sábado, 3 de fevereiro de 2018

FBI - qual é a de Trump ?

                             

         Cada vez que o Presidente Trump se valha de questionável documento de origem republicana que acuse o FBI e o Departamento de Justiça de má-fé - no sentido de terem abusado de seu poder e agido  por motivações políticas - não seria o caso de perguntar se não se trataria  de ofensiva para desacreditar  a investigação sobre a atuação da Rússia na eleição de 2016?
          Pois, como nos ensinam os mestres das histórias policiais, nos famigerados whodunit, cabe procurar pelo principal envolvido em evento policial - os tão falados quem fez?- se se quer começar a entender por quem tem interesse na estória.
           Se há deputados oportunistas que não trepidam em atacar instituições, se tal aproveita a quem desejam agradar, cada vez mais esse escândalo vai tomando cores que o aproximam da crise-mãe, aquela de Watergate
             Em ofensiva para desacreditar a investigação sobre a atuação da Rússia na eleição de 2016, Donald Trump autorizou ontem a divulgação do controverso memorandum da Casa de Representantes - a que se associa o deputado Devin Nunes - e que acusa o FBI e o Departamento de Justiça de terem abusado do respectivo poder e agido por motivações políticas na obtenção de ordem judicial para grampear um ex-integrante da campanha republicana.
                A tal propósito, Trump disse "é uma vergonha (disgrace) o que está acontecendo no país".  Não sei se o presidente leu Molière,  mas parece emular o seu personagem Tartufo, pois acrescentou: "Muita gente deveria estar envergonhada."
                  Como se sabe, o Secretário de Justiça, Jeff Sessions, se declarara impedido de presidir à investigação sobre a Rússia. Em consequência, o seu vice, Rod Rosenstein, subsecretário de Justiça assumiu a questão e nomeou  Robert Mueller III como Procurador-Especial e só ele pode demiti-lo.
                  Por isso, questionado pela imprensa se Rosenstein ainda lhe merecia confiança, Trump respondeu de modo brusco: "Julgue você mesmo".  O Presidente sabe que se tentar afastar Rosenstein poderá estar criando um problema ainda maior no contexto da investigação, como, de resto, já foi advertido pelo responsável pela questão na Casa Branca.
                 No entanto, esses ataques sectários podem fornecer ulterior munição para o Presidente, com o relatório do Inspetor Geral do Departamento de Justiça, Michael E. Horowitz que está acabando mais um inquérito - que seria assaz crítico do tratamento dado pelo FBI dos meses finais de sua investigação acerca do servidor privado de e-mails de Hillary Clinton.  Nesse inquérito, o Inspetor-Geral Horowitz descobriu mensagens de texto entre dois agentes do FBI trabalhando no caso dos e-mails, mas também na investigação sobre a Rússia, em que essa dupla exprime clara antipatia  por Trump. Nesse sentido, é de esperar-se  que no seu relatório, Horowitz faça uma áspera crítica dos dois agentes, Peter Strzok e Lisa Page.
                   Nesse contexto, alguns veteranos funcionários do Departamento de Justiça encaram o relatório  de Mr Horowitz como outra pedra de que se servirão aqueles que procuram desacreditar, não só a investigação do Conselheiro Especial  Robert Mueller III, mas também a atuação da comunidade de implementação da Lei.   
                   A ebulição se situa por ora no Partido Republicano, em rixa que envolve de uma parte o próprio Presidente Trump,e de outra, oportunistas como o deputado do GOP Devin Nunes, o redator do memo do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes (que busca firmar-se na ala ultra-conservadora que defende Trump).
                 Como em muitos outros escândalos em Washington, a importância de sua salva-inicial, um documento de pouco mais de três páginas com informações de dúbias fontes, com afirmações falsas, e focalizado em obscuro assessor de campanha de Trump, Carter Page, não seria a acusação mais séria e de mais forte impacto.
                 Se a substância do documento deixava a desejar, o que mais pesou foi a campanha pela internet (V. o hashtag releasethememo, i.e. libere o memo) que busca tornar público o suposto abuso de poder, tanto pelo FBI, quanto pelo Departamento de Justiça, que teriam transcendido os respectivos poderes para espionar a campanha de Trump.
                  Segundo o New York Times, nesta sexta se tornou óbvio  que a suposta liberação do memorandum promovido por Devin Nunes se encaixaria à maravilha na campanha orquestrada pela Casa Branca para desacreditar a investigação sobre a Rússia, a cargo do Conselheiro Especial Robert Mueller III.  A idéia básica é promover a conclusão de que o inquérito Mueller se baseia em um processo corrupto e sectário. Se se admitir tal origem equivaleria a tornar toda a investigação como manchada por inquérito parcial.
                    O próprio açodamento da Casa Branca ao emitir duas horas após a divulgação do memorandum que tem as impressões digitais de quem está demasiado ansioso em sabotar a investigação realizada por Robert Mueller: tal documento "levanta sérias dúvidas acerca da integridade de decisões feitas no mais alto nível do Departamento de Justiça e do FBI para utilizar os instrumentos mais intrusivos de vigilância contra cidadãos americanos." Em uma entrevista para a Fox News (de direita), o deputado Devin Nunes, do Comitê de Inteligência da Câmara, disse que o seu pessoal levava avante uma outra investigação. Ele insinuou que focalizava o papel do Departamento de Estado na investigação sobre a Rússia durante a Administração Obama.
                         A artilharia do presidente e seus aliados dirigida contra o FBI singulariza uma parte minúscula de uma agência de 35 mil pessoas. Trata-se dos certificados de vigilância.  Mas, como assinala o New York Times, a artilharia de Trump pode ganhar em munição nas próximas semanas com o relatório do  Inspetor Geral do Departamento de Justiça que baterá na batida tecla do servidor privado de e-mails da Secretária Hillary Clinton. Dado o mal que se fez à candidata Hillary através das mensagens muito bem calibradas em termos de datas com o maior possível efeito nefasto para a candidata democrata o então diretor do FBI James Comey, é muito arriscado tentar afirmar alguma coisa que possa ter sido mais negativa do que o golpe magistral de lograr mudar a votação antecipada que favorecia Hillary até o dia 28 de  outubro, com a comunicação do então diretor do FBI para o Congresso nessa data, anunciando a inspeção de mais um computador - este do marido separado de Huma Abedin, a secretária de Hillary - para verificar possíveis irregularidades ligadas a tal aparelho dentro da inspeção dos e-mails de Hillary.  Nada foi encontrado que depusesse contra a candidata democrata, mas a comunicação de Mr Comey - que levantava lebres inexistentes - teve um resultado concreto: influenciou os votantes antecipados e a vantagem que era de 6%  pró-Hillary, virou a favor desse candidato que é Mr Donald Trump, cujos defeitos são hoje bastante conhecidos. Aliás, esta minha menção sobre um erro garrafal de Mr Comey - a que ele, seja dito de paso não semelha ter dado qualquer importância, como aliás o referiu para a posteridade - me leva a encerrar este blog com uma pequena homenagem à candidata Hillary Clinton. Se ela houvesse ganho - e o teria, como o demonstra o relato que fez em seu livro What Happened - decerto os Estados Unidos não estariam atravessando mais esta crise que se deve à estranha escolha desse senhor, que já concorre para o lugar de sucessor de James Buchanan[1], como o pior presidente dos Estados Unidos.

( Fontes: The New York Times, Hillary's What Happened, Enciclopédia Delta Larousse, O Estado de S. Paulo )  




[1] James Buchanan, presidente de 1857 a 1861, nascido em 1791, morreu em 1868, natural do estado da Pennsylvania.Presidente por um só mandato, foi sucedido por Abraham Lincoln  (1809-1865)

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