domingo, 24 de março de 2019

A Magia do Passado


                            
       Porque o passado tem tanta presença nos livros e no cinema? Esse ser de o que já se foi, ele nos atrai tanto nos velhos cineteatros, quanto na literatura. Em uma passada crônica escrita nesse blog, me reportei ao alusivo filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris.
         Será o mistério de o que já partiu, daquilo que a outras sociedades pertencera,  que alimentaria o peculiar sortilégio dessas insólitas visitas que penetrariam em mundo que já se foi, mas que, por mistérios, seja da ficção ou de sua irmã imaginação, ainda permaneceriam, por insondáveis caminhos ou de algum caprichoso modo, acessíveis, posto que de forma sinuosa e imprevisível ?

        Mas permita-me o leitor abeberar-me nessa mítica volta ao passado, que é uma constante tanto do cinema, quanto de sua irmã maior, a literatura. Se o tema do carrossel já foi versado por Arthur Schnitzler e Max Ophuls (La Ronde), será em filme de René Clair (1952) Les Belles de Nuit, em que os personagens entram em sarabanda através do tempo. Essa visão retocada e rejuvenescida de míticas épocas se espraia e apóia no saudosismo - essa incoercível vontade de reviver, na sua juventude, o passado - que é dádiva constante da poesia, como nos atesta o poeta  quatrocentista François Villon:  Où sont les neiges d'antan ?

           É esta preciosa carga de uma imaginação rediviva que nos traz o filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris. Saído de um ambiente chato e burguês, o protagonista se insinua nas ruelas à meia-luz, da rive gauche do Sena, enquanto, à distância, soam as crípticas, mágicas batidas da meia-noite. Ei-lo anunciado, o espaço do sonho e de seus sortilégios, que a sétima arte reserva para a imaginação, sobretudo naqueles que fogem da burguesia e mergulham no espaço livre de uma boemia que nos mostrará Hemingway e Gertrude Stein.

             À distância, nos suados paralelepípedos de ruela da margem esquerda, surge  para o protagonista um automóvel que sai literalmente do passado, enquanto avançam as rodas mal disfarçadas por arcanos paralamas, e os peculiares faróis marcam um veículo de outro tempo. É um daqueles carros que nos desvendam outras épocas, como um arauto, que se atrasou no tempo, e agora se nos anuncia, na meia-luz dos gloriosos anos vinte.

             Se aos filmes, em especial os de Woody Allen, o sobrenatural será permitido, será porque esse diretor sabe trilhar o traiçoeiro caminho que separa o encanto do ridículo, e a esse velho conhecido concedamos algumas liberdades, que a outrem, com menos arte, denegaríamos.

               Pois a imaginação é importante, assim como suas fantasias. Concedemo-la, portanto, mas somente àqueles que são desenvoltos na própria arte, e a ela sabem prestar homenagens que aos muitos são denegadas.

( Fonte:Meia Noite em Paris,de Woody Allen (2011), já oportunamente referida no blog.)

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