quinta-feira, 6 de abril de 2017

O inglório retorno de Bashar

                               
       Bashar al-Assad já teve várias vidas, nenhuma delas merecedora de elogios e respeito. Herdou o poder como um reizinho, após a morte do pai, o general  Hafez al-Assad (1930-2000), que com mão de ferro, depois de empolgar o poder em 1970, reprimira com enorme crueldade a principal contestação que lhe fora feita, no interior sírio.
       O filho Bashar, morto o irmão mais velho que o pai preparara para o poder, jamais teve visão nem liderança que o habilitasse a crescer diante do legado familial.  Ele se encaminhava para outra existência, a de fugitivo do Tribunal Penal Internacional, quando se decidiu a uma última jogada, na sua visita in-extremis, de outubro de 2015 ao Presidente Vladimir Putin, a quem, sob a promessa de dar à Russia, além do porto e base naval, nas águas quentes do Mediterrâneo Oriental (Tartus), conceder outras bases tanto aérea, quanto naval à Federação Russa,  submetendo-se a Moscou, nos termos dos antigos submissos aliados do Império Romano.
         Nessa visita acima citada, Bashar viera como suplicante, e de acordo com o ritual de tais "alianças",  Putin fê-lo esperar o tempo que julgara necessário, para que a "aliança" entre os dois países pudesse ser estabelecida  como num acordo entre senhor feudal e postulante aliado.  Se Bashar na prática deixava de ser soberano no próprio país, despojando-se do respectivo orgulho, mantinha sob a "aliança" com o presidente russo a possibilidade de escapar da sina que pela própria falta de visão política já lhe pareceria inelutável: na melhor das hipóteses o exílio.
          E gospodin Vladimir Putin cumpriu a sua palavra, acolhendo como aliado um Bashar al-Assad, que pela própria falta de visão política, ao invés de responder positivamente às ainda tímidas pretensões de seus súditos descontentes, deixara alastrar-se a revolução síria, transformar-se em conflagração que tinha as regiões da Terra da Passagem como infeliz hospedeira.   
           Se a mão e o poder do Presidente Putin, mediante as recompensas exigidas, serviram para afastá-lo da quase inevitável estrada do exílio, Basha continua a mostrar a velha insensibilidade - que ajudara os rebeldes sírios a escolher o caminho da revolução. 
            Apesar do protetor que arranjou,  Bashar  não conseguirá decerto mostrar o que não tem, vale dizer, respeito ao próprio povo, a par de uma mínima capacidade de governo e de entender que não será como um barão feudal - que ignora a capacidade de granjear seja respeito, seja gratidão - que terá alguma possibilidade de manter-se no poder, quando o seu protetor não mais estiver em condição de ser visitado.
             As atrocidades cometidas por Bashar - e esta última, lançando o gás sarin contra a sua gente, matando muitas crianças  -  não só confirmam a sua provada incapacidade de conviver com qualquer tipo de governo voltado para a vida e os interesses da população, mas também o quanto ganharia a pobre Síria em ver-se afinal livre desse avantesma da burrice maligna.
             Já referi em outro texto escrito sobre a revolução síria, que um dos principais e mais pesados erros do Presidente Barack H. Obama foi a sua negativa de aceder a proposta a ele apresentada pela Secretária de Estado Hillary Clinton e pelos demais chefes dos departamentos e agências dos Estados Unidos.
              Obama tem recebido atenção muito benfazeja da grande imprensa americana (v.g. New York Times, Washington Post), no que tange à sua presidência, e, em grande parte, essa atenção é merecida. No entanto, no que tange à Siria, a avaliação não será das melhores, sobretudo nesse episódio que, até o presente, excetuada a sinalização do blog não encontrou a atenção e o eco que, s.m.j., faria por merecer.
                Nesse particular, é merecedora de muita atenção - muito maior daquela que vem até o presente recebendo - a circunstância de que no que tange ao Afeganistão, autêntico cemitério das empresas militares ocidentais, esse país continuou a receber uma ênfase prioritária com relação aos outros teatros de ação - e, em particular, a abandonada Síria,  que não teve a atenção que faria por merecer.
                   Por uma triste ironia, o Presidente Obama preferiu omitir-se no que tange à infeliz Síria, mesmo diante de propostas como a liderada pela sua então Secretária de Estado, no final de seu primeiro mandato presidencial.
                   Já escrevi bastante sobre esta matéria. Não há saída diante da extensão da própria negativa que a omissão em tal causa da parte de Barack Obama não venha ainda bater-lhe à porta. É nesse particular interessante que o seu sucessor no encargo de velar pelas questões atinentes aos Estados Unidos da América, por primário que seja em alguns aspectos,  tem mostrado mais sensibilidade ao problema da Síria, do que ele próprio. A repressão ao ISIS, que tanto avançou no Iraque, por força do anterior governo de Bagdá, só veio a merecer maior ênfase já quase no final da Administração Obama.
                     No que tange à Síria, como premissa deve-se sublinhar que é auspiciosa a revolta expressa  pelo Presidente Trump quanto ao gesto infame de Bashar, pois é importante que o sucessor de Obama não se acomode em deixar o "problema" por conta exclusiva do amigo Putin, que não parece ter a mesma sensibilidade do novo presidente americano, no que concerne à questão.
                     O que sairá dessa eventual iniciativa de Donald Trump acha-se ainda nas sombras dos chamados organismos competentes.  Com efeito, é revoltante que Bashar al-Assad  continue a evidenciar  atitude tão negativa em relação a sua própria gente,  a ponto de bombardeá-la com o letal gás sarin, como acaba de ser comprovado
                       Se os Estados Unidos houvesse  mantido presença mais afirmativa diante do inferno sírio, conforme fora proposto ao então Presidente Obama pelos quatro chefes, encabeçados por Hillary Clinton, Bashar al-Assad não teria ousado dispensar a seu povo tratamento de tamanha brutalidade, que, em beirando o absurdo, compelia  o presidente  Donald Trump a prometer pronto engajamento na Síria - possivelmente em intervenções aereas - para evitar que tais barbaridades possam repetir-se.


( Fontes:  The New York Times,  O Estado de S. Paulo )         

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