma outra revolução, a
de trazer a democracia - já desejada pela Imperatriz Ci Xi no começo do século passado - para as vermelhas plagas de um
grande, nascente Poder.
Mas que grande infelicidade esta, a de destinar a China uma vez mais
aos punhos de ferro das medrosas ditaduras?
(Fontes: Prisoner
of the State (The Secret Journal of
Premier Zhao Ziyang); Empress Dowager Cixi )
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