sábado, 22 de abril de 2017

E Comey elegeu Trump...

               

        Sem querer, o diretor do FBI acabou, na prática, decidindo a eleição em favor de Trump. Ele não tinha a intenção de fazê-lo, como explica longa reportagem do New York Times.         
         No entanto, em momentos chave, a neutralidade de James Comey não ajudaria à candidata democrata.
         A estória é longa, e não convém cansar o leitor. Tudo indica que, apesar de tudo, Mr Comey estava de boa fé. Só que em momentos cruciais ele preferiu romper com a doutrina do Department of Justice - a que está subordinado o FBI - de nunca levantar às vésperas da eleição questões políticas que possam influenciar-lhe o resultado.
          No entanto, para resumir estória longa e tortuosa, nos meses finais da campanha presidencial, o encarregado da repartição governamental a quem cabe a aplicação da Lei influenciou os contornos senão o resultado final, da campanha presidencial, pela maneira com que lidou com as investigações relativas ao terminal particular do computador de Hillary Clinton e com as questões da campanha de Trump, inclusive a interferência de agências da Rússia de Putin.
           Em várias ocasiões, a começar pela sua observação da falta de cuidado (descuidada em extremo!) da candidata no tratamento dos e-mails confidenciais, e depois por supor terceiras intenções em encontro casual da sua chefe Loretta Lynch com o ex-presidente Bill Clinton, Mr Comey optaria já na reta final da eleição por mencionar em carta para o Congresso - que prontamente o vazou para a imprensa - de que tinham sido encontrados mais cópias de e-mails da Secretária de Estado em computador do marido separado, Anthony Weiner, da principal secretária da sra. Clinton,  Huma Abedin.

            A despeito de norma do Departamento de Justiça de não divulgar material que possa influenciar o resultado de eleição, quando ainda não se dispõe da respectiva certeza, Comey daria luz verde à iniciativa. Sua superior, a Secretária de Justiça,  democrata Loretta Lynch poderia como chefe do diretor do FBI sustar a ação de Comey. Faltou-lhe determinação ou coragem para assumir essa medida, que teria o efeito de poupar Hillary de grande injustiça.

               Mais uma vez o campo estaria aberto para Mr James Comey, que não trepidou em espalhar o que não passava de suposição, sem base em qualquer fato concreto. Mas tomada a medida em momento crucial da eleição, aquele reservado ao voto antecipado de muitos eleitores, a rigidez de uma parte - supondo que nos e-mails restantes ainda houvesse algo que comprometesse a ex-Secretária de Estado (o que contrariava não só o que tinham mostrado até então  todos os malditos e-mails do servidor particular de Hillary, mas também - e pela segunda vez - o que dispunha a letra da lei do Departamento de Justiça, que é a de não fornecer especulações ou novas não confirmadas para o eleitorado às vésperas dos comícios eleitorais).

               Como na frase célebre do drama shakespeeriano Julius Caesar, Brutus e tantos outros são homens honrados, e no entanto, em secreta conjura, combinaram a morte de Cesar.
                 Não há dúvida sobre a inteireza de caráter de James Comey tanto nessa questão, quanto na da influência dos hackers russos - e, por conseguinte, do amigo de Trump, Vladimir Putin - para atrapalhar  Hillary e, por conseguinte, ajudar  Donald Trump.
                 De qualquer maneira, com o seu caráter ilibado, não tardou que a influência de Comey se fizesse sentir na eleição. Levantada a suspeita sobre a candidata, até então folgadamente à frente do adversário republicano, no voto antecipado, já nas votações seguintes o fel desse inexistente estigma passou a contaminar o apoio até então preponderante dado à representante do Partido Democrata.

                 Assim, decerto, não estava escrito, mas deu no mesmo. Porque plantada a erva daninha da suspicácia - o que de mal teria ela feito a ponto de que advertência desse gênero fosse espalhada aos quatro ventos? - o destino da primeira Mulher a tornar-se Madam President já não mais se escrevia no tortuoso livro das longas filas de votação. Mordidos por um segredo maldito, a antiga tranquila maioria que Hillary soubera amealhar através de n debates, incontáveis discursos e viagens mil pelos infindos quadrantes da pátria estadunidense, de repente se transformaram em indefesa e informe placa de gelo, a derreter-se rapidamente sob a ação fulmínea de grandes, enormes suspicácias, tão desproporcionais que sequer podiam ser mensuradas ou quantificadas. Mas a conjunção da mediocridade, de suspeitas mil, com a prestimosa e interesseira ajuda da aliança dos preconceitos, tudo isso se viu de repente à disposição do parlapatão candidato do Grand Old Party, para destruir num golpe soez, ignaro, ignavo e sobretudo mal-informado a candidata das minorias, dos afro-americanos, dos latinos, dos americanos de baixa renda e que contam com o mão prestimosa do Estado, além de last but no least (por último, mas não por menos) do gênero feminino.

            Hillary Rodham Clinton, ela que tinha sido tão capaz e cuidadosa em tantas coisas, como nos seus estudos, como na classificação na universidade, na ajuda às boas causas (lembram-se da campanha pelo impeachment de Nixon), no seu auxílio ao marido Bill preparando um projeto de lei de segurança sanitária que era bom demais para ser aceito pela aliança de Congresso e o Poder Sanitário, esta mesma senhora, apesar da grandeza (e do estoicismo) em comparecer à cerimônia de posse do rival Donald John Trump, de repente transformado no 45º presidente dos Estados Unidos da América, ainda coube no dia seguinte assistir à passeata  das mulheres pelas ruas de Washington. E não é que já se tinham dela esquecido, sem mencioná-la sequer uma vez ?...
             Como a humana memória nos parece por vezes lábil, embora possa ser louvaminheira para os poderosos de turno...


( Fonte:  The New York Times, W. Shakespeare )

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