quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O reino da propina

                                     

        Nós todos, brasileiros, sejamos cariocas, paulistas, gaúchos, mineiros, vivamos acaso na Capital da República, no Rio ou em São Paulo, talvez, por um acaso da sorte, ainda não tenhamos nos dado conta, tolos que somos, de que o Brasil virou a terra da propina.
       O que será, minha gente, essa propina?  É uma espécie de moeda corrente, distribuída a gregos e troianos, em que uma parte recebe e outra paga. É um toma-lá, dá-cá. Será sempre interesseiro - digo da parte que dá, muita vez disfarçada em pessoa jurídica - porque a move o desejo ou a necessidade de fazer um negócio, e com ele ter um lucro ainda maior
        Já a parte que recebe pode ter muitas caras. Será alguém - ele pensa sempre que foi a sorte - que o acaso, o dever, até mesmo a profissão colocou em determinada posição, seja em latim (ex-ofício), seja em português mesmo (técnico, perito, testemunha) e subindo os degraus da escada ou jurídica, ou política, ou até dos altos mandos, políticos ou castrenses - tudo isso, conjugado ou misturado, não é que coloque esse alguém em situação tal, em que venham soprar no seu ouvido as promessas vãs de uma vida que dizem melhor?
         Dizem que nos dias que correm rareiam aqueles que cumprem o seu dever, que devolvem a quem de-direito a mala estufante de dinheiro, que estudam com afinco as causas de um acidente - uma cratera, por exemplo, que devorou vidas humanas inocentes - e optam por relatar o que realmente ocorreu, e não o que lhe sopra o representante de  empreiteira, que lhe exibe uma mala cheia de dólares, ou euros, ou até reais, e lhe confia com o sorriso do suborno a certeza do pagamento dessa propina, mediante a mera chancela, com carimbo embaixo, de que tudo não passou de acidente, que ninguém poderia ter previsto?
   
       A corrupção será acaso um gás mefítico? Não creio. Talvez se transforme nisso, como as águas barrentas que se vão tornando, gradualmente, mal-cheirosas. Mas o processo é sem dúvida longo, e demanda um trabalho aturado. Talvez caiba descrevê-la mais como uma espécie de alastor, nuvem tóxica mandada pelos deuses, e que tudo empesteia à sua volta.  

           Mas ela só vai aparecer assim quando o processo está adiantado e fora de controle.
       Marcelo Coelho, na Folha de hoje, nos escreve da perseguição que é movida pelos bravos cidadãos contra políticos corruptos, como Eduardo Cunha. Compreendo a sua posição, e por vezes esses vitupérios, insultos, podem passar da medida - pois para tudo há uma medida. E por vezes esse linchamento moral pode assustar. Enquanto não houver violência, no entanto, essa reação pode ser positiva, embora não acredite que seja profilática, porque gente desse tipo sempre haverá. Mas ela assusta, e pode dissuadir a muitos.


            Tampouco se deve baixar a guarda. A alta corrupção - aquela que em geral acaba no Supremo Tribunal Federal - não está satisfeita com o tratamento que vem recebendo. Seja por húbris  - ou orgulho aparentado com a burrice - essa gente que coleciona ações que dormem nas aras desse tribunal está querendo levantar, seja pandorga, seja papagaio de papel, que é projeto contra o abuso de autoridade. Enchem a boca para falar dele, e o objetivo é claro: tornar possíveis os respectivos projetos ou dar-lhes proteção indevida para seus desígnios. A audácia é grande. O que mais preocupa, em verdade, não é o projeto em si, por mais sanhudo e atrevido que seja. O que preocupa, senhores, é que na terra da Lava-Jato e do Juiz Sérgio Moro, ainda haja gente que se acredita não acima, mas em condições de fazer leis que são um acinte ao Estado de Direito.

( Fontes: Folha de S. Paulo, Homero, Marcelo Coelho )

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