Porque o passado tem
tanta presença nos livros e no cinema? Esse ser de o que já se foi, ele nos
atrai tanto nos velhos cineteatros, quanto na literatura. Em uma passada
crônica escrita nesse blog, me
reportei ao alusivo filme de Woody Allen,
Meia Noite em Paris.
Será o mistério de o que já partiu,
daquilo que a outras sociedades pertencera, que alimentaria o peculiar sortilégio dessas
insólitas visitas que penetrariam em mundo que já se foi, mas que, por
mistérios, seja da ficção ou de sua irmã imaginação, ainda permaneceriam, por
insondáveis caminhos ou de algum caprichoso modo, acessíveis, posto que de
forma sinuosa e imprevisível ?
Mas permita-me o leitor abeberar-me
nessa mítica volta ao passado, que é uma constante tanto do cinema, quanto de
sua irmã maior, a literatura. Se o tema do carrossel já foi versado por Arthur
Schnitzler e Max Ophuls (La Ronde),
será em filme de René Clair (1952) Les Belles
de Nuit, em que os personagens entram em sarabanda através do tempo. Essa
visão retocada e rejuvenescida de míticas épocas se espraia e apóia no
saudosismo - essa incoercível vontade de reviver, na sua juventude, o passado -
que é dádiva constante da poesia, como nos atesta o poeta quatrocentista François Villon: Où sont
les neiges d'antan ?
É esta preciosa carga de uma
imaginação rediviva que nos traz o filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris. Saído de um ambiente chato e burguês, o
protagonista se insinua nas ruelas à meia-luz, da rive gauche do Sena, enquanto, à distância, soam as crípticas,
mágicas batidas da meia-noite. Ei-lo anunciado, o espaço do sonho e de seus
sortilégios, que a sétima arte reserva para a imaginação, sobretudo naqueles
que fogem da burguesia e mergulham no espaço livre de uma boemia que nos
mostrará Hemingway e Gertrude Stein.
À distância, nos suados
paralelepípedos de ruela da margem esquerda, surge para o protagonista um automóvel que sai
literalmente do passado, enquanto avançam as rodas mal disfarçadas por arcanos
paralamas, e os peculiares faróis marcam um veículo de outro tempo. É um
daqueles carros que nos desvendam outras épocas, como um arauto, que se atrasou
no tempo, e agora se nos anuncia, na meia-luz dos gloriosos anos vinte.
Se aos filmes, em especial os de Woody Allen, o sobrenatural será
permitido, será porque esse diretor sabe trilhar o traiçoeiro caminho que
separa o encanto do ridículo, e a esse velho conhecido concedamos algumas
liberdades, que a outrem, com menos arte, denegaríamos.
Pois a imaginação é importante,
assim como suas fantasias. Concedemo-la, portanto, mas somente àqueles que são
desenvoltos na própria arte, e a ela sabem prestar homenagens que aos muitos
são denegadas.
( Fonte:Meia Noite em Paris,de Woody Allen
(2011), já oportunamente referida no blog.)
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