Cada vez que o Presidente Trump se
valha de questionável documento de origem republicana que acuse o FBI e o
Departamento de Justiça de má-fé - no sentido de terem abusado de seu poder e
agido por motivações políticas - não
seria o caso de perguntar se não se trataria
de ofensiva para desacreditar a
investigação sobre a atuação da Rússia na eleição de 2016?
Pois, como nos ensinam os mestres das
histórias policiais, nos famigerados whodunit,
cabe procurar pelo principal envolvido em evento policial - os tão falados quem
fez?- se se quer começar a entender por quem tem interesse na estória.
Se há deputados oportunistas que não trepidam
em atacar instituições, se tal aproveita a quem desejam agradar, cada vez mais
esse escândalo vai tomando cores que o aproximam da crise-mãe, aquela de Watergate.
Em ofensiva para desacreditar a
investigação sobre a atuação da Rússia na eleição de 2016, Donald Trump autorizou
ontem a divulgação do controverso memorandum
da Casa de Representantes - a que se associa o deputado Devin Nunes - e que acusa o FBI e o
Departamento de Justiça de terem abusado do respectivo poder e agido por
motivações políticas na obtenção de ordem judicial para grampear um ex-integrante
da campanha republicana.
A
tal propósito, Trump disse "é uma vergonha (disgrace) o que está acontecendo no país". Não sei se o presidente leu Molière,
mas parece emular o seu personagem Tartufo, pois acrescentou:
"Muita gente deveria estar envergonhada."
Como se sabe, o Secretário de
Justiça, Jeff Sessions, se declarara impedido
de presidir à investigação sobre a Rússia. Em consequência, o seu vice, Rod Rosenstein, subsecretário de Justiça
assumiu a questão e nomeou Robert Mueller III como
Procurador-Especial e só ele pode demiti-lo.
Por isso, questionado pela imprensa se
Rosenstein ainda lhe merecia confiança, Trump respondeu de modo brusco:
"Julgue você mesmo". O
Presidente sabe que se tentar afastar Rosenstein poderá estar criando um
problema ainda maior no contexto da investigação, como, de resto, já foi
advertido pelo responsável pela questão na Casa Branca.
No entanto, esses ataques
sectários podem fornecer ulterior munição para o Presidente, com o relatório do
Inspetor Geral do Departamento de Justiça, Michael
E. Horowitz que está acabando mais um inquérito - que seria assaz crítico
do tratamento dado pelo FBI dos meses
finais de sua investigação acerca do servidor privado de e-mails de Hillary Clinton.
Nesse inquérito, o Inspetor-Geral Horowitz descobriu mensagens de texto entre
dois agentes do FBI trabalhando no caso dos e-mails,
mas também na investigação sobre a Rússia, em que essa dupla exprime clara
antipatia por Trump. Nesse sentido, é de
esperar-se que no seu relatório,
Horowitz faça uma áspera crítica dos dois agentes, Peter Strzok e Lisa Page.
Nesse contexto, alguns
veteranos funcionários do Departamento de Justiça encaram o relatório de Mr Horowitz como outra pedra de que se
servirão aqueles que procuram desacreditar, não só a investigação do
Conselheiro Especial Robert Mueller III, mas também a atuação
da comunidade de implementação da Lei.
A ebulição se situa por ora
no Partido Republicano, em rixa que envolve de uma parte o próprio Presidente
Trump,e de outra, oportunistas como o deputado do GOP Devin Nunes, o
redator do memo do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes (que
busca firmar-se na ala ultra-conservadora que defende Trump).
Como em muitos outros
escândalos em Washington, a importância de sua salva-inicial, um documento de
pouco mais de três páginas com informações de dúbias fontes, com afirmações
falsas, e focalizado em obscuro assessor de campanha de Trump, Carter Page, não seria a acusação mais
séria e de mais forte impacto.
Se a substância do documento
deixava a desejar, o que mais pesou foi a campanha pela internet (V. o hashtag releasethememo, i.e. libere o memo) que busca tornar
público o suposto abuso de poder, tanto pelo FBI, quanto pelo Departamento de
Justiça, que teriam transcendido os respectivos poderes para espionar a
campanha de Trump.
Segundo o New York Times, nesta sexta se
tornou óbvio que a suposta liberação do
memorandum promovido por Devin Nunes se encaixaria à maravilha na campanha
orquestrada pela Casa Branca para desacreditar a investigação sobre a Rússia, a
cargo do Conselheiro Especial Robert
Mueller III. A idéia básica é
promover a conclusão de que o inquérito Mueller se baseia em um processo
corrupto e sectário. Se se admitir tal origem equivaleria a tornar toda a
investigação como manchada por inquérito parcial.
O próprio açodamento da
Casa Branca ao emitir duas horas após a divulgação do memorandum que tem as
impressões digitais de quem está demasiado ansioso em sabotar a investigação
realizada por Robert Mueller: tal documento "levanta sérias dúvidas acerca
da integridade de decisões feitas no mais alto nível do Departamento de Justiça
e do FBI para utilizar os instrumentos mais intrusivos de vigilância contra
cidadãos americanos." Em uma entrevista para a Fox News (de direita), o
deputado Devin Nunes, do Comitê de Inteligência da Câmara, disse que o seu
pessoal levava avante uma outra investigação. Ele insinuou que focalizava o
papel do Departamento de Estado na investigação sobre a Rússia durante a
Administração Obama.
A artilharia do
presidente e seus aliados dirigida contra o FBI
singulariza uma parte minúscula de uma agência de 35 mil pessoas. Trata-se dos
certificados de vigilância. Mas, como
assinala o New York Times, a artilharia de Trump pode ganhar
em munição nas próximas semanas com o relatório do Inspetor Geral do Departamento de Justiça que
baterá na batida tecla do servidor privado de e-mails da Secretária Hillary
Clinton. Dado o mal que se fez à
candidata Hillary através das mensagens muito bem calibradas em termos de datas
com o maior possível efeito nefasto para a candidata democrata o então diretor
do FBI James Comey, é muito arriscado
tentar afirmar alguma coisa que possa ter sido mais negativa do que o golpe
magistral de lograr mudar a votação antecipada que favorecia Hillary até o dia
28 de outubro, com a comunicação do
então diretor do FBI para o Congresso nessa data, anunciando a inspeção de mais
um computador - este do marido separado de Huma Abedin, a secretária de Hillary
- para verificar possíveis irregularidades ligadas a tal aparelho dentro da
inspeção dos e-mails de Hillary. Nada foi encontrado que depusesse contra a
candidata democrata, mas a comunicação de Mr Comey - que levantava lebres
inexistentes - teve um resultado concreto: influenciou os votantes antecipados
e a vantagem que era de 6% pró-Hillary,
virou a favor desse candidato que é Mr Donald Trump, cujos defeitos são hoje bastante
conhecidos. Aliás, esta minha menção sobre um erro garrafal de Mr Comey - a que
ele, seja dito de paso não semelha
ter dado qualquer importância, como aliás o referiu para a posteridade - me
leva a encerrar este blog com uma
pequena homenagem à candidata Hillary Clinton. Se ela houvesse
ganho - e o teria, como o demonstra o relato que fez em seu livro What Happened - decerto os Estados
Unidos não estariam atravessando mais esta crise que se deve à estranha escolha
desse senhor, que já concorre para o lugar de sucessor de James Buchanan[1],
como o pior presidente dos Estados Unidos.
( Fontes: The
New York Times, Hillary's What Happened, Enciclopédia Delta Larousse, O Estado
de S. Paulo )
[1]
James Buchanan, presidente de 1857 a 1861, nascido em 1791, morreu em 1868, natural
do estado da Pennsylvania.Presidente por um só mandato, foi sucedido por
Abraham Lincoln (1809-1865)
Nenhum comentário:
Postar um comentário