quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Das Eleições trucadas

                             
       Velhas revistas teimam amiúde em pregar-nos surpresas, sobretudo quando elas nos pegam com um título provocativo. À primeira vista, elas podem até parecer-nos fazer jus ao respectivo afastamento no tempo, pela cor um tanto amarelada do papel de capa. Mas logo nos damos conta que a data tende a ser enganosa, se a tomarmos por indicar temas superados.
       O papel de rostro da capa estará até amarelecido por um trinca de anos, mas logo nos apercebemos que a tal realidade permanece.
       Faz tempo li interessante artigo da politóloga Elizabeth Drew que se reporta ao encabulado escândalo americano das eleições trucadas.
       Os Estados Unidos ainda convivem com esse tipo de eleição.
       Então ouço perguntar-me: por que uma tal prática, tão abjeta e nociva, permanece?
       Se o amigo leitor deseja uma resposta rápida, como alguém que quer livrar-se logo de um aborrecido estafermo, poderíamos responder que há um grande partido que não sente maiores problemas em coexistir com essa abstrusa realidade. Por cultivar uma minoria, essa organização tem medo da liberdade de escolha e de incentivar a que o todo o Povo - e aqui a palavra é utilizada com a sua acepção constitucional - We the People - abrindo de porta em porta o acesso a que todos que façam parte desse Povo votem sem outro impedimento que os da maioridade civil, e da inexistência de eventuais restrições penais.
       Mas tais restrições não bastam a esse partido. Por ter medo dos pobres, de oriundos de nacionalidades que enfrentam barreiras culturais ou étnicas para alcançarem efetiva participação na política do próprio país, tal partido prefere dificultar-lhes o acesso às seções de voto, criando para tanto todo tipo de embaraço burocrático que  vede o acesso à urna, ou os constranja de tal modo a tornar a prática política um exercício de Sisifo, de maneira a burocraticamente - sem a aparente violência da boçal e sanhuda negativa desse sacratíssimo direito cívico - a inviabilizar para todos os cínicos efeitos, de forma a que o pobre, o negro, o latino, o velho  sintam-se  mais do que embaraçados pelos solertes, ainda que desprezíveis, "truques cívicos" se me permitem desvendar essa prática que não pode ser mais desonesta, embora se mostre  insolente e desavergonhada nas seções eleitorais que têm a má sorte de estarem inseridas em antros de cívica desonestidade, pois são manipuladas por gente sem caráter e sem princípios - a menos que se ofenda o espírito da Constituição,  consentindo em prostituir o sagrado direito do voto às práticas chulas e inconfessáveis da façanhuda negação do sufrágio a todo aquele que é suposto apoiar o candidato antagônico, que no caso, a própria hipocrisia do Partido Adverso nos ajuda a qualificá-lo com os piores apodos que imaginar-se possa.
      Dessarte, não é só importante, é fundamental que se assegure a verdade no sufrágio do Povo. Basta de truques sórdidos e intrinsecamente covardes para desvirtuar o voto. A maneira com que Estados se atrevem a praticar essa suma e abjeta negação do mais lídimo direito de toda a democracia - que é o de criar cínicos empecilhos para que as eleições não sejam o espelho da verdade, mas sim imagem torpe e distorcida de uma situação antidemocrática - tal na verdade não só desmerece os sicários desse crime que por ora e em geral dispensa armas, mas também a choldra que se congrega, não para fazer triunfar o interesse da maioria, assim como da promoção do bem, geral e indiviso da comunidade, mas para, disfarçados de sacerdotes do culto democrático, espezinhá-lo e deformá-lo de modo que o interesse da maioria não prevaleça e sim aquele das minorias, com os propósitos inconfessáveis de através de uma farsa - a arremedação da democracia  - se perseguem objetivos obnóxios e inconfessáveis,  fundados na negação do Povo como soberano.


(Fonte: Our rigged elections, de Elizabeth Drew (New York Review of Books, May 21, 2015)     

Nenhum comentário: