Não será aos eleitores
que se deve culpar pela eleição de Mr Trump, que primo tentara lançar-se com a maluca tese do birtherism - i.e., que
Barack não era americano - e mais tarde resolvera bater em outra freguesia, com
a investida contra o México - para ele um ninho de cascavéis e estupradores - e
para a qual tinha a solução ready-made
do muro, muralha para afastar do povo
americano aquela gente que vinha atrás de trabalho (enjeitado pelos conacionais
de Trump). Que o raciocínio não fazia senso,
tant pis, como dizem os
franceses, mas não é que pegou, e que o nosso Donald Trump, de
semi-desconhecido virou candidato sério (e não só do verão) e il a
balayé et fait oublier[1]
todo aquele infeliz grupo que não pecava seja pela originalidade, seja pela personalidade.
E tal candidato
investiu também não contra os moinhos de vento, como herói até mais
crível do que ele (dada a beleza do símbolo do grande Cervantes), mas, não é que
reprimendas à parte, ele foi em frente, ignorando toda a alta (e velha)
hierarquia de o que chamam Grand Old
Party (GOP).
Restava enfrentar a candidata de
longe mais preparada e equilibrada do que ele (o que, há de convir-se - e sem
qualquer desdouro a ela, não é vantagem). Com a sua demagogia, no entanto, ele
não submergiu, apelando para o desespero de muitos de seus apoiadores
potenciais, como a turma do patético Rust
belt (cinturão da ferrugem), indústrias que já desapareceram do mercado
mundial - que obedece a certas regras que infelizmente independem das
demagogias de Mr Trump. Venceria também no Wisconsin,
um estado que já se aproveitou de uma das últimas estripulias de Roberts' court, que inventou a patranha
de que o mundo e os bons costumes não fazem mais necessário impor aos estados a
obediência a regras estritas no sentido dos obstáculos que os sulistas (e
assemelhados) impõem às minorias desfavorecidas (como negros, latinos, idosos,
etc) na sua pouca compreensível vontade de votar de uma vez naqueles candidatos
democratas em que confiam, e não nos republicanos que praticam o anti-voto
(impedir de todos os modos o sufrágio das minorias desfavorecidas!)
E, last, but not least, houve também a comovente colaboração da
inteligente indicação de Barack Obama para o FBI, em que preferiu, por motivos que a razão desconhece, um
republicano de boa cepa.
Concedo - de resto, como ela própria
já o reconheceu - que Hillary Clinton
cometeu o grande erro de pensar que o seu conforto e facilidade na comunicação
seriam paramount[2]
para fechar a sua mais do que discutível escolha do famoso servidor privado de
computador público, trocando em miúdos, um computador de que dispusesse em casa
para facilitar-lhe adiantar o (bom) trabalho no State Department. Foi
contra o conselho de republicanos de boa cepa, que lhe disseram que aquela não
era uma boa. Infelizmente, Hillary - como ela própria o reconhece - deveria ter
aceito a boa dica, partida - vejam
só! - de republicanos que acreditam nessa besteira de bipartidismo.
Com esse palpite
infeliz da candidata, ela assumiu um riquíssimo potencial de intrigas de outros
(mal) intencionados membros do GOP,
que viam com compreensível preocupação o potencial de Hillary no pleito. Sem
querer, e sem ser Aquiles (que não teve culpa decerto pelo esquecimento da mãe Thetis), ficou com um senhor calcanhar,
exposto a todo tipo de bem-intencionado ataque desonesto.
Fazendo as exceções da regra, aí
aparece o personagem que o bom Obama colocara na chefia do Federal Bureau of Investigations (FBI). Não cansarei os meus
leitores com quatro Catilinárias, ou cousa parecida, mas, convenhamos, o bom
Obama cometeu dois senhores erros: primo,
nomeando James Comey para o FBI, e secondo,
mantendo-se em comovente silêncio, enquanto esse senhor se aproveitou da
ausência de Secretário da Justiça, para impedir que Jim Comey fizesse um
trabalho - que levaria às lágrimas um bom picador de tourada - ao tratar
Hillary de forma desrespeitosa (e totalmente fora de contexto) quanto a sua
suposta falta de ordenação nos despachos do maldito servidor privado. Tudo isso
- e faço de propósito uma imagem edulcorada das gentilezas de Mr Comey - poderia até ser relevado como simples
grosseria de alto servidor público que, infelizmente, tinha dificuldade em
controlar seja o seu republicanismo, seja a própria falta de discernimento em
referir-se a candidata séria à presidência da república dos Estados Unidos da
América -, mas, in fine, Mr Comey reserva a flechada mais
irresponsável e condenável em um funcionário da Secretaria da Justiça, que deve
evitar sempre atos ou comunicações que acabem prejudicando um candidato em
desfavor do adversário, sobretudo às vésperas
do pleito, como foi o caso.
A lebre que levantara Comey ao
mandar aquela comunicação de duplo-sentido político de que estava sendo investigado também o
computador do marido afastado de Huma Abedin,
a secretária de Hillary, e que esse computador pudesser ter questões de
interesse para a eleição (tradução
para o eleitor antecipado: pode mostrar uma trapaça ou another misdeed of crooked
Hillary, dentro da conhecida designação de quem é grande autoridade na
matéria, como mostram todas as
investigações a que se resume a sua
terrível presidência, que caíu sobre os americanos por duas razões: (a) o
incrível sistema que até hoje, contra a lógica e a história, perdura, apesar de
datar do século XVIII, ao invés da votação direta para cargos executivos, que em todo o mundo civilizado perdura; e
(b), a insinuação do bom Mr Comey, que a dizer verdade nem se arrepende desse
seu último vedetismo (o que colheu os votantes antecipados em cheio, de que
muitos foram levados a pensar de que havia algo sério contra a democrata,
quando na verdade não havia nada, excluida a irresponsabilidade deste Mr Comey). Alertar ao eleitor antecipado sobre a possibilidade de que se
encontrasse material comprometedor para Hillary (como insinuou na sua
correspondência ao Congresso) foi algo que vai além da designação de
'irresponsável', e não a observação
cínica de Mr Comey quanto à circunstância que o afetava (a saber, nada).
Como
muitos outros no passado, ele (Mr Comey) terá assegurado a infeliz relevância
momentânea, ao virar as preferências, que favoreciam claramente o triunfo de
Hillary, por margem apertada, mas segura, e passaram, por esse golpe ou
irresponsável ou desleal (escolha o leitor) a favorecer o pior candidato à
presidência dos Estados Unidos, mesmo se computarmos um passado bem alentado.
Infelizmente,
dado o anacronismo do sistema - Hillary ganhou no voto popular, como tinha
igualmente vencido no princípio do século Albert Gore, e tal infelizmente que
vale muito além fronteiras, nos demais países democráticos do mundo, neste caso
vale quase nada (daí a patética mentira
de Donald Trump de que votantes não-autorizados, i.e. estrangeiros ilegais teriam dado essa maioria) que é legítima,
mas que nada vale nos EUA.
Tutto
sommato, como dizem os italianos, nada dessa vantagem
infelizmente vale um sufrágio sequer. Quem se conforma com esse tipo distorcido
de sistema eleitoral, já totalmente perempto na prática pela história e pelo
desenvolvimento tecnológico, fica difícil de entender para um certo partido
(que conta com a realidade dos eleitores), mas não para o outro, que está por trás
das mágicas que a Roberts Court tão
pressurosa e cinicamente pôs à
disposição do GOP, porque é o GOP
nesse período que trabalha contra a apuração (ao senti-la contrária às maiorias
dos despossuídos que tão bem veiculou o bar-man do grupo reunido pelo candidato
perdedor, para o segundo mandato de Obama, e que traria mais votos contra o republicano Mitt Romney e a favor
do democrata.
Hillary Clinton em entrevista
ao grande reporter e comentarista do New Yorker mostrou a raiva e a perplexidade
diante de uma eleição em que tudo fazia esperar que seria a vencedora. No seu livro "What Happened" (O que aconteceu) já examina o incrível
resultado com o distacco de uma
candidata séria (nos dois sentidos), em que busca entender e fazer entender uma
das eleições mais estonteantes, no sentido em que por uma conjunção infeliz
(para ela), diversos inimigos, muitos deles que na verdade lhe retratam o
valor, através de medidas negativas, criminosas e de agressivo partidarismo.
Nunca um candidato como o
falastrão Donald John Trump, tão
medíocre na visão política e nos respectivos programas, de comportamento tão
inquietante e amiúde sexualmente repelente terá sido a causa de uma conjunção
infeliz de fatores agressivamente negativos contra a sua adversária. O paradoxo
desse comovente apoio de um presidente russo, rancoroso por conta da habilidade
de Hillary como Secretária de Estado, expondo o que é a "democracia
russa", construída com métodos gangsterísticos e que por ameaçar-lhe (ainda
não muito) o domínio com mão de ferro - mais uma vez melancolicamente
corroborado na sua capacidade de organizar o regime autoritário, que não hesita
tanto na eliminação física, quanto na perseguição de Boris Navalny, que é
popular e por isso não pôde pelas kafkianas regras da democracia de Putin
sequer candidatar-se. Mas esse détour não deve fazer que percamos de
vista as razões objetivas da "derrota" de Hillary, na feroz,
rancorosa e impiedosa participação russa contra a sua candidatura.
Se disso, decerto, também se ocupa o
Procurador Especial Robert Mueller III - e posso estar errado, mas nunca um
procurador estatal terá encontrado material tão farto nas entrevistas, nas
detenções e consequentes interrogatórios, na série de falcatruas de Trump e seus underlings, além do peso enorme da
deslavada intervenção russa no processo eleitoral americano, com ruptura do
código utilizado pelo Comitê Democrata, e mesmo até invasão física de suas
instalações.
O ataque lançado por
Vladimir Putin e sua grei contra a candidata Hillary é claramente empurrado
pelo ódio do presidente imperial russo contra a prócer democrata, cuja
projeção, habilidade e coragem o terão preocupado sobremaneira. Todo o empenho
que demonstrou para defender os fracos atributos de seu subserviente candidato
americano, a quem como um relatório de especialista inglês adumbra a
possibilidade de não excluir-se que entre as motivações para a obediência de
Trump está a possibilidade demasiado provável que os seus conhecidos ímpetos
lúbricos tenham sido gravados pelo serviço secreto russo, dentro da linha de
instrumentalizar a chantagem como meio de domínio de agentes políticos. Desse
modo, não me parece nada absurdo sugerir que toda essa operação clandestina e semiclandestina,
com contatos até de advogada russa que veio a New York para passar-lhe
elementos que acreditava pudessem ser negativos para a candidata democrata
surgem como de dificílima contestação.
Mas com os seus hábitos
imperiais, não terá sido dificil para gospodin
Vladimir V. Putin manter sob estrito controle o "amigo" ricaço
americano. Não desdenhou, também, a utilização da internet com os falsos
apoiadores, as trolls, as mentiras que transitaram pelo Facebook e que hoje tanto incomodam à sua direção.
Além disso, em movimentos de
pinças, imitando os ataques da Wehrmacht que na primeira parte da guerra
germano-russa levaria a coalizão alemã até as cercanias de Moscou, e depois se
estenderia à parte asiática do continente russo, até acabar na derrota de
Stalingrado, os serviços de Putin se valeriam,
em termos de propaganda agressiva contrária da ajuda de Wikileaks, que da chancelaria da embaixada equatoriana em Londres,
na sua condição de asilado, manipulou o seu artífice, Julian Assange, igualmente virulento opositor de Hillary, e que parece bastante improvável que este seu
movimento, tentando disponibilizar tudo o que seu ver seria potencialmente
negativo para a candidata.
Creio desnecessário acrescentar mais
elementos nesse quadro da ofensiva russa contra a candidata democrata. Não há poucas iniciativas e ataques contra
Hillary Clinton, e é assaz difícil encontrar algo em que os personagens acima,
com o devido realce ao presidente russo,
não tenham de algum modo participação.
Além das investigações
que já foram realizadas pelos serviços americanos que são competentes na
matéria, depois da escolha do Conselheiro Especial Robert H. Mueller III, há
também o trabalho de inteligência realizado por Christopher Steele. Esse
especialista inglês, a que se procurou desvalorizar e mesmo desmoralizar, se
tem mostrado muito acurado e preciso nas suas informações sobre Donald Trump e
a Rússia.
No entanto, Steele, pela
qualidade de seu trabalho, e a própria discrição, que é a consequência natural
de sua formação como agente britânico de inteligência, é outra incômoda pedra
no caminho do Presidente Donald
Trump. Poder-se-ía nesse aspecto
que a característica por assim clássica dentro do trabalho de inteligência
representa a um tempo a catálise homogênea de um paciente e sério trabalho de
coleta de informações sobre o personagem Trump. E é este duplo aspecto do
trabalho profissional desse espião inglês no modelo clássico que constitui a
força de sua exposição profissional e temática da questão, e, por consequente desperta forças
antagônicas que buscam desesperadamente destruir-lhe a sua peça clássica de
exposição, em uma homenagem de mauvaise-gré
à sua participação sobre Trump e a Rússia, que é o seu específico papel
de inteligência nessa matéria.
O Presidente Donald
Trump tem o poder formal de exonerar o Conselheiro Especial Robert Mueller the third. Mas tal poder
tende a ser à la fin de pouca valia,
como a tentativa análoga de Richard M.
Nixon o provaria no século passado. Dentro da sistemática da Administração
americana, o procurador Robert Mueller
deveria ter sido nomeado por Jeff Sessions, o Attorney-General (procurador
geral), mas este senador preferiu eximir-se do encargo por suas intrincadas
relações pessoais com o presidente.Assim, em iniciativa que irritou
sobremaneira a Trump, Sessions passou a seu substituto legal, o Deputy Attorney General, i.e., Vice
Procurador-Geral Rod Rosenstein, o encargo de nomear a Robert Mueller III. A iniciativa não foi do agrado de Trump,
tanto pela circunstância de passar a ter alguém na Secretaria de Justiça a
investigá-lo, mas sobretudo pelos problemas levantados potencialmente por esse
Promotor Especial, sobre quem, ironicamente, Trump tem o poder de exonerar, mas
como já foi dito acima é uma medida que, se adotada, se reverteria contra o
Presidente, como foi no caso antecedente da demissão pelo Presidente Richard
Nixon de seu Promotor Especial, o que tampouco valeria para o então presidente, que já tinha o
destino político. Em assim vendo a sua
situação, politicamente perdida, Nixon optou pela renúncia e a consequente
admissão de culpa para a posteridade.
Ainda falta muito
para determinar qual será o destino do atual 45º presidente. Mas seria na
verdade quase insano acreditar em um final normal deste seu mandato. Como se diz na minha terra, há gente demais
na sua cola, e ele, a par disso, cria condições políticas para a sua queda,
através de seu conceito de mau presidente e de fautor tanto de escândalos,
quanto erros políticos graves, que se prendendo na própria cola, anunciam
diuturnamente a cercania de uma eventual demissão.
Não se deve
esquecer, por fim, que o Partido de Lincoln tem presumivelmente todo interesse
em desembaraçar-se do seu atual chefe, que não lhe pressagia uma boa eleição
intermediária próxima. Falar de eleição
favorável nessa conjuntura há de parecer, s.m.j.,
garrafal ausência de qualquer tino político, vizinha, portanto, ao deboche. E
nenhum partido estima ter como chefe um fautor de desastres eleitorais, com a
eventual perda da maioria como muito provável na Câmara de Representantes, e
talvez, quem sabe, no Senado.
(Fontes: What Happened, de Hillary Clinton; Don Quijote de la Mancha,de Miguel de Cervantes; Homero; Noel Rosa;
David Remnick; Karen Dawisha; Franz Kafka; Oswald Spengler )
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