quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A Guerra Civil Síria


                                                                                  
In memoriam de Alan Kurdi, de três anos
de idade, refugiado,afogado na costa oriental
do Mediterrâneo, cuja foto é testemunho da
crueldade dos que se crêem poderosos.
                                                                   
                                                                                                                                   
         O New York Times dedica mais um editorial à guerra 'civil' na Síria. Começada em 2011, ainda não se sabe como acabará, depois de seus muitos avatares.
          No início, principiara com passeatas pela democratização do regime de Bashar al-Assad.  Seguindo a tendência de muitos conflitos, os combates na Síria se transformaram em espécie de free-for-all, diante da negativa de al-Assad de sequer considerar a negociação.
           Não vou aqui tentar recontar mais essa guerra civil, que, seguindo os piores exemplos,  transformou a Síria em campo de batalha, não só para aqueles que a encetaram, em busca da democratização da ditadura dos al-Assad, mas com o passar do tempo, e a regra do oportunismo que prevalece em tais conflagrações, transmutou-se em luta de influências as mais diversas, partindo do oportunismo russo de gospodin Putin - que virou santo para uma esquerda meio-confusa nas idéias - e indo até a luta desesperada de todos aqueles que ainda batalham por um país mais humano e menos bárbaro e despótico.
           Antes de entrar no capítulo da hora presente, é bom e justo que se relembrem dois fatos que se tornaram mais uma vez pertinentes no terrível bombardeio de Ghouta oriental, um bairro de Damasco com cerca de quatrocentos mil pessoas e um dos derradeiros enclaves rebeldes.
            1º fato: o renascimento de Bashar al-Assad, ele o deve a dois fatores: a que haja enfeixado o querer e a humilhação necessárias para ir ao Kremlin, como suplicante, mendigar o auxílio in extremis do homem forte de todas as Rússias, o qual, mediante a submissão do novo vassalo e mais concessões territoriais, se dispôs a transformar-se em Senhor protetor e aliado do ditador sírio.
            2º fato: a sonora negativa de Barak Obama à solicitação da então chefe do Departamento de Estado,  Hillary Clinton, que, em próprio nome e no de todas as demais autoridades do governo americano com competência na matéria (Pentágono, State Department, CIA et al.),  ponderou ao 44º presidente do grande interesse estadunidense de apoiar de todas as formas, excluído o envio de tropas americanas, os rebeldes na Síria, que tinham o apoio da Liga Árabe, e que defendiam nessa conflagração a bandeira da democracia, e não a da ditadura.

             Os fatos acima não são um cocktail que se possa misturar e deixar na geladeira das indecisões. Mas foi justamente o que fez o inefável Obama, que semelha  ter tido a obsessão de chegar a um termo na guerra do Afeganistão. Desde o século XIX  os ocidentais ainda não assumiram que esse estranho país montanhoso, e sem acesso aos mares, não é fácil adversário, como, por primeiro,  aprendera e em dolorosa maneira, a maior Potência de então, o Império Britânico.
               Mas voltemos à crua realidade hodierna. Se Obama já entrou, em termos de ativismo histórico, para o mundo dos has been, e a sua Secretária de Estado caíu vítima, na última eleição, da estranhíssima ação de Mr James Comey, então diretor do FBI, o que ensejou para Tio Sam o problema, por ora insolúvel, mas orações no peji dos aflitos não estão excluídas, para que se livre da incômoda presença de um estranho Presidente, amigo do Senhor do Kremlin, como é o caso de Donald J. Trump.
                Vivemos em uma época pra lá de estranha. Os Estados Unidos, por conta de seu presidente, se descobre a defender, por vezes, o lado contra o qual sempre batalhou. Esse bárbaro bombardeio da Ghouta oriental, feito decerto sob encomenda de Bashar al-Assad, serve também aos seus aliados, Rússia e  Irã.
                  Muitas coisas estranhas estão ora acontecendo na Síria, que como o seu distante modelo, a Espanha do entre-guerras, virou uma espécie de campo de batalha alheio. Na guerra civil espanhola se chegara, inclusive, ao cúmulo de que as forças do Eixo (no caso, Alemanha nazista e Itália fascista) ali encontrassem o terreno ideal para o experimento das respectivas armas.
                   Depois de derrotado o Exército Islâmico, os peculiares aliados do Ditador Bashar tratam agora de eliminar outros adversários que são justamente aqueles que professem diferentes credos nessa eterna guerra civil que atenaza as populações na Síria. Dessarte, continua o tempo das matanças, só que agora os infelizes são outros.
                   Dada a sua fraca liderança neste momento histórico,  os Estados Unidos não dão a impressão de constituírem fator confiável nesse súbito recrudescimento da interminável guerra civil na Síria. Após Washington pedir auxílio aos curdos,  - então arranchados no norte do Iraque - parece que ora se esqueceram deste povo corajoso e confiável. Por velhas desinteligências - os curdos constituem uma das grandes minorias na Turquia de Erdogan - e será por isso que a mando do atual homem forte de Âncara, eles voltaram a serem perseguidos, a ponto de as bombas turcas irem procurá-los até em regiões sírias limítrofes.
                     Trump tolerou que sofram bombardeios da Turquia - que, como se intui, também teme os curdos, quiçá pelo próprio valor guerreiro, que até o presente, no entanto, lhes tem sido de parca valia para assegurar-lhes a terra firme de que carecem e que por estranhas artes da Deusa Fortuna  não logram até hoje alcançar, malgrado a própria coragem e firmeza na batalha.

( Fonte: The New York Times )


Nenhum comentário: