Sair de uma para
cair noutra. O regime instaurado por Viktor Orbán, pela sua rigidez e
pendor autoritário recorda os governos do entre-guerras, que surgiram com o
esfacelamento do Império Austro-Húngaro, ao cabo da primeira Guerra Mundial.
Tudo começara com o assassínio, em
Sarajevo, pelo terrorista Gavrilo Princip, do casal real Francisco Ferdinando e
Sophia, ele herdeiro do trono austro-húngaro.
Enquanto o assassino Gavrilo Princip
morre na cama, muitas décadas depois da catástrofe que o seu gesto provocara,
pelo despreparo de muitos e a impensada abertura do conflito europeu - que o
automatismo do sistema de alianças entre as potências europeias desencadearia - a chamada belle époque desaparece com a guerra das trincheiras, a exasperação
do nacionalismo - até então sequer se carecia de passaporte para viajar de
navio ou de trem entre os diversos países, inclusive os Estados Unidos, que
mergulham na Grande Guerra pelo afundamento
do navio Lusitânia em 1917, torpeado por submarino do Reich Alemão.
Como se sabe, sucede ao
armistício de 1918, a quebra do equilíbrio
que presidira até então, a despeito de crises recorrentes, a paz entre as grandes potências é a
princípio restabelecida pelo Tratado de Versailles, embora muitas de suas draconianas
disposições contra os Impérios centrais mais terão criado condições para o
ressur- gimento do armamentismo e do surgimento de ideologias, como o fascismo
e o nazismo, os dois já na década de vinte. Benito Mussolini assume o poder
ainda nesse decênio, enquanto Adolf Hitler recebe de presente o poder das mãos
do ancião Marechal von Hindenburg, em janeiro de 1933.
Com pesadas sanções contra a Alemanha vencida - o que provocaria a
hiper-inflação no Reich Alemão, no
começo da década de vinte - por imposição dos vencedores - daí chamarem as
disposições do tratado de paz de Ditado
de Versalhes - graves erros foram cometidos que criariam
condições para uma ulterior atmosfera propícia ao revanchismo. Por imposição, sobretudo, da França, foram
baixadas pesadas sanções sobre a Alemanha, a ponto de a hiperinflação no Reich tenha sido em parte motivada pelo
peso desproporcional dos gravames aplicados.
Outro erro de Versalhes foi o esfacelamento do Império Austro-Húngaro,
com o surgimento de diversas novas nações antes parte da velha monarquia dual. Criou-se
um vácuo na Mittel Europa, que até então não existia, e como natureza e
política abominam tais espaços, não despertará surpresa que as instabilidades
balcânicas pas-sassem também a refletir-se na Europa Central.
Houve um grande amadorismo na Conferência de Versailles nesse aspecto.
Não fora decerto difícil vender ao Presidente americano Thomas Woodrow Wilson a
tese do esfacelamento do Império Austríaco, a despeito da respectiva
antiguidade, por muitos séculos exercendo papel de contenção e moderação na
Europa central e oriental. Tampouco se deve esquecer que o expansionismo turco
fora detido pelo Reino austríaco, com o fracasso da tentativa de tomada de
Viena, implicando no seguinte processo de retirada dos otomanos da Europa
central.
O império católico dos Habsburgos seria por séculos uma das grandes potências européias. Por extenso período, é fator de
equilíbrio na Europa Oriental. Já no século XX, com Viena como sua principal
metrópole, esse Império teria grande presença cultural e mesmo política. Até o seu desfazimento por instância de
Wilson, a Austria-Hungria funcionou como
um fator de equilíbrio. O caráter democrático de seu regime constituía uma
importante verdade na política do Império dual, e a sua divisão representaria
um dos grandes erros de Versailles, pois acentuaria a política balcânica e as
guerras intestinas, ensejadas agora pelo desaparecimento do poder
moderador de Viena.
O regime hoje implantado por
Viktor Orban na Hungria, de caráter autoritário, relembra sempre mais o regime
filo-fascista que existiu na Hungria do
entre-guerras, que tinha por chefe de Estado o regente Almirante Horthy, o que
já o tornava alvo de ridículo, eis que a Hungria perdera a sua saída para o
mar, e se tornara a landlocked country.
Ter como ´Soberano um alto-oficial da Marinha húngara em um país sem saída para
o mar, já o tornaria alvo de fácil ridículo.
Orban tem sido criticado na Europa, porque a
Hungria, senão na letra, decerto no espírito, se vem afastando dos princípios
democráticos que norteiam a União Europeia (é de notar-se que o regime polonês
está descaindo também nesse sentido). Orbán respeita à la lettre o princípio democrático, mas a sua maneira de governar
se vem aproximando cada vez mais do fascismo.
A sua recente 'ofensiva' contra o bilionário húngaro-americano George
Soros tem despertado muita estranheza em Bruxelas. Apesar de Orbán fundar a sua
presença no governo da Hungria baseado
na lei e na Constituição, na prática, pela intolerância e anti-semitismo que
lhe caracteriza o regime, é forçoso reconhecer que a caricatura fascistóide,
com os métodos de tal sistema, tendem a tornar irrelevante o penacho
democrático de Orbán.
Assim, como noticia o jornal O Globo "a pressão do governo do
primeiro-ministro Viktor Orbán vem de acabar com décadas de presença na Hungria
da Fundação do bilionário Soros",
que decidiu transferir a atividade da Fundação Sociedade Aberta (Open Society) de Budapeste para Berlim,
denunciando a política das autoridades do regime.
Como se assinala, embora a
Fundação tenha sucursais em vários países,
inclusive escritório importante em New York, a transferência das
atividades e de mais de cem funcionários de Budapeste para Berlim tem grande
significado simbólico.
Com efeito, o governo húngaro
"investiu mais de cem milhões de euros em recursos públicos na campanha de
ódio destinada a difundir mentiras sobre a fundação e seus sócios", para
criticar a OSF (Open Society Foundation).
Diante das crescentes
dificuldades burocráticas colocadas pelo regime Orbán à OSF, e a sua saída da
Hungria, o governo húngaro afirmou em
síntese que não perderia tempo em lamentar a saída da OSF, de Sóros da Hungria.
O próprio Orbán, através do
caráter antissemita da campanha, em que o Primeiro Ministro apresenta o
empresário americano, de origem judaica, como
uma figura da "elite mundial" e dos especuladores "sem
pátria" acirrou e fortaleceu a oposição, no que semelha mais um
aspecto típico de linguajar de tais políticos que como cogumelos nascem nos
recessos da floresta, ignorando o sol das lições da história mundial.
(
Fontes: O Globo; July 1914, de Sean McMeekin; Encyclopaedia Britannica )
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