O termo "vitória de Pirro" se
reporta a Pyrrhus do Épiro (319-272
a.C.) que se celebrizara por triunfos conseguidos à custa de pesadas baixas,
sobretudo na sua campanha contra Roma. É clássica a menção dos cumprimentos
recebidos de seus generais, a que o monarca respondera que mais uma vitória
como aquela (Ausculum- 279 a.C.), e estaria perdido...
A persistência é um dos atributos de Recep Tayyip Erdogan, como de novo se
verifica no referendo do último domingo. O apertado triunfo de 51.3% dos votos obtidos contra 48,7% da oposição não reflete, porém,
as inúmeras caracteristicas negativas quanto à igualdade de oportunidades para
os dois campos.
Segundo os observadores europeus é quase
jocoso dizer que os dois lados dispuseram das mesmas oportunidades. Batalhar
pelo não na Turquia de Erdogan terá
sido enfrentar não só dificuldades de expor de forma ostensiva o respectivo
ponto de vista quanto ao dito referendo. Implicou também coragem física para
tomar a palavra em público, diante dos concretos riscos de confrontação com os
agentes do poder, manifestos ou não, e os constrangimentos de toda ordem - até
mesmo cruamente físicos - impostos por seus capangas, fardados ou não.
Não é de hoje que Erdogan persegue o
mando sem limites. Para tanto, armou-se de impávida paciência. Tem ou inventa
inimigos, seja na vasta Turquia, seja até nos Estados Unidos, através do
clérigo Fethullah Gulen, a quem
acusou de maquinar a tentativa de golpe da noite de 16 de julho último. Gülen
vive asilado nos Estados Unidos, na Pensilvania,e como fundador do Hizmet, movimento educacional, que é adrede demonizado por Recep
Erdogan.
É de notar-se que desde a tentativa de putsch acima citada, a Turquia vive em
estado de emergência, o que permitiu ao governo demitir ou suspender cerca de 130 mil pessoas, por suspeita de conexão
com o suposto movimento subversivo, assim como prender cerca de 45 mil.
Por outro lado, a junta eleitoral não
descurou de, além de incrementar os requisitos para provar a fraude no voto,
assim quanto validar a acusação de
estufar urnas.
O novo sistema instituído neste fim
de semana vai abolir o sistema parlamentarista atual, que passará a
presidencialista. O Chefe de Estado terá
poderes para emitir decretos-lei e nomear juízes e autoridades responsáveis em
validar as decisões presidenciais.
O presidente - no caso Erdogan -
disporá de dois quinquênios,com a possibilidade de um terceiro, se o Parlamento
reduzir o segundo, em convocação de eleições antecipadas.
A despeito de todas as 'maldades',
Erdogan não obteve a maioria de vinte pontos com que supostamente sonhava. Teve
de contentar-se com raquítica vantagem. Tudo isso malgrado os inúmeros
constrangimentos a oposição - vedando com pretextos o sufrágio de grande parte
da minoria curda - além do servir-se do terror como arma institucional, cuja
força e capacidade de convencimento crescem desproporcionalmente à medida que a
votação se desloca para o amplo interior, aonde não sóem existir peias para o poder
do soberano de turno.
As suas relações com a Europa saíram
machucadas pelas inúmeras minicrises que Erdogan tentara criar, para motivar o
apoio "patriótico" do eleitorado. Dentre essas, a promessa de
reinstituir a pena de morte acabaria com qualquer possibilidade de eventual
adesão à Comunidade Européia.
Ao cabo de tudo, restará Recep Tayyip Erdogan, o contestado
vitorioso, sob o peso daquelas 'fabulosas vitórias' fabricadas pela força
bruta, fraude, e formidáveis temores.
(Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Times,
Nouveau Petit Larousse
Illustré, Paris, 1952)
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