sábado, 24 de fevereiro de 2018

A Grande Coalizão virou miragem?


                    

        Timothy Garton Ash, que escreve igualmente em The New York Review,  nos proporciona uma visão que, além de estimulante e provocante, nos mostra diversas opções plausíveis no enigma colocado pela torturada elaboração da Grande Coalizão.

         É sabido que a grande pedra no caminho desta refeita Grande Coalizão (entre a CDU, de centro-direita e a SPD, de centro esquerda, com a participação do partido aliado bávaro da CDU, i.e. a CSU), está no próprio partido social-democrata (SPD), que está claramente insatisfeito com mais uma reedição dessa coalizão,  que deixou no líder Martin Schulz um travo amargo, ao ser ofuscado na sua imediata versão anterior pela própria Chanceler Angela Merkel.        

         Segundo assinala Garton Ash, esse 'casamento' entre CDU e SPD tem sido muito pouco satisfatório para os sociais democratas e, máxime para o seu líder  Martin Schulz, que não tem decerto o brilho de outros sociais-democratas no passado, e que tende, por conseguinte, a sofrer pelas condições dessa 'união' com a CDU e notadamente a Merkel.

          Consoante insinua Timothy G. Ash, uma das soluções seria que o grande conselho dos filiados da SPD rejeitasse a Grande Coalizão, o que faria toda a complexa negociação voltar à estaca zero. Surgiria, então, a hipótese de um governo minoritário da CDU, com o apoio da CSU, que é, como disse acima, a irmã siamesa dos Cristãos Democratas Alemães. Para TGA, seria opção válida, que não estaria sendo testada por primeira vez, e que teria condições de sustentar-se. Tudo isso, é claro, iria requerer a prova dos fatos, e nem sempre as teorias mais plausíveis conseguem passar pelos obstáculos que na Antiguidade Clássica Scylla e Charibdis forneciam as metáforas da dificuldade extrema.  Os desafios colocados por essa união de parceiros tão díspares em valor e capacidade já são formidáveis.

           A política alemã, no entanto, apresenta outro fator cuja gravidade não me parece seja lícito subestimar. Tratar-se-ia do crescimento do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), registrado por pesquisa muito recente (16%), enquanto os sociais-democratas tem 15,5%. Não se pode brigar com os números na política,  mas tampouco é animador para o jogo das alianças no tabuleiro alemão, que os sucessores dos nazistas na RFA tenham superado um partido de larga tradição e implantação democrática como a SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha).

           Infelizmente, as atuais condições levaram a que um grêmio de extrema direita possa ter crescido tanto. A par disso, torna-se muito difícil montar um governo com maioria sólida, se nas peças do tabuleiro cerca de 16% não são utilizáveis para um gabinete democrático.

            Até o momento, a França pôde exorcizar  o Front National, assumido por Marine Le Pen, em sucessão ao próprio pai. Tal é factível por eleições em dois turnos, por voto majoritário (ao invés do proporcional ) que, no segundo turno, tendem a favorecer as opções mais em consonância com a tendência predominante no quadro nacional.

            É cedo para dramatizar a súbita mudança no quadro germânico, mas viabilizar governos parlamentares através do voto proporcional tende a ser muito mais complicado, mesmo com a cláusula dos 5%, sem a qual o partido não entra no Bundestag , o que é um problema recorrente para os liberais democratas (Frei Deutsche Partei), que, em passado não tão recente participaram de muitos gabinetes sob Konrad Adenauer e Ludwig Erhard, esse último muito festejado, mas sem a mesma têmpera  do Velho (der Alte) Adenauer.  

              A Merkel, de certa forma, e involuntariamente, criou condições para o crescimento dos neo-nazistas da A.f.D., ao abrir as fronteiras para o ingresso maciço de mais de um milhão de imigrantes, vindos do drama - que ainda persiste, máxime pelo apoio interessado que concedeu Putin ao ditador Bashar al-Assad, em troca de preciosas bases, tanto em terra, quanto nas águas quentes do Mediterrâneo oriental, e que ainda motiva o desastre na Síria, com a carta branca que vem dando ao ditador sírio alauíta. Foi mais ou menos na época do menino de três anos, Alan Kurdi,  cuja foto, em que parece dormir, comoveu o público europeu e quem sabe o mundo ocidental, por epitomizar a tragédia da grande migração tangida pelo tirano sírio, que até hoje sobrevive politicamente graças à mão poderosa de gospodin Vladimir Putin, hoje presidente de todas as Rússias.

           Explica-se o grande gesto da Merkel, mas o ingresso maciço de mais de um milhão de refugiados terá sido demasiado para um país das dimensões da atual Alemanha. O egoismo de tantos líderes ocidentais, como o do atual líder da Hungria, Viktor Orbán, de centro-direita, e mais para o centro, as portas meio-cerradas para o acesso dos infelizes desta grande migração forçada, tornam explicável, mas não aceitável, que o processo de imigração tenha exigido tantos sacrifícios em tão poucos países, pelo egoismo da maioria, que quer os estrangeiros à distância, de que o atual presidente estadunidense Donald John Trump, constitui a triste epítome, e o mais saliente exemplo.

( Fontes: O Estado de S. Paulo, Timothy Garton Ash, The New York Review of Books )

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