Pode um voto isolado,de um Juiz do
Supremo, desfazer uma condenação de trinta anos ? Em meio às confusões do locaute dos caminhoneiros,
quem vai atentar para as circunstâncias do bárbaro assassínio da corajosa
missionária Dorothy Stang, da grei dos justos, morta em 2005, e de que resultou
a condenação a trinta anos de prisão do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, de
alcunha "Taradão" ?
Uma condenação por tribunal de júri,
pode ser airadamente desfeita por um canetaço de ministro do Supremo, como este
do Ministro Marco Aurélio Mello?
Em meio às sistêmicas injustiças no campo -
e a morte de Dorothy Stang é prova delas - é lamentável o habeas corpus concedido por Marco Aurélio.
Qual foi o "crime" de Irmã
Dorothy? Ter sido responsável, na selva amazônica,
do primeiro programa de desenvolvimento sustentável da Amazônia, no Amapá. Por
efeito desse projeto, vários fazendeiros e madeireiros tiveram suas terras
confiscadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). E
nesse lúrido contexto, Irmã Dorothy foi
morta a tiros em doze de fevereiro de 2005.
As investigações apontaram que
Dorothy foi assassinada porque defendia a implantação de assentamentos para
trabalhadores rurais em terras públicas, que eram reivindicadas por fazendeiros
e madeireiros da região.
Ao mandar soltar o fazendeiro, o
único dos cinco condenados pelo crime que ainda não cumpriu pena, tendo obtido
o direito de recorrer em liberdade, Marco Aurélio Mello afirmou que a prisão do
fazendeiro seria "açodada, precoce e temporã". Além de Regivaldo,
foram condenados pelo crime Vitalmiro Bastos Moura, Amair Feijoli da
Cunha, Rayfran das Neves Sales e
Clodoaldo Carlos Batista.
"O ministro do STF criticou
ainda a execução de penas após segunda instância e ressaltou na decisão a
possibilidade de a Corte mudar o entendimento sobre o tema."
Como se sabe em demasia, no Pará e
em outros espaços da Amazônia, a gente que trabalha no campo vive como se
fossem servos da gleba, diante do poder temível dos fazendeiros.
Pergunto-me se terá sido "açodada,
precoce e temporã" essa sinistra antecipação da morte de uma verdadeira
missionária, que abandona o mundo, vasto mundo dos Estados Unidos da América,
para defender e conscientizar de seus direitos esses verdadeiros servos da
gleba no século XXI, no chamado inferno verde.
Pergunto-me quem aqui defende a Irmã
Dorothy? O fazendeiro dispõe dos meios
necessários para acionar os altos mecanismos do Supremo.
Como religiosa, ela não apelaria
para a vingança. Mas como hão de convir todas as Partes perante a Justiça - que dizem cega
- era nobre e generosa a sua atividade,
pois ela depositava a própria fé, seja na Justiça dos Homens, seja naquela
divina. Mas por que reservar-lhe o
destino cruel que lhe caíu, e que deveria caber tanto aos que mandam matar,
quanto aos torpes assassinos da vez ?
A luta pela justiça no campo é
antiga porfia. A coragem é atributo de
poucos. A Igreja, se ainda não o fez, deveria reconhecer as qualidades de
coragem e de particular heroismo. São filhos deste século, tantas vezes
violento, injusto e cruel, que também
merecem a glória dos altares.
Porque o importante é munir-se da
certeza que estamos diante de alma justa, que quer queiram, quer não, mostrou
que é através do testemunho que avança a causa da Justiça.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
T
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