In memoriam de Alan Kurdi, de três anos
de idade, refugiado,afogado na costa oriental
do Mediterrâneo, cuja foto é
testemunho da
crueldade dos que se crêem poderosos.
O New
York Times dedica mais um editorial à guerra 'civil' na Síria. Começada em
2011, ainda não se sabe como acabará, depois de seus muitos avatares.
No início, principiara com passeatas
pela democratização do regime de Bashar al-Assad. Seguindo a tendência de muitos conflitos, os
combates na Síria se transformaram em espécie de free-for-all, diante da negativa de al-Assad de sequer considerar a
negociação.
Não
vou aqui tentar recontar mais essa guerra civil, que, seguindo os piores
exemplos, transformou a Síria em campo
de batalha, não só para aqueles que a encetaram, em busca da democratização da
ditadura dos al-Assad, mas com o passar do tempo, e a regra do oportunismo que
prevalece em tais conflagrações, transmutou-se em luta de influências as mais
diversas, partindo do oportunismo russo de gospodin Putin - que
virou santo para uma esquerda meio-confusa nas idéias - e indo até a luta desesperada
de todos aqueles que ainda batalham por um país mais humano e menos bárbaro e
despótico.
Antes de entrar
no capítulo da hora presente, é bom e justo que se relembrem dois fatos que se
tornaram mais uma vez pertinentes no terrível bombardeio de Ghouta oriental, um bairro de Damasco
com cerca de quatrocentos mil pessoas e um dos derradeiros enclaves rebeldes.
1º
fato: o renascimento de Bashar al-Assad, ele o deve a dois
fatores: a que haja enfeixado o querer e a humilhação necessárias para ir ao Kremlin, como suplicante, mendigar o auxílio in
extremis do homem forte de todas as Rússias, o qual, mediante a submissão
do novo vassalo e mais concessões territoriais, se dispôs a transformar-se em Senhor
protetor e aliado do ditador sírio.
2º
fato: a sonora negativa de Barak Obama à solicitação
da então chefe do Departamento de Estado,
Hillary Clinton, que, em
próprio nome e no de todas as demais autoridades do governo americano com competência
na matéria (Pentágono, State Department, CIA et al.), ponderou ao 44º presidente do grande
interesse estadunidense de apoiar de todas as formas, excluído o envio de
tropas americanas, os rebeldes na Síria, que tinham o apoio da Liga Árabe, e que
defendiam nessa conflagração a bandeira da democracia, e não a da ditadura.
Os fatos acima
não são um cocktail que se possa
misturar e deixar na geladeira das indecisões. Mas foi justamente o que fez o
inefável Obama, que semelha ter tido a
obsessão de chegar a um termo na guerra do Afeganistão. Desde o século XIX os ocidentais ainda não assumiram que esse estranho
país montanhoso, e sem acesso aos mares, não é fácil adversário, como, por
primeiro, aprendera e em dolorosa
maneira, a maior Potência de então, o Império Britânico.
Mas voltemos à crua realidade hodierna. Se Obama já entrou, em termos de
ativismo histórico, para o mundo dos has
been, e a sua Secretária de Estado caíu vítima, na última eleição, da
estranhíssima ação de Mr James Comey, então diretor do FBI, o
que ensejou para Tio Sam o problema, por ora insolúvel, mas orações no peji dos
aflitos não estão excluídas, para que se livre da incômoda presença de um
estranho Presidente, amigo do Senhor do Kremlin,
como é o caso de Donald J. Trump.
Vivemos em uma época pra lá de estranha. Os Estados Unidos, por conta de
seu presidente, se descobre a defender, por vezes, o lado contra o qual sempre
batalhou. Esse bárbaro bombardeio da Ghouta
oriental, feito decerto sob encomenda de Bashar al-Assad, serve também aos
seus aliados, Rússia e Irã.
Muitas coisas estranhas estão ora acontecendo na Síria, que como o seu
distante modelo, a Espanha do entre-guerras, virou uma espécie de campo de
batalha alheio. Na guerra civil espanhola se chegara, inclusive, ao cúmulo de
que as forças do Eixo (no caso, Alemanha nazista e Itália fascista) ali
encontrassem o terreno ideal para o experimento das respectivas armas.
Depois de derrotado o Exército
Islâmico, os peculiares aliados do Ditador Bashar tratam agora de eliminar
outros adversários que são justamente aqueles que professem diferentes credos
nessa eterna guerra civil que atenaza as populações na Síria. Dessarte,
continua o tempo das matanças, só que agora os infelizes são outros.
Dada a sua fraca liderança neste momento histórico, os Estados Unidos não dão a impressão de
constituírem fator confiável nesse súbito recrudescimento da interminável
guerra civil na Síria. Após Washington pedir auxílio aos curdos, - então arranchados no norte do Iraque -
parece que ora se esqueceram deste povo corajoso e confiável. Por velhas
desinteligências - os curdos constituem uma das grandes minorias na Turquia de
Erdogan - e será por isso que a mando do atual homem forte de Âncara, eles
voltaram a serem perseguidos, a ponto de as bombas turcas irem procurá-los até
em regiões sírias limítrofes.
Trump tolerou que sofram bombardeios da Turquia - que, como se intui, também
teme os curdos, quiçá pelo próprio valor guerreiro, que até o presente, no
entanto, lhes tem sido de parca valia para assegurar-lhes a terra firme de que
carecem e que por estranhas artes da Deusa Fortuna não logram até hoje alcançar, malgrado a
própria coragem e firmeza na batalha.
( Fonte: The New York Times )
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