terça-feira, 15 de maio de 2018

Vae Victis ?


                               
       Ao contrário de o que muitos pensam, a violência não constrói. Nada consolida com mais força a união de um Povo do que a consciência da sofrida injustiça.
        Vejam a questão palestina.  A diuturna, cruel barragem dos janízaros de Israel, despejada contra punhados de árabes palestinos que desejam voltar a pisar na sua terra, de que a tragédia do Nakba os terá afastado, mostra ao mundo que, entre indiferença e surpresa nada faz para neutralizar e varrer mais esta injustiça da face da Terra, que o sangue derramado pode, por vezes, tardar em fazer brotar do chão a desejada Paz com honra, e não aquela da conquista que, pela força e o silêncio dos campos santos, sonha a impossível reconciliação entre os invasores e aqueles que nasceram livres.
          Mil anos não passam em um dia. A violência apenas constrói mais violência, assim como as armas não soterram as injustiças.
           A atual chefia do povo judaico vem agindo com a insana coerência que presidira às ações dos supremacistas brancos na África do Sul. Enquanto não repontasse a liderança de Nelson Mandela, com a sua mensagem de paz e entendimento, a reconciliação semelhara impossível na África do Sul.
            Mandela - e não há ganhador mais legítimo do Nobel da Paz - mostrara, primo pelo exemplo pessoal, secondo pela coragem e espírito de sacrifício, que os grandes, magníficos objetivos, não cáem do céu nem são oferenda de terceiros.
            A paz que se deseja não é aquela dos cemitérios e dos campos santos, e tam-pouco a dos cimélios da violência, antiga ou presente. A paz seria aquele resíduo da guardada esperança, que sofrida nas humanas tempestades, anela tão somente ver-se no trincado espelho dos decênios e dos séculos, como a sobrevivente das intempéries desse vasto mundo, onde a esperança é o bem mais precioso e, sem embargo, mais espezinhado da Terra.
              As forças armadas israelenses são decerto poderosas e, nesse histórico mo-mento, crêem poder preponderar sobre os bravos bandos da boa gente palestina que anseia pela satisfação que é da compreensão de todos os povos que têm um torrão natal. Não se espezinha, não se escorraça aquele que deseja pisar o próprio chão.  É difícil e árduo, embora seja um pouco humano, entender a brutal reação do israelense que acredita poder denegar ao palestino sequer pisar na sua terra natal.
               Diante dos israelenses, gente cujos antepassados foram forjados pela inaudita violência do racismo mais torpe, será difícil, quiçá árduo mesmo entender a sua atitude, tangida por violência assassina, o modo e a maneira com que lidam com o anseio de outro Povo irmão, a quem, no que parece um cruel e inaceitável capricho,  desejam barrar o caminho  da Gente que se cansou dos espaços sem esperança da Faixa de Gaza, árida, arenosa terra,  inóspita que é, ainda que descrita por grandes penas da literatura.
               A execrável atitude desse gabinete de Benjamin Netanyahu que manda fuzilar ao povo palestino pelo crime de tentar pisar no torrão do qual foram expulsos pela vil, violência de uma guerra que sobre eles persiste em pesar, ainda que lhes haja antedatado na vida.
                Matar por matar é a aparente criminosa diretiva dessa administração, que mancha o nome de tantos próceres que jamais recorreriam a um crime contra a Humanidade. O Nakba é como aquelas pedras de que nos escreve o poeta Carlos Drummond de Andrade. É grande, descomunal, ameaçadora quase. Mas ela não está mais no nosso caminho.
               A violência não constrói. E tudo que ela pretenda erigir, enquanto vise a abafar os reclamos da Justiça e a visão de um mundo melhor, mais abrangente e tolerante, se destina a esse amplo campo santo do Ressentimento e da Injustiça, que pode alimentar sonhos inconfessáveis de pútridos governos, mas jamais levará a aspirar ao bom entendimento e ao respeito pelo próprio semelhante.
                Os demagogos, aqueles cuja visão costuma ser curta, podem incitar aos demônios da Morte. Os sonhos de um Povo não se soterram com a areia das execu- ções, que se seguem amiúde a ordens inconfessáveis.  Se toda esta desgraça que ora recai sobre a velha Palestina surge de uma eleição infeliz, em terra longínqua, e de demagogo que não está preparado para entender os caminhos da Paz, não será motivo para que se tolere por mais tempo fuzilaria tão imbecil quanto criminosa e homicida, perpetrada por soldados a que se dá, por cruel acréscimo,  a torpe, inconfessável ordem de impedir à Gente Palestina que sequer veja aonde nasceram os próprios antepassados.
                 Se a violência decerto não constroi, ela aduba raiva e ressentimento, pois a Palestina e até mesmo Jerusalém não deve ser nunca motivo ou pretexto para a morte de quem quer que seja.
                 É mais do que hora para que respeitemos os direitos da gente palestina, que há muito vem sendo pisoteados e infamados por líderes que, por violência e cinismo, decerto não merecem os tronos e cadeiras de que pensam retirar todos os direitos  de que pela vil armada força crêem  poder valer-se.

( Fontes:  O Globo,  Folha de S. Paulo, The New York Times; Carlos Drummond de Andrade)     

Um comentário:

Mauro disse...

Muito bom comentário, Pai. É desesperador para o espírito humano que os oprimidos de ontem não hesitem em usar o mesmo cinismo de seus algozes para justificar-se.