Faz
tempo já que, ao longo do caminho, comecei a entrever essa divisa na minha
trilha de blogueiro. Não sei se a
palavra será bonita ou feia, mas a verdade é que não há outra que seja
aplicável.
Algum
escritor famoso terá utilizado a imagem do vidraceiro que, muita vez, portando às doridas costas espelhos que lhe
incumbe levar para o necessário polimento, sem dar-se conta nem cuidado, ele vai
refletindo as eventuais belezas da estrada, por vezes longa e poeirenta que o
seu mister o força a percorrer, com o passo cansado de quem encara longa jornada
pela frente.
No
entanto, o cronista, por mais sabujo ou desinformado que seja, terá vergonha em
refletir imagens que não lhe pareçam à altura tanto de suas ambições, posto
que, pela própria condição, necessariamente modestas, quanto das eventuais - por estranhas que acaso
semelham - imagens que o respectivo afã há de mostrar, como se as pinturas que os seus carregados ombros
sustentam já trouxessem a marca do anônimo trabalhador braçal.
Penso então nos descontroles da existência, nas surpresas que a sorte
nos surrupia à frente, nos escândalos de vidas boçal e ignobilmente corta-das,
nas sanhudas vitórias da mediocridade - como no caso, v.g., da Theresa May que apesar de sua inteligência
pouca, sabe ignorar as derrotas do cotidiano, e se aferra, com a aderência de
uma larva às pedras que lançam, ao longo do caminho, em pensando dela servir-se
no futuro jamais no interesse de um sonho vão, sempre para costurar mofina
permanência em posto seguro.
Penso na longuíssima guerra da democracia contra Bashar al-Assad que parecia destinado à lata de lixo da
História, e não é que se agarrou ao vero senhor Vladimir V. Putin, após a longa caminhada
até o Kremlin, para obter a continuação da ditadura - e não da democracia que
jovens sírios tinham ousado imaginar - pagando alegre com a condição de vassalo
gordo, o que a sorte madrasta ameaçara arrancar-lhe. Melhor servo, do que
livre, se a tua sorte, a feiticeira te confiou, apenas isto permite...
A guerra da Síria e a sua ignóbil,
interminável extensão, contrariou a aspiração da juventude síria, que pensara
passara o tempo da ditadura e da opressão, em que vegetara o pai de Bashar...
Ao contemplar os resultados da anti-política de Barack Obama, pode-se
entender melhor porque tantas pestes e doenças se aninharam na longa resistência
do ditador sírio, e no consequente sofrimento que trouxe aos próprios
nacionais, de quem cortara as vãs asas da liberdade, ao entregar-se aos olhos
cruéis de gospodin Putin.
Mas quando acaso me falam da terrível, desapiedada guerra da Síria, meu
pensamento voa para a imagem inocente do pobre Alan Kurdi, o menino de
três anos que, afogado em mar cerúleo, dorme eternamente em pedregosa praia
desse Mediterrâneo oriental esquecido, que demora próximo das terras do
todo-poderoso Senhor - que, como Mussolini, ama montar altos ginetes, para assim dissimular a ambiciosa
pouca altura - e que vê o mundo à sua volta com as glaciais vistas da ambição
sem limites - ainda que a falta de meios da atual Rússia sejam um espinho enfiado
na própria ilharga.
Pois esse blog dos Seis Mil, eu o dedico de bom
grado ao menino inocente, vítima de um conflito cruento que ele não provocou, e
cujo sonho eterno, está fotografado para sempre na areia e nos cascalho de uma praia tão
esquecida, quanto famosa. Lá esse infante sem pecado dorme o eterno sono dos
que já estão em outras partes, mais risonhas, mais azuis ainda, do que aquela
nesga de praia, que demora nas históricas terras da Ásia Menor. A eles está
prometido o céu.
Ainda que em nossa
memória, permita esse blog dos seis mil venha a servir-lhe de leito. A
esperança - que ele nos infunde - é capaz de revelar-nos montanhas. Pensemos
que ele esteja apenas dormindo. E que a sua imagem prevaleça sobre as asperezas
do cascalho, o ruído das ondas, e a geral desesperança.
( Fonte: Os descaminhos do blog e suas eventuais surpresas )
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