quinta-feira, 27 de abril de 2017

Alemão - volta ao passado



       
        É importante esclarecer  que o Alemão citado acima se refere unicamente ao bairro do Alemão, próximo da Igreja da Penha, e que foi objeto de magna operação.  Tratou-se na verdade de enorme empulhação, que enganou a muitos, que pensamos houvesse um projeto sério naquele happening encenado pelo que mais tarde se exporia como um dos governos mais corruptos da história brasileira, a administração estadual do Governador Sérgio Cabral.

          Com o apoio, dado de boa fé, pelas Forças Armadas, organizou-se um grande espetáculo, que se centrava na suposta retomada da Favela do Alemão pela cidade do Rio de Janeiro. Houve de tudo nesse dia, com o içamento do pavilhão do Estado do Rio e do próprio Brasil, para assinalar o processo de reintegração nos bairros da Cidade Maravilhosa dessa vasta área, por muitos anos dominada pelo chamado tráfico.

           A referida Administração colocava em exposição um programa que suscitava muitas esperanças, a saber a reintegração da favela dentro da Cidade do Rio de Janeiro.  Esse programa a que a Administração Sérgio Cabral buscava dar o maior realce se iniciara com a recuperação pela cidade de  favela menor, Santa Marta, situada próxima dos bairros de Botafogo e até do Palácio Laranjeiras. Assim, se buscava a recuperação gradual das favelas sob o projeto favela-bairro.  A idéia central era reintegrar as favelas na área urbana do Rio de Janeiro, dando-lhes melhores condições  de habitabilidade.

            Havia gente séria nesse projeto, como o Secretário de Segurança do Estado,  Mariano Beltrame. Entretanto, a exemplo de outras facetas do governo de Sérgio Cabral,  o Favela-Bairro já perdeu muito de seu lustre.  No começo, o povo carioca acolhera com boa vontade esse programa.

              No entanto, com exceção de Mariano Beltrame, homem honesto, tudo o que o governador Sérgio Cabral fez resultou em enorme desperdício do apoio popular. Por um tempo as chamadas UPPs,(unidades de polícia pacificadora) que abrigavam pequenos destacamentos da Polícia Militar nas diversas favelas, com a alegada intenção de inseri-las na cidade do Rio de Janeiro, acabando com a separação a que aludira o cronista Zuenir Ventura, na imagem em que contrapunha ao morro (favela) à cidade urbanizada no seu sopé.

               Na verdade, em um primeiro tempo a Polícia Militar logrou ocupar inúmeras favelas com o que pareceu êxito. Isto se refletiu nos diversos bairros do Rio de Janeiro, em que as favelas pacificadas surgiam como garantes de um futuro melhor tanto para a gente do morro - que viveria em áreas recuperadas e policiadas - quanto  para os espaços da cidade que, pela cercania da favela, se viam desvalorizados. Por um tempo, o aludido programa semelhava ter êxito, o que se refletia em melhores condições na favela - com a alegada redução na presença do tráfico e de suas guardas pretorianas - e também nas áreas da cidade próximas.  A ausência dos habituais tiroteios repercutiria em melhor qualidade de vida - e valorização dos imóveis na área urbana anexa - o que em um processo de interconexão contribuía para dar uma imagem menos tenebrosa da favela. Nesse contexto, a Rede Globo produziu novela televisiva que tinha a favela do Alemão como uma das suas principais locações.
     
                 No entanto, para todos os cariocas e moradores do Rio de Janeiro a inauguração da badaladíssima "reconquista" do Alemão ao tráfico e à bandidagem, oferecera a folhas tantas desse magno filme da Retomada do Alemão (o que muito ajudou para o reforço da popularidade do governador Sérgio Cabral ) uma cena que foi vista com as lentes panglossianas de então, ou com uma visão mais acurada e objetiva de o que realmente acontecera.

                  Com efeito,  enquanto se fechava o cerco aos barracos em que estava a mala vita da favela do Alemão, sob as lentes da tevê Globo, de lá irromperam cerca de trezentos bandidos que fugiram do local, tomando  estrada de terra batida rumo à cidade do Rio de Janeiro. Muitos fugiam a pé,outros em charretes, e também boléias de mini-caminhões. Eram os bandidos a que os organizadores do evento acharam preferível abrir-lhes espaço para a debandada. Sob as lentes da tevê recordo-me das imagens e da reação instintiva dos assistentes : por que se está permitindo essa mega-fuga?  Diante dos olhos dos espectadores, muitos dos quais tinham acabado de aplaudir a encenação do içamento das bandeiras - do estado do Rio e do Brasil - como simbolizando a reintegração do  Alemão como um bairro como outro qualquer do Rio de Janeiro, com policiamento para garantir-lhe a ordem, aquela massa de bandidos e traficantes em fuga surgia como uma nota dissonante. Por que deixaram essa gente escapar?,era a pergunta nos olhares e até nos lábios dos espectadores daquele grande evento...

                    A resposta a mui leal e heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro,  a receberia anos depois, quando Sérgio Cabral,  o jovem governador, e outros mais seriam condenados pela Justiça do Rio de Janeiro a pesadas multas e a perda da liberdade,  por conta das longas penas que lhes foram cominadas.

                     O  teatro ganha tintas e traços de realidade não só por que muitos de seus atores acreditavam realmente  que a união entre favela e cidade urbanizada se tornava uma verdade, garantida pela presença da polícia nas UPPs.

                      Sem o saber, todos nós - os telespectadores, a gente que foi ao Alemão, os próprios militares que davam ao público um certo testemunho da realidade daquele projeto, e até mesmo os bandidos fujões, que pensaram ser melhor escapar do que entregar-se, e, por último, até mesmo o Governo de Sérgio Cabral, que se teria deixado convencer por aquela teatral retomada do Alemão -
tínhamos participado de um grande espetáculo, com a intervenção para valer das Forças Armadas. Então, como duvidar?  E durante quase um ano essa ficção, que surgira na pequena favela de Santa Marta, chega afinal  ao ápice, na magna, ciclópica conquista do Alemão.  É natural para o público que a Rede Globo  lhe dedique outra novela de sucesso. O abraço das comunidades reflete ser possível juntar as duas partes da cidade e tornar esta união enfim realidade.

                          Terá sido um grande erro coletivo?  Não creio. O que houve foi que os espectadores da encenação do drama do Alemão se deixaram afinal persuadir  que o Alemão havia sido realmente mudado e integrado na Cidade Grande. Como resistir à vontade de crer em que o dia-a-dia possa melhorar de verdade?   Pena é que o final feliz da novela não se repete amiúde na vida real. Pois não é que o diretor desse novelão da realidade não passara de um político corrupto (como a realidade o demonstraria a posteriori ) e que desperdiçou a própria reconhecida capacidade envolvido e enfeitiçado pelo dinheiro aparentemente fácil que, dizem, sai dos fornos da corrupção...

                           Onde estão hoje os sonhos simples de antigamente?  Morreram, desapareceram? Infelizmente, não.  Nas fantasias a gente tropeça em  grupo de marginais que partem às carreiras, em tudo aquilo que tenha rodas. Mas por que deixá-los fugir?  Será que ficaria muito complicado processar todos aqueles criminosos, e prendê-los em seguida, para que os cárceres cumpram com a respectiva missão, que está escrita nos livros da lei?

                           Mas e o homem não é um sonhador?  Terá parecido aos organizadores complicado trancafiar tanta gente...Então melhor que sejam vistos em fuga, para onde, não se sabe. É a maneira que para os organizadores da magna festa lhes terá parecido mais consentânea com o geral otimismo do momento.
 

( Fontes:  Tevê Globo, François Villon,  Voltaire )

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