Achava-me
na Embaixada em Paris, como Segundo Secretário, ainda solteiro (fui removido
para lá, quando a missão estava com Encarregado de Negócios, que era o Ministro
Raul de Vincenzi). O presidente era João
Goulart, e o Ministro das Relações Exteriores, Araujo Castro.
Pouco
depois ocorreu a Gloriosa, e a missão, que ficava em 45, Avenue Montaigne,
passou em breve a ter como Embaixador Antonio Mendes Vianna, e Vasco Leitão da
Cunha, Ministro das Relações Exteriores.
A lotação
da velha embaixada de Souza Dantas - que, morto fazia tempo, ainda despertava
ciúmes em meio a diplomatas de sua geração, pelo próprio trânsito e prestígio na
sociedade parisiense - logo seria reforçada, com a vinda de outros diplomatas e
de adidos civis, como Newton Freitas. que, diziam, era amigo do general Golbery
do Couto e Silva. Newton, o famoso Zico,
era casado com Lydia Besouchet, ambos amigos de Rubem Braga, e com permanência
anterior na Argentina.
A
risada do Zico ficaria famosa, e eu a conheci bem.
Embora fosse da turma anterior, que era bastante reduzida, logo fiz
amizade com o Newton, que seria para mim um ótimo companheiro. Apesar da
diferença de idade, ele me tratava com a habitual simpatia, e dele conheci
várias de suas estórias já famosas, como a da vez em que desceu para comprar
cigarros - moravam em Copacabana, se não me engano na Rainha Elizabeth - e, de
pijamas, disse à esposa Lydia que logo voltaria.
No
dia seguinte, ele telefona para ela, de
São Paulo, para tranquilizá-la e dizendo que breve voltaria ...
Assim, era o Newton, com a sua célebre risada, um boêmio de ótima cepa,
de quem Lydia era esposa paciente e compreensiva.
Os
dois de certo já se foram há muito, e guardo, em especial, do Newton, ótimas
lembranças, pois ele, que não era mais mocinho, de certa forma, me apadrinhou,
contando-me muitas e divertidas estórias, que envolviam gente de seu grupo.
Dava-me, outrossim, várias sugestões, muitas pelo exemplo. Recordo-me de
uma feita em que fora ao seu apartamento - eles alugaram um no prédio em que eu
já morava, se não me engano o 45, rue de Berry. Estávamos eu e o Newton
esperando pelos demais companheiros, que iriam a um bacalhau na brasa, na casa
de um português com certeza, nos arredores de Paris.
O
tal português estaria interessado na
Francette, auxiliar da embaixada, de famosa descendência, e o Newton a folhas
tantas, como ninguém aparecia para o programa, passou a telefonar para muitos,
repetindo para todos o mesmo recado:
"O meu! Tudo bem? Como é que é? Estão
todos aqui te esperando, ô cara! Vem logo, senão você dança..."
A
mensagem do Newton, na sua voz rouca, variava um pouco, de acordo com a
intimidade, mas posso garantir-lhes que fazia efeito, e pronto!
Eu
ria bastante com a desenvoltura do Newton, que pude verificar, sem muita
tardança, como método de convocação não
podia ser melhor...
Depois
da minha partida de Paris, perdi contato com o Newton, que como figura humana e
companheiro, era difícil encontrar
melhor.
Era também dito amigo do general Golbery do Couto e Silva, e veio para
Paris na equipe que acompanhou o Embaixador Antonio Mendes Vianna, que seria um
dos meus mestres na carreira, e de quem guardo a melhor das lembranças.
Na época, alguns colegas seus tentaram restabelecer o seu casa-mento com
Cármen, mas o intento durou pouco. O embaixador Mendes Vianna seria para mim também
um grande e bom amigo na carreira, e a ele sempre tive o prazer e a honra de
homenageá-lo nas diversas situações de
vida que a celebrada carrière
diplomatique sói por vezes proporcionar.
Do Newton, depois do interlúdio parisiense, não perdi a lembrança. Sempre uma presença brincalhona e
amiga, às vezes com atenções inusitadas para moças, colegas da embaixada, todas
elas a ser filtradas através do bom-senso chocarreiro.
Desse bom e meteórico amigo - as permanências em Lutétia costumavam ser breves, com as exceções para as auxiliares
contratadas, que marcavam boas presenças - perdi contato depois que parti para
postos menos festejados, como costuma ser a práxis diplomática.
Tenho certeza de que, aonde estiver, não faltará a gargalhada que lhe
marca para sempre a celebrada presença.
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