Na verdade, além de termos presente o
papel do então Primeiro Ministro David
Cameron para que se configurasse o Brexit, reporto-me de início ao que já
escrevi sobre o tema.
David Cameron sempre manteve certa
frieza quanto à questão das relações,
seja de trabalho, seja oficiais, com as instâncias da Comunidade Europeia.
Enquanto Primeiro Ministro, em suas idas a Bruxelas, tenderia a evidenciar uma
postura um tanto distante, como não se sentisse muito à vontade na sede da
Comunidade Europeia.
São decerto impressões de um
observador à distância, e mediadas seja pela cobertura das sessões de trabalho,
seja pelas movimentações da então maior autoridade política do Gabinete de Sua
Majestade.
Para o diplomata que o observasse, seria
árduo entrever na sua postura seja um sentido de participação, seja certo
espírito de natural conviviabilidade porventura experimentado na sede do
organismo diretor da União Europeia.
Não se poderia afirmar que Cameron
agisse como se fora um estrangeiro. O fato é que, visto à distância, ele não se
comportava nem como alguém que ali se sentisse inteiramente à vontade, nem que
a sua reserva pudesse ser atribuída ao conhecido stiff upper lip dos britânicos.
Por outro lado, a reserva de Cameron,
e o seu natural distanciamento dos companheiros europeus podem explicar, de
certo modo, a própria decisão de servir-se de um referendo sobre a participação
- ou não! - do Reino Unido como modus
faciendi para ganhar tempo sobre a consideração de outro tema, a que
desejava afastar.
Quisesse ou não deixar tal
impressão, salta aos olhos que se realmente prezasse e valorizasse a
participação na União Européia, David Cameron agiria de outra forma. Não mais
se tratava, passados mais de quarenta anos, de encarar a situação com a postura
de antecessores seus de nomeada, como Edward Heath, que não trepidaram em pôr a carreira política a
prêmio para lograr o seu objetivo maior, que era a integração do Reino Unido no
organismo de Bruxelas.
Chegado muito depois e sem o peso de
alguns de seus antecessores em Downing Street 10, a postura de Cameron não
transmitia a impressão de que ele atribuía à participação em Bruxelas o peso e
a relevância que fosse similar àquelas de outros primeiros ministros europeus.
Político conservador, que galgara o
poder já passados muitos anos na relação de Londres com Bruxelas, ele não via
com o interesse prioritário que lhe concederam muitos de seus antecessores em
Downing Street. De certo modo, a União Européia retinha a seu ver um interesse
menor do que os seus predecessores lhe davam.
Havia um certo distacco (aloofness)[1]
do conservador David Cameron quanto aos organismos da União Europeia em Bruxelas.
E foi esta falta de empatia que tornou possível uma atitude que aqueles
predecessores seus que haviam posto a carreira política em jogo, e arrostado a
oposição do general de Gaulle, já aqui mencionada, decerto não compreenderiam,
seja economica, seja politicamente.
Pode-se presumir que Cameron via
na Organização de Bruxelas, não a ideia primeira, que acendera o sonho de uma
Europa não mais dilacerada por guerras intestinas, e em que se partilhasse a
ideia comum da paz, da reconstrução, e do desenvolvimento conjunto, como a
primeira entidade, do Carvão e do Aço, partilhada pelo núcleo duro de uma
Europa empenhada no desenvolvimento e na reconstrução econômica.
Político conservador, da geração
pós-guerra, David Cameron não tem a ascendência, nem o peso político de
antecessores seus. A sua saída de Downing Street 10, tornada inevitável pela
derrota no referendo de que era o principal responsável, mostra, por um lado,
que se conformara à tradição do posto, ocupado no passado por personagens como Winston Churchill, Anthony Eden, Edward
Heath e Margaret Thatcher e mais algumas pouquíssimas figuras que possam
pretender algum espaço nesse camarote.
É norma política do sistema
parlamentarista britânico que o chefe do gabinete assume a responsabilidade
pelo bem e pelo mal. Se o primeiro costuma ser fácil, o segundo não o é. Aí
está uma das grandes virtudes do sistema
inglês, que é bem mais flexível do que o presidencialismo
Faltara a David Cameron o peso, a cultura e a habilidade de governo em
negociar, nos arrecifes da política, uma rota satisfatória para os seus
objetivos. Subestimando a força dos movimentos da reação - o nacionalismo como
válvula de escape, a visão idílica do passado de glórias pré-Comunidade
Europeia, além de outras forças menos declináveis como o jingoismo e a
xenofobia - Cameron foi arrastado por uma consulta mal-preparada e a princípio
subestimada. A vontade popular, ainda que expressa em circunstâncias pouco
adequadas, e convocada de forma canhestra, acabou produzindo o monstro do Brexit, que além de exigir como vítima
humana uma pobre representante trabalhista, chegou ao cúmulo de exibir
partidários como Boris Johnson
capazes do dúbio feito de escrever manifestos seja pro-Brexit, seja
contra-Brexit!
Por 51 contra 48% se decidira
este jogo macabro, em que os dois lados da refrega já sairam perdedores.
Nesses casos, as cortinas da
cena política, mais do que caem, desabam sobre os aturdidos espectadores.
Depois de 44 anos de união,
uma ab-rupta separação como a determinada pelo Brexit tem necessariamente de criar um ambiente em que duas
realidades se defrontam, com espaço para pré-nostalgia e as confusas visões de
um novo, súbito e ameaçador estado de coisas, que é a um tempo desejado e
abominado. Nele a nostalgia se mistura com pré-visões de uma realidade
deformada.
O que antes parecia adquirido
e certo, torna-se dúbio, esquivo, incerto.
Nesse sentido, o belo artigo de Sarah Lyall, publicado pelo New York Times em 11 de abril de 2017,
com fotos de Sergey Pokomarev dá ao leitor uma visão de uma realidade
metastática, simbolizado pela estação ferroviária internacional de St. Pancreas, construída no século XIX,
com renovada arquitetura Vitoriana, e que liga a Londres de hoje com a Gare du Nord, em Paris.
( Fonte: The New York Times
)
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