terça-feira, 4 de abril de 2017

O Brexit e sua herança maldita (4)

                              
                 Não será fácil desfazer uma união de 44 anos. Primo, porque a causa desse divórcio não foi precedida por nenhum litígio. A própria maneira com que foi desencadeado o processo, como referido acima, não reflete um movimento popular ou mesmo a postura de partido político. Não se deve esquecer que o UKip, um partido anão, não tem qualquer peso em Westminster, e a sua campanha pela saída de Bruxelas jamais teve impacto substancial no grande cenário político.

           O brexit surgiria por causa de irresponsável gesto de medíocre primeiro ministro, que pensara livrar-se de problema menor ao concordar com mais um referendo sobre a permanência na U.E. A própria mediocridade o induziria a "ganhar tempo", fazendo que o próximo verão resolvesse para ele um problema sem maior envergadura. Tolo que foi, ao transformar o louco propósito de partido insignificante em outro muito mais sério, em que tudo se resolveria em passe de mágica. A velha Inglaterra enfim se livraria dos liames burocráticos da Europa Continental, e voltaria a alcançar o antigo fastígio, a exemplo da enganosa facilidade de muitas décadas antes para os jovens soldados alemães que marcharam com o júbilo de que estariam de volta aos lares respectivos "wenn der Laub fällt" (quando as folhas começam a cair).                           

              A Inglaterra na sua longa caminhada para participar da construção européia sempre havia deixado aos políticos o encaminhamento de seus eventuais interesses. Por primeira vez, se entregou ao Povo, em um momento de confusão política a possibilidade de voltar atrás. Dar a ele a senda na floresta que o levaria para a clareira translucente da antiga grandeza, em decisão democraticamente tomada por voto maravilhoso, que livraria a velha Inglaterra do abraço incômodo dos burocratas do Continente, enquanto a poderosa Álbion retoma o antigo terreno e poder. Nada de aborrecidos acordos e convênios de gabinete, enquanto nossos políticos se envolvem e se debatem nos corredores e nas quizílias do Continente.  Que a velha Inglaterra volte a ser grande, não mais sufocada por questões e pequenas rixas de regiões e países dos quais nada ou tão pouco conhecemos!

            Seria como se as velhas atoardas do suposto pacifismo de novo ecoassem, como acontecera às vésperas da IIª Guerra Mundial.

              As decisões simples, tomadas às carreiras, podem ter resultados desastrosos. Para domar os demônios do nacionalismo e a ilusão de que prevaleciam as condições que tinham feito da Grã-Bretanha a superpotência do século XIX, nada mais fácil do que  um pedaço de papel a ser transformado em mágico referendo, decidindo com ilusória simplicidade questões e problemas cuja complexidade irrita e exaspera os ardorosos patriotas, que fremem por exercer o encantamento de dispor, às carreiras, no seu caminho do veraneio, de todos os dissabores e longas esperas, que o dédalo de Bruxelas abriga e procrastina. Contudo, ao esquecerem que um gesto, uma assinatura, uma solução de exasperante questão nos corredores da burocracia comunitária, por vezes tende a ser enfurnada nas letras pequenas dos acordos, que não possuem os sangrentos choques das antigas batalhas. Esquecem os tolos que a burocracia pode ser enfadonha, mas não será jamais sangrenta, nem descuidará do auxílio a ser prestado aos grupos carentes, que pode ser tedioso e por vezes mofino, jamais te fará lembrar as másculas delícias do mundo hobbesiano.



( Fontes:  Homero, Churchill, Chamberlain )

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