Timothy
Garton Ash,
que
escreve igualmente em The New York Review,
nos proporciona uma visão que, além de estimulante e provocante, nos
mostra diversas opções plausíveis no enigma colocado pela torturada elaboração
da Grande Coalizão.
É sabido que a
grande pedra no caminho desta refeita Grande Coalizão (entre a CDU, de
centro-direita e a SPD, de centro esquerda, com a participação do partido
aliado bávaro da CDU, i.e. a CSU), está no próprio partido social-democrata
(SPD), que está claramente insatisfeito com mais uma reedição dessa
coalizão, que deixou no líder Martin Schulz um travo amargo, ao ser
ofuscado na sua imediata versão anterior pela própria Chanceler Angela
Merkel.
Segundo assinala
Garton Ash, esse 'casamento' entre CDU e SPD tem sido muito pouco satisfatório
para os sociais democratas e, máxime para o seu líder Martin Schulz, que não tem decerto o brilho
de outros sociais-democratas no passado, e que tende, por conseguinte, a sofrer
pelas condições dessa 'união' com a CDU e notadamente a Merkel.
Consoante
insinua Timothy G. Ash, uma das soluções
seria que o grande conselho dos filiados da SPD rejeitasse a Grande Coalizão, o
que faria toda a complexa negociação voltar à estaca zero. Surgiria, então, a
hipótese de um governo minoritário da CDU, com o apoio da CSU, que é, como
disse acima, a irmã siamesa dos Cristãos Democratas Alemães. Para TGA, seria
opção válida, que não estaria sendo testada por primeira vez, e que teria condições de sustentar-se. Tudo isso,
é claro, iria requerer a prova dos fatos, e nem sempre as teorias mais
plausíveis conseguem passar pelos obstáculos que na Antiguidade Clássica Scylla e Charibdis forneciam as metáforas da dificuldade extrema. Os desafios colocados por essa união de
parceiros tão díspares em valor e capacidade já são formidáveis.
A política
alemã, no entanto, apresenta outro fator cuja gravidade não me parece seja
lícito subestimar. Tratar-se-ia do crescimento do partido Alternativa para a Alemanha
(AfD), registrado por pesquisa muito recente (16%), enquanto os
sociais-democratas tem 15,5%. Não se pode brigar com os números na política, mas
tampouco é animador para o jogo das alianças no tabuleiro alemão, que os sucessores
dos nazistas na RFA tenham superado um partido de larga tradição e implantação democrática como a SPD
(Partido Social-Democrata da Alemanha).
Infelizmente, as
atuais condições levaram a que um grêmio de extrema direita possa ter crescido
tanto. A par disso, torna-se muito difícil montar um governo com maioria
sólida, se nas peças do tabuleiro cerca de 16% não são utilizáveis para um gabinete
democrático.
Até o momento, a
França pôde exorcizar o Front National, assumido por Marine Le Pen, em sucessão ao próprio
pai. Tal é factível por eleições em dois turnos, por voto majoritário (ao invés
do proporcional ) que, no segundo turno, tendem a favorecer as opções mais em
consonância com a tendência predominante no quadro nacional.
É cedo para dramatizar a súbita mudança no
quadro germânico, mas viabilizar governos parlamentares através do voto
proporcional tende a ser muito mais complicado, mesmo com a cláusula dos 5%,
sem a qual o partido não entra no Bundestag
, o que é um problema recorrente para os liberais democratas (Frei Deutsche Partei), que, em passado não tão recente participaram
de muitos gabinetes sob Konrad Adenauer e Ludwig Erhard, esse último muito festejado, mas sem a mesma têmpera do Velho (der
Alte) Adenauer.
A
Merkel, de certa forma, e involuntariamente, criou condições para o crescimento
dos neo-nazistas da A.f.D., ao abrir
as fronteiras para o ingresso maciço de mais de um milhão de imigrantes, vindos
do drama - que ainda persiste, máxime pelo apoio interessado que concedeu Putin ao ditador Bashar al-Assad, em troca de preciosas bases, tanto em terra,
quanto nas águas quentes do Mediterrâneo oriental, e que ainda motiva o
desastre na Síria, com a carta branca que vem dando ao ditador sírio alauíta.
Foi mais ou menos na época do menino de três anos, Alan Kurdi, cuja foto, em que parece dormir, comoveu o
público europeu e quem sabe o mundo ocidental, por epitomizar a tragédia da
grande migração tangida pelo tirano sírio, que até hoje sobrevive politicamente
graças à mão poderosa de gospodin Vladimir Putin, hoje
presidente de todas as Rússias.
Explica-se o
grande gesto da Merkel, mas o ingresso maciço de mais de um milhão de
refugiados terá sido demasiado para um país das dimensões da atual Alemanha. O
egoismo de tantos líderes ocidentais, como
o do atual líder da Hungria, Viktor
Orbán, de centro-direita, e mais para o centro, as portas meio-cerradas
para o acesso dos infelizes desta grande migração forçada, tornam explicável,
mas não aceitável, que o processo de imigração tenha exigido tantos sacrifícios
em tão poucos países, pelo egoismo da maioria, que quer os estrangeiros à
distância, de que o atual presidente estadunidense Donald John Trump,
constitui a triste epítome, e o mais
saliente exemplo.
( Fontes: O Estado de S.
Paulo, Timothy Garton Ash, The New York Review of Books )
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