Sem querer, o diretor
do FBI acabou, na prática, decidindo a eleição em favor de Trump. Ele não tinha
a intenção de fazê-lo, como explica longa reportagem do New York Times.
No entanto, em momentos chave, a
neutralidade de James Comey não
ajudaria à candidata democrata.
A estória é longa, e não convém cansar
o leitor. Tudo indica que, apesar de tudo, Mr Comey estava de boa fé. Só que em
momentos cruciais ele preferiu romper com a doutrina do Department of Justice - a que está subordinado o FBI - de nunca levantar às vésperas da
eleição questões políticas que possam influenciar-lhe o resultado.
No entanto, para resumir estória
longa e tortuosa, nos meses finais da campanha presidencial, o encarregado da
repartição governamental a quem cabe a aplicação da Lei influenciou os
contornos senão o resultado final, da campanha presidencial, pela maneira com
que lidou com as investigações relativas ao terminal particular do computador
de Hillary Clinton e com as questões da campanha de Trump, inclusive a
interferência de agências da Rússia de Putin.
Em várias ocasiões, a começar pela sua
observação da falta de cuidado (descuidada em extremo!) da candidata no
tratamento dos e-mails confidenciais,
e depois por supor terceiras intenções em encontro casual da sua chefe Loretta
Lynch com o ex-presidente Bill Clinton, Mr Comey optaria já na reta final da
eleição por mencionar em carta para o Congresso - que prontamente o vazou para
a imprensa - de que tinham sido encontrados mais cópias de e-mails da Secretária de Estado em computador do marido separado,
Anthony Weiner, da principal secretária da sra. Clinton, Huma Abedin.
A despeito de norma do
Departamento de Justiça de não divulgar material que possa influenciar o
resultado de eleição, quando ainda não se dispõe da respectiva certeza, Comey
daria luz verde à iniciativa. Sua superior, a Secretária de Justiça, democrata Loretta Lynch poderia como chefe do
diretor do FBI sustar a ação de Comey. Faltou-lhe determinação ou coragem para
assumir essa medida, que teria o efeito de poupar Hillary de grande injustiça.
Mais uma vez o campo estaria
aberto para Mr James Comey, que não trepidou em espalhar o que não passava de
suposição, sem base em qualquer fato concreto. Mas tomada a medida em momento
crucial da eleição, aquele reservado ao voto antecipado de muitos eleitores, a
rigidez de uma parte - supondo que nos e-mails
restantes ainda houvesse algo que comprometesse a ex-Secretária de Estado (o
que contrariava não só o que tinham mostrado até então todos os
malditos e-mails do servidor particular de
Hillary, mas também - e pela segunda vez - o que dispunha a letra da lei do
Departamento de Justiça, que é a de não fornecer especulações ou novas não
confirmadas para o eleitorado às vésperas dos comícios eleitorais).
Como na frase célebre do drama
shakespeeriano Julius Caesar, Brutus e tantos outros são homens honrados, e no entanto, em secreta conjura, combinaram a
morte de Cesar.
Não há dúvida sobre a
inteireza de caráter de James Comey tanto nessa questão, quanto na da
influência dos hackers russos - e,
por conseguinte, do amigo de Trump, Vladimir Putin - para atrapalhar Hillary e, por conseguinte, ajudar Donald Trump.
De qualquer maneira, com o seu
caráter ilibado, não tardou que a influência de Comey se fizesse sentir na
eleição. Levantada a suspeita sobre a candidata, até então folgadamente à
frente do adversário republicano, no voto antecipado, já nas votações seguintes
o fel desse inexistente estigma passou a contaminar o apoio até então
preponderante dado à representante do Partido Democrata.
Assim, decerto, não estava
escrito, mas deu no mesmo. Porque plantada a erva daninha da suspicácia - o que
de mal teria ela feito a ponto de que advertência desse gênero fosse espalhada
aos quatro ventos? - o destino da primeira Mulher a tornar-se Madam President
já não mais se escrevia no tortuoso livro das longas filas de votação. Mordidos
por um segredo maldito, a antiga tranquila maioria que Hillary soubera amealhar
através de n debates, incontáveis discursos e viagens mil pelos infindos
quadrantes da pátria estadunidense, de repente se transformaram em indefesa e
informe placa de gelo, a derreter-se rapidamente sob a ação fulmínea de
grandes, enormes suspicácias, tão desproporcionais que sequer podiam ser
mensuradas ou quantificadas. Mas a conjunção da mediocridade, de suspeitas mil,
com a prestimosa e interesseira ajuda da aliança dos preconceitos, tudo isso se
viu de repente à disposição do parlapatão candidato do Grand Old Party, para destruir num golpe soez, ignaro, ignavo e
sobretudo mal-informado a candidata das minorias, dos afro-americanos, dos
latinos, dos americanos de baixa renda e que contam com o mão prestimosa do
Estado, além de last but no least
(por último, mas não por menos) do gênero feminino.
Hillary Rodham Clinton, ela que
tinha sido tão capaz e cuidadosa em tantas coisas, como nos seus estudos, como
na classificação na universidade, na ajuda às boas causas (lembram-se da
campanha pelo impeachment de Nixon),
no seu auxílio ao marido Bill preparando um projeto de lei de segurança
sanitária que era bom demais para ser aceito pela aliança de Congresso e o
Poder Sanitário, esta mesma senhora, apesar da grandeza (e do estoicismo) em
comparecer à cerimônia de posse do rival Donald John Trump, de repente
transformado no 45º presidente dos Estados Unidos da América, ainda coube no
dia seguinte assistir à passeata das
mulheres pelas ruas de Washington. E não é que já se tinham dela esquecido, sem
mencioná-la sequer uma vez ?...
Como a humana memória nos parece por
vezes lábil, embora possa ser louvaminheira para os poderosos de turno...
( Fonte: The New York Times, W. Shakespeare )
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