Não tenho dúvidas que
o meu padrinho viria à minha formatura no Rio Branco, a que o Presidente
Juscelino Kubitschek nos honrou com o comparecimento para presidir à cerimônia.
Infelizmente, Francisco Severino
Lanzetta partiria de vez deste mundo em dezembro
de 1958. Foi no pós-operatório de intervenção para retirar-lhe formação
cancerígena na tiróide. Como sempre, os
médicos consideraram um sucesso a operação, mas infelizmente o paciente não
resistiu e faleceu no pós-operatório.
Como já referi, o padrinho acompanhava
o século, e morreu por conseguinte antes de completar cinquenta e nove anos.
Como é de praxe na sua empresa, a sua morte foi comunicada prontamente à
central da Swift em Chicago.
O meu tio Chico, que me iniciou no
inglês, e que tinha em casa a primeira edição do Dicionário Webster
Internacional, além da segunda edição - o padrinho sempre me fazia loas a esta
primeira, por ter mais vocábulos arcaicos do que a segunda, e por isso a minha madrinha m'a prometeu
junto com toda a sua biblioteca. Infelizmente, por motivos de todo fora de sua
vontade, a sua disposição não pôde ser cumprida. Mas sobre isso voltarei oportunamente.
Guardo mágoa maior pela volta do
destino, ao não lhe permitir comparecer à formatura do afilhado. Depois do
câncer que contraíu, ao pensar - como todos os seus contemporâneos - que fumar
era não só elegante, mas também que não apresentava qualquer perigo ao usuário.
Quem poderá conter a raiva diante dessa cruel
trapaça que pelo cobre vil auferido sacrificou a pelo menos três
gerações - o pobre Chico, enganado como tantos, encontraria nos charutos a que
tanto prezava o seu secreto algoz.
Concluído afinal o curso de dois anos
do Instituto Rio Branco - a que presidia então o Embaixador aposentado Antonio
Camilo de Oliveira (era saudável a praxe então no Itamaraty a embaixadores que
já houvessem terminado a própria carreira, de modo que não guardavam nenhuma
outra ambição que os tornassem suscetíveis a influências políticas) - eu
receberia das mãos do Presidente Juscelino Kubitschek, como primeiro aluno, o
diploma de Cônsul Classe K. Diga-se que,
por capricho do destino - que agradeço - nunca, em mais de cinquenta anos de
carreira, exerci qualquer cargo de natureza consular. Recordando o pobre
Francisco Severino Lanzetta, meu tio e padrinho, que lá certamente estaria se
vivo fosse, registro as presenças no
Salão da Biblioteca de minha senhora mãe, do Tio Toninho e da prima Neusa
Maria. A madrinha Deborah, que guardava luto, não pôde vir.
Uma ulterior palavra sobre o Instituto Rio Branco, antiga proposta dos
membros da carreira, cansados da roleta dos exames diretos, sem falar da época
das entradas pela janela. A minha turma tinha dezenove alunos no curso de dois
anos do Rio Branco. Havia ótimos
professores, como Hilgard O'Reilly Sternberg (geografia), Américo Jacobina
Lacombe (História do Brasil), além das mediocridades coroadas de turno. Nesse
quadro, de muitas exigências (algumas absurdas) ao cabo, no entanto, somente eu
e mais quatro, pela ordem de colocação, puderam ser empossados. Vagas ainda não
existiam para os demais (o último da turma levou um ano para tomar posse na
carreira). A terminologia da época era a de Cônsul classe K, mas para todos os
efeitos éramos Terceiro Secretário.
Desta feita, não sobrou tempo
para viagens ao Sul.
Com a partida do Padrinho
Chico, minha madrinha Bi tratou de vender a casa da rua Turquia, 26. Tendo a
saúde frágil, não sobreviveria por muito tempo. Quando faleceu, estava eu no
estrangeiro, em missão especial à Conferência da População em Bucareste, em
delegação chefiada pelo Embaixador Miguel Ozório de Almeida.
Trabalhava eu então na
Assessoria Especial, chefiada por Miguel Ozório, um dos diplomatas de maior
nome na Casa. O fato de estar trabalhando na AEsp, me valeu do então Ministro Azeredo
da Silveira (sem relação de parentesco comigo) que tinha uma certa birra com Miguel, um
período de geladeira, em termos de carreira.
Para sorte minha, Silveirinha
tinha apreço por mim, e confiou-me a direção da Divisão da Europa I (a
Ocidental). Na época, o Governo do General Ernesto Geisel estava empenhado na
opção européia. A Divisão se achava muito bem lotada, e pelo trabalho com a
sucessão de visitas de presidentes e primeiros-ministros europeus, seria
premiado com a promoção a Ministro.
Sou grato a Azeredo da Silveira
(inexistia parentesco entre nós)_ não só por seu apreço, mas também pela
confiança que em mim depositou. Na prática, a De-I tinha mais peso e força do
que muito departamento. Em certos temas, despachava direto com ele, o que me
criaria problemas depois.
Mas avalio sobretudo a sua
sapiência prática. Dou exemplo: uma vez cheguei com pesado maço, que julgara
necessário para que se dominasse por inteiro o assunto. E ele então me disse :
"Vejo que você não
estudou bem este assunto, porque senão teria feito o maço mais manejável e
compacto."
Entendi a observação, e no
dia seguinte lhe trouxe um bem mais compacto, que me havia custado horas de
sono. Mas o seu sorriso de conhecedor me seria elogio bastante. Mais uma lição
aprendida.
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