sexta-feira, 22 de março de 2019

A Atração do Passado


                      

          Em blog de um punhado de anos atrás, me reportara a  filme de Woody Allen,   Paris at Midnight (Paris a meia noite). É inegável o encanto da  antiga Lutetia, onde a carreira me ofereceu a oportunidade de  começar, como Segundo Secretário, a minha experiência em missão diplomática permanente.  Depois de passado no vestibular e no curso bienal do Instituto Rio Branco,  ambos felizmente concluídos em primeiro lugar, trabalhei na Secretaria de Estado por quatro anos, de início em divisão geográfica - que abrangia Ásia, África e Oceânia - e mais tarde servindo no Departamento de Administração, como oficial de gabinete (1961) a seguir, a disposição do Ministro da Indústria e Comércio (1962), e mais adiante, de volta ao Ministério das Relações Exteriores, como Assistente do chefe da Divisão de Política Comercial, e no mesmo ano, chefe, interino, dessa DPC (1963).
           Ainda em 1963, seria promovido por merecimento a Segundo Secretário.  Pouco depois, fui removido para a Embaixada em Paris.

          Ao alcançar Paris, vindo pelo transatlântico Giulio Cesare, após desembarcar em Nice, o trem  me traria até a gare St.Lazare, aonde cheguei à noite. Pela janela do táxi contemplei maravilhado os enormes vultos arquitetônicos dessa mágica cidade dita das luzes - e sobretudo aqueles sombras majestosas da ile de la Citè, notadamente a catedral de Notre Dame, que ao longo do velho Sena se desenha nas noturnas, indiferentes sombras  a marcar para aqueles que a atravessam como se fora avatar de um passado milênio.
            Refazia, ainda sem o saber, o trajeto dos muitos outros que me haviam antecedido.  Pelo visto, o privilégio de servir na missão do embaixador Souza Dantas - que despertava ciúmes até compreen-síveis nos muitos chefes que o sucederam, aos quais por vezes desagradavam os derramados elogios prodigados por velhos colegas no círculo parisiense  e outras autoridades da elite francesa, indicações essas que recebiam a mancheias de seus eventuais interlocutores no governo e na sociedade parisiense. E ciumadas à parte dos chers collègues,  a relevância de Luiz Martins de Souza Dantas cresce quando se tem presente que ele foi chefe dessa prestigiosa missão de 24.12.1922 a 19 de março de 1943, o que abrange a velha república até quase o final do governo do presidente Getúlio Vargas, cerca de vinte e um anos!

             Na noite, que é feita de luzes e sombras, aquela Paris silenciosa, atravessada por um velho táxi, nas largas avenidas que o Barão de Haussmann riscara na cidade oitocentesca, eu a atravessei no anonimato de um jovem segundo secretário, que se dirigia ao endereço do pequeno hotel des Théatres, que me fora reservado pela embaixada, na avenue Montaigne, a poucos quarteirões da velha chancelaria de nossa Missão.
               Chegava a uma missão que se dizia estar meio preparada para receber  um embaixador de prestigio, que viria a suceder a Carlos Alves de Souza, cuja missão terminara em janeiro de 1964.  No interinato, o ministro Raul de Vincenzi era o Encarregado de Negócios, ad interim.

                Ao partir para o posto, modesto Segundo Secretário,  ao passar pelo gabinete para despedir-me da chefia, me surpreendera que o Ministro João Augusto de Araujo Castro me convocasse ao seu gabinete, Ministro de Estado que era do Presidente João Goulart.  Dada a minha condição de segundo secretário, até me pareceria um tanto inusitada a audiência. Mais tarde, saberia que Castro já tinha apalavrada a embaixada em Paris do então presidente João Goulart, o que explicava o seu interesse quanto ao contato com o jovem colega.
                    Por isso, a missão parisiense estava sublotada quando para lá me dirigi. Além do encarregado de negócios, ministro de segunda classe, havia um conselheiro e dois secretários,  o que era número bastante baixo para missão de tal prestigio na carreira.   (a continuar)



( Fontes: Anuários do Ministério das Relações Exteriores e  impressões pessoais.)

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