A despeito de rumores persistentes de
que aconteceria com a sequela policial da morte de Marielle um abafa geral, a
realidade, como a aurora, terá sido mais generosa com a cidade do Rio de
Janeiro.
Testemunha ligada à milícia revelou
para a Polícia que o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-P.M. Orlando Oliveira de Araújo, preso desde
outubro de 2017, sob a acusação de chefia de grupo paramilitar, planejaram a
execução da vereadora Marielle Franco (PSOL).
Segundo o depoente, cujo nome permanece
em segredo, ele presenciou pelo menos quatro conversas entre Siciliano e o
ex-policial, que mesmo preso continuaria chefiando uma milícia na Zona Oeste.Também
forneceu à polícia nomes de 4 quatro homens que teriam sido escolhidos para
encarregar-se do assassinato. Ainda a mesma fonte precisa que em junho de 2017
testemunhara encontro entre o citado vereador e o ex-PM em restaurante na
avenida das Américas, no Recreio, cujo nome foi transmitido a investigadores.
"Eu estava sentado numa mesa, a
distância de pouco mais de um metro dos dois, que estavam na mesa ao lado. O vereador falou alto: "Tem que ver a situação
da Marielle. A mulher está me atrapalhando". Depois, bateu forte com o
punho na mesa e gritou: "Marielle, piranha do Freixo". Em seguida, encarando o ex-PM, disse:
"Precisamos resolver isso logo."
O ex-PM, que já era foragido da
Justiça, tinha dois mandados de prisão e, em outubro, acabou sendo preso numa
operação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos
Especiais (DRACO-IE) da Coordenadoria
de Recursos Especiais (Core) e da Subsecretaria
de Inteligência da Secretari de Segurança. O delator afirmou que o vereador e o
ex-PM tem negócios em comum na Zona Oeste.
Em seus depoimentos, ele mencionou o nome de pelo menos 15 pessoas,
inclusive policiais, bombeiros e empresários, que participariam do grupo
comandado pelos dois. Segundo a testemunha, o vereador Siciliano dá suporte
financeiro a várias ações da suposta milícia.
- O
ex-PM era uma espécie de capataz do vereador (Marcello Siciliano), que passou a
apoiar a expansão do grupo. Pelo que
sei, era apoio político, mas ouvi comentários de que a milícia agia em
grilagem de terras na Zona Oeste, especialmente no Recreio dos Bandeirantes.
A
testemunha disse que esteve presente nas reuniões entre o vereador e o ex-PM
porque, por cerca de dois anos, fora obrigada a atuar como segurança do miliciano,
depois que o criminoso tomou a comunidade onde ela instalava equipamentos de
tevê a cabo - "um trabalho que estava em processo de regularização",
consoante afirmou. Como foi ameaçado de
morte na ocasião, o delator acabou coagido
a trabalhar para o grupo criminoso, chefiado pelo ex-PM, que mesmo preso
estaria controlando mais de uma dezena de comunidades na Zona Oeste, entre elas
o Terreirão, no Recreio, e a Vila Sapê, em Curicica. A testemunha acredita que
o faturamento mensal da quadrilha gire
em torno de R$ 215 mil.
Ainda de acordo com a testemunha:
"fui coagido: ou morria, ou entrava para o grupo paramilitar. Virei uma
espécie de segurança dele. Também ficava responsável por levar o filho para a escola e acompanhava
a mulher de Orlando para compras em shoppings".
Segundo o delator, a desavença
entre Siciliano e Marielle foi motivada pela expansão das ações comunitárias da
parlamentar do PSOL na Zona Oeste, e sua crescente influência em áreas de
interesse da milícia, mas que ainda seriam controladas pelo tráfico. Uma das
brigas, de acordo com a fonte, envolvia comunidades em Jacarépaguá. Ela afirmou
ainda que o ex-PM é "dono" da comunidade Vila Sapê, em Curicica, que
trava guerra com traficantes da Cidade
de Deus. A testemunha disse que a vereadora passou a apoiar moradores da Cidade
de Deus e se desentendeu com o ex-PM e o vereador, que tem uma parte de seu
reduto eleitoral na região.
- Ela peitava o miliciano e o vereador. Os
dois (o miliciano e Marielle) chegaram a travar uma briga por meio de
associações de moradores da Cidade de Deus e da Vila Sapê. Ela tinha bastante
personalidade. Peitava mesmo, segundo
enfatizou. Orlando era o braço operacional
do vereador na Zona Oeste. O vereador continuou a contar com o apoio da
quadrilha, mesmo depois que o miliciano fora preso, no ano passado.
A testemunha contou, outrossim,
que um mês antes do atentado, o ex-PM teria dado, de uma cela de Bangu 9, a ordem para o crime. Primeiro,
mandou que homens de sua confiança providenciassem a clonagem de um carro. O
serviço teria sido feita por uma dupla, identificada nas investigações. Já
clonado,o Cobalt prata foi visto
circulando antes do crime próximo ao campo de futebol da comunidade da Merck,
na Zona Oeste. A testemunha afirmou que
um homem identificado como Thiago Macaco
foi encarregado de fazer o levantamento dos hábitos da vereadora: verificou
onde ela costumava ir e todos os trajetos que Marielle fazia ao sair da Câmara
Municipal.
A mesma testemunha também
afirmou que um assassinato recente, o de Carlos Alexandre Pereira Maria, de 37
anos, o Alexandre Cabeça, foi queima de arquivo. O cadáver
foi encontrado por policiais do 18º BPM (Jacarepaguá), a oito de abril, 25 dias
depois da execução de Marielle.
Outra morte também é
relacionada à execução de Marielle, a do PM reformado Anderson Cláudio da Silva, de 48 anos, atingido por vários tiros, e
até de fuzil, ao entrar em seu carro, na
praça Miguel Osório, no Recreio. Esse homicídio ocorreu dois dias depois da
morte de Alexandre Cabeça.
Enquanto prosseguiam as buscas da PM atrás dos
assassinos, um HB20 branco parava na Salvador Allende chamando a atenção de
patrulha que passava pela avenida. Ao
ser abordado, David negou participação no ataque, mas deu informações
desconexas. Entre outras alegações,
afirmou que minutos antes, estava numa moto-cicleta, mas bandidos a teriam
levado.
Desde cedo, ao ensejo do
magnicídio de Marielle e do motorista Anderson, agentes da Divisão de
Homicídios já suspeitavam de envolvimento de grupo pára-militares, apoiados em
detalhes da execução, como o uso de munição especial e o trajeto percorrido
pelos assassinos. Na Câmara Municipal, policiais recolheram imagens de câmeras,
com especial atenção ao movimento nos corredores da Casa. Nove vereadores,
entre eles Siciliano, já prestaram depoimentos no inquérito. Siciliano foi
ouvido como testemunha.
(Transcrito
da reportagem "Um vereador sob suspeita", do repórter Antônio
Werneck", publicada nesta quarta-feira, nove de maio, em O Globo)
Assinale-se, por oportuno, que a
relevância da reportagem, e consequente furo jornalístico do repórter Antônio
Werneck constituem decerto desenvolvimento importante no trabalho de esclarecimento
e contextualização deste magnicídio, que provocou revolta e indignação na
sociedade e no Povo do Rio de Janeiro,e por isso deve ser saudada pela contribuição que dá à individualização dos
eventuais culpados pela morte brutal infligida a um grande valor da política
carioca, a corajosa Vereadora Marielle Franco. É nesse espírito de colaboração plena e, se
possível, de ulterior conhecimento do bárbaro homicídio, em termos de
aprofundamento da tragédia social do submundo do crime organizado, que este
blog estende a sua eventual colaboração, em termos de difusão do magnicídio,
para que empreitadas desse laivo não mais enodoem a memória desta Mui Leal e
Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
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