sábado, 26 de maio de 2018

Testemunho por Irmã Dorothy


                                                 

        Pode um voto isolado,de um Juiz do Supremo, desfazer uma condenação de trinta anos ?  Em meio às confusões do locaute dos caminhoneiros, quem vai atentar para as circunstâncias do bárbaro assassínio da corajosa missionária Dorothy Stang, da grei dos justos, morta em 2005, e de que resultou a condenação a trinta anos de prisão do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, de alcunha "Taradão" ?
         Uma condenação por tribunal de júri, pode ser airadamente desfeita por um canetaço de ministro do Supremo, como este do Ministro Marco Aurélio Mello?
         Em meio às sistêmicas injustiças no campo - e a morte de Dorothy Stang é prova delas - é lamentável o habeas corpus concedido por Marco Aurélio.
         Qual foi o "crime" de Irmã Dorothy?  Ter sido responsável, na selva amazônica, do primeiro programa de desenvolvimento sustentável da Amazônia, no Amapá. Por efeito desse projeto, vários fazendeiros e madeireiros tiveram suas terras confiscadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). E nesse lúrido contexto,  Irmã Dorothy foi morta a tiros em doze de fevereiro de 2005.
          As investigações apontaram que Dorothy foi assassinada porque defendia a implantação de assentamentos para trabalhadores rurais em terras públicas, que eram reivindicadas por fazendeiros e madeireiros da região.
          Ao mandar soltar o fazendeiro, o único dos cinco condenados pelo crime que ainda não cumpriu pena, tendo obtido o direito de recorrer em liberdade, Marco Aurélio Mello afirmou que a prisão do fazendeiro seria "açodada, precoce e temporã". Além de Regivaldo, foram condenados pelo crime Vitalmiro Bastos Moura, Amair Feijoli da Cunha,  Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista.
          "O ministro do STF criticou ainda a execução de penas após segunda instância e ressaltou na decisão a possibilidade de a Corte mudar o entendimento sobre o tema."
           Como se sabe em demasia, no Pará e em outros espaços da Amazônia, a gente que trabalha no campo vive como se fossem servos da gleba, diante do poder temível dos fazendeiros.
           Pergunto-me se terá sido "açodada, precoce e temporã" essa sinistra antecipação da morte de uma verdadeira missionária, que abandona o mundo, vasto mundo dos Estados Unidos da América, para defender e conscientizar de seus direitos esses verdadeiros servos da gleba no século XXI, no chamado inferno verde.
           Pergunto-me quem aqui defende a Irmã Dorothy?  O fazendeiro dispõe dos meios necessários para acionar os altos mecanismos do Supremo.
           Como religiosa, ela não apelaria para a vingança. Mas como hão de convir todas as  Partes perante a Justiça - que dizem cega -  era nobre e generosa a sua atividade, pois ela depositava a própria fé, seja na Justiça dos Homens, seja naquela divina. Mas por que  reservar-lhe o destino cruel que lhe caíu, e que deveria caber tanto aos que mandam matar, quanto aos torpes assassinos da vez ?
            A luta pela justiça no campo é antiga porfia.  A coragem é atributo de poucos. A Igreja, se ainda não o fez, deveria reconhecer as qualidades de coragem e de particular heroismo. São filhos deste século, tantas vezes violento, injusto e cruel,  que também merecem a glória dos altares.
             Porque o importante é munir-se da certeza que estamos diante de alma justa, que quer queiram, quer não, mostrou que é através do testemunho que avança a causa da Justiça.             

( Fonte:  O Estado de S. Paulo )
T

Nenhum comentário: