Ao contrário de o que muitos pensam, a
violência não constrói. Nada consolida com mais força a união de um Povo do que
a consciência da sofrida injustiça.
Vejam a questão palestina. A diuturna, cruel barragem dos janízaros de
Israel, despejada contra punhados de árabes palestinos que desejam voltar a
pisar na sua terra, de que a tragédia do Nakba
os terá afastado, mostra ao mundo que, entre indiferença e surpresa nada faz
para neutralizar e varrer mais esta injustiça da face da Terra, que o sangue
derramado pode, por vezes, tardar em fazer brotar do chão a desejada Paz com
honra, e não aquela da conquista que, pela força e o silêncio dos campos
santos, sonha a impossível reconciliação entre os invasores e aqueles que nasceram
livres.
Mil anos não passam em um dia. A
violência apenas constrói mais violência, assim como as armas não soterram as
injustiças.
A atual chefia do povo judaico vem
agindo com a insana coerência que presidira às ações dos supremacistas brancos
na África do Sul. Enquanto não repontasse a liderança de Nelson Mandela, com a
sua mensagem de paz e entendimento, a reconciliação semelhara impossível na
África do Sul.
Mandela - e não há ganhador mais
legítimo do Nobel da Paz - mostrara, primo
pelo exemplo pessoal, secondo pela
coragem e espírito de sacrifício, que os grandes, magníficos objetivos, não
cáem do céu nem são oferenda de terceiros.
A paz que se deseja não é aquela
dos cemitérios e dos campos santos, e tam-pouco a dos cimélios da violência,
antiga ou presente. A paz seria aquele resíduo da guardada esperança, que
sofrida nas humanas tempestades, anela tão somente ver-se no trincado espelho
dos decênios e dos séculos, como a sobrevivente das intempéries desse vasto
mundo, onde a esperança é o bem mais precioso e, sem embargo, mais espezinhado
da Terra.
As forças armadas israelenses são
decerto poderosas e, nesse histórico mo-mento, crêem poder preponderar sobre os
bravos bandos da boa gente palestina que anseia pela satisfação que é da
compreensão de todos os povos que têm um torrão natal. Não se espezinha, não se
escorraça aquele que deseja pisar o próprio chão. É difícil e árduo, embora seja um pouco
humano, entender a brutal reação do israelense que acredita poder denegar ao
palestino sequer pisar na sua terra natal.
Diante dos israelenses, gente
cujos antepassados foram forjados pela inaudita violência do racismo mais
torpe, será difícil, quiçá árduo mesmo entender a sua atitude, tangida por
violência assassina, o modo e a maneira com que lidam com o anseio de outro
Povo irmão, a quem, no que parece um cruel e inaceitável capricho, desejam barrar o caminho da Gente que se cansou dos espaços sem
esperança da Faixa de Gaza, árida, arenosa terra, inóspita que é, ainda que descrita por grandes
penas da literatura.
A execrável atitude desse gabinete
de Benjamin Netanyahu que manda fuzilar ao povo palestino pelo crime de tentar
pisar no torrão do qual foram expulsos pela vil, violência de uma guerra que
sobre eles persiste em pesar, ainda que lhes haja antedatado na vida.
Matar por matar é a aparente
criminosa diretiva dessa administração, que mancha o nome de tantos próceres
que jamais recorreriam a um crime contra a Humanidade. O Nakba é como aquelas pedras de que nos escreve o poeta Carlos
Drummond de Andrade. É grande, descomunal, ameaçadora quase. Mas ela
não está mais no nosso caminho.
A violência não constrói. E tudo
que ela pretenda erigir, enquanto vise a abafar os reclamos da Justiça e a
visão de um mundo melhor, mais abrangente e tolerante, se destina a esse amplo
campo santo do Ressentimento e da Injustiça, que pode alimentar sonhos
inconfessáveis de pútridos governos, mas jamais levará a aspirar ao bom
entendimento e ao respeito pelo próprio semelhante.
Os demagogos, aqueles cuja
visão costuma ser curta, podem incitar aos demônios da Morte. Os sonhos de um
Povo não se soterram com a areia das execu- ções, que se seguem amiúde a ordens
inconfessáveis. Se toda esta desgraça
que ora recai sobre a velha Palestina surge de uma eleição infeliz, em terra
longínqua, e de demagogo que não está preparado para entender os caminhos da
Paz, não será motivo para que se tolere por mais tempo fuzilaria tão imbecil
quanto criminosa e homicida, perpetrada por soldados a que se dá, por cruel
acréscimo, a torpe, inconfessável ordem
de impedir à Gente Palestina que sequer veja aonde nasceram os próprios antepassados.
Se a violência decerto não
constroi, ela aduba raiva e ressentimento, pois a Palestina e até mesmo
Jerusalém não deve ser nunca motivo ou pretexto para a morte de quem quer que
seja.
É mais do que hora para que
respeitemos os direitos da gente palestina, que há muito vem sendo pisoteados e
infamados por líderes que, por violência e cinismo, decerto não merecem os
tronos e cadeiras de que pensam retirar todos os direitos de que pela vil armada força crêem poder valer-se.
(
Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, The New York Times; Carlos
Drummond de Andrade)
Um comentário:
Muito bom comentário, Pai. É desesperador para o espírito humano que os oprimidos de ontem não hesitem em usar o mesmo cinismo de seus algozes para justificar-se.
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