Não
sei se Vladimir Putin imita Benito Mussolini de forma consciente ou não. De
qualquer forma, assim como il Duce,
Putin deseja exibir a própria força física, o que, de resto, foi possível
observar recentemente no seu lance de tomar um banho de torso nu nas águas
gélidas do mar ártico.
Como toda pessoa
de baixa estatura, ele igualmente valoriza a equitação. Andar a cavalo hoje em
dia já não é desporto comum, como era, v.g., para meu pai e minha mãe. Ter um
corcel implica em gastos
consideráveis, se se deseja tratá-lo
bem, e que seja, a contento, treinado e luzindo na aparência os bons cuidados
recebidos. Pessoas mais baixas - que é o caso de nosso herói - vêem com
especial favor tê-lo não só para o esporte da montaria, mas também por quanto uma montaria bem
treinada e tratada traga em termos de porte e aparência para alguém a quem a
natureza não dotou do físico que corresponda à grande personalidade por que se
tem determinada pessoa.
Benito Mussolini, a quem a princípio
os fascistas e depois todos os súditos da terra itálica eram supostos admirar e
reverenciar, via com especial favor essa antiga maneira de parecer mais alto
aos olhos do público do que lhe facultaria o seu porte normal.
Assim, parecer para il Duce (aquele que conduz) se
afiguraria mais importante do que ser. Pode semelhar absurdo, mas tudo para o
líder italiano constituía uma espécie de teatro,
em que o parecer se afigurava mais de que o ser. E a razão para tal aparente absurdo estava na
circunstância de que uma pessoa, e até um grande personagem, pode crescer na
aparência. Daí os uniformes, a postura, a equitação e também os próprios locais de trabalho. No
Palazzo Venezia, por exemplo, seus visitantes, decerto ilustres, deveriam
percorrer através de enorme salão, que apesar de grandioso conduzia ao local
onde ele, il Duce, recebia os visitantes. Para cumprimen-tá-lo tinham que atravessar
a grande sala de quarenta, cinquenta metros, aonde, ao seu cabo, após subir
alguns degraus atapetados, lá o aguarda, com adequada expressão, o dignitário a
quem ele fizera esperar por um tempo inverso à respectiva importância.
Mussolini
contribuíu para a sua perda ao acreditar nas próprias mentiras e naquelas de
seus cortesãos. Tudo era feito no sentido de tornar mais temível a Itália. Para
tanto, construíu cerimonial e palco que reforçasse o seu pleito íntimo de trans-formar
a antiga bota imperial - que no tempo dos Romanos era a capital do maior
império que o homem antigo levantara e conquistara - como se lograsse enfeitar
a força, torná-la mais bela e mais temível. Por isso, ele conquistou a
Abissínia e encenava, como propagandista do Forza
Italia, um exército que amava mais as paradas e os desfiles do que a guerra
(com que os romanos se aventuraram até os extremos do mundo então conhecido).
Na Italia dei telefoni bianchi (os
telefones se eram pretos alhures, para a elite fascista eram branco-marfim) a
aparência podia ser mais importante do que a realidade. Assim, il Teatro podia
ser para il Duce a metáfora de realidade que alçaria a Itália ao mesmo nível
das demais potências de então. Dessarte, dir-se-ía que para il Duce o mais
importante não seria essere (ser),
mas parere
(parecer).
Por outro lado, como experto que era em
produzir a aparência, Mussolini sabia
encenar muito bem a propaganda do fascismo. Recordo-me de velho filme que
intitulou la Battaglia del grano. Ele aparecia com o peito nu empenhado
na porfia pelo trigo. Como símbolo
sexual, mostrando o tórax ao público feminino,
ele dava uma tournure de luta
para o plantio do trigo, e a subsequente vitória da Itália, que conseguiria a
auto-suficiência neste grande e nobre cereal.
Não terá escapado ao leitor
as grandes parecenças entre o líder fascista italiano e o atual presidente da
Rússia. Ambos apreciadores da equitação, como esporte másculo. Para tanto, o
tórax nu e bem cinzelado. Daí, os
desportos que exigem a cora-gem como
companheira. Já se disse que Putin terá ido parar em hospital para tratar-se
das consequências de algum esporte mais violento, com que ele se apresenta em
filmes aos compatriotas.
Vladimir V. Putin, com a
sua expressão impassível quer apresentar ao russo comum a face do homem sério e
másculo, que não recua diante de desforços físicos que outros não imaginariam
afrontar.
Ele persegue com um rosto que se compraz em
ser o macho indecifrável a velha ilusão que um descamisado Mussolini buscava
mostrar ao seu público de então, com a força e a macheza do contadino (camponês) que não tem medo da
terra e de seus desforços.
É a velha equação do parecer e do ser. Putin gostaria de estar
chefiando a União Soviética.
Infelizmente para ele, o seu processo de decomposição foi acelerado por N.
Gorbachev, e hoje a Rússia é a projeção enfraquecida do antigo potencial da
URSS. Não se está aqui para estudar o
desfazimento da segunda superpotência, mas para em breves linhas mostrar os
traços de Putin que o aproximam de Mussolini.
Putin guarda consigo,
mesmo contra a própria vontade, encabeçar potência nuclear que é consequência
de realidade hoje desaparecida. Pelo seu tamanho e potencial a Rússia, se não é
a URSS, ainda pode meter medo em muitos países daqueles que o Kremlin e seus burocratas chamam de estrangeiro próximo. Esses vivem a sina
de ter por vizinho um urso que a História ensinou a somente respeitar as
grandes nações. Daí, as aventuras da Crimeia e, com dificuldades adicionais, a
simpática grande nação da Ucrânia. Com toda a desmedida extensão, o lençol
petrolífero é a sua maior riqueza, depois do próprio povo.
Será este ser ou não ser - a Rússia grande,
mas não tão grande assim - que, por vezes, dilacera o coração e a mente de gospodin
Putin. A última crise que atravessou é uma consequência da nostalgia de um tzar
que, por vezes, pensa castigar o espião mendaz ou traiçoeiro, mesmo que se haja
abrigado em algum recanto esquecido na pérfida Álbion. Para alguém tão cerebrino, espanta que ponha
tantos anos e realizações em risco, como se fora um jogador de algum esquecido
cassino.
Putin não tem dúvida em dispor
de um destino ainda a cumprir. E ele, como o seu modelo Mussolini, pensa alto e
forte. Já enfrentou o terrível cerco
nazista de Leningrado, onde a fome era o espectro companheiro de muitas horas
transidas pelo frio gélido e pela artilharia nazista. Depois, aos trancos e
barrancos, com o seu físico atarracado, mas o olhar firme e inescrutável, como
tantos poderosos que o precederam,
Vladimir continua a acreditar mais do que tudo em si mesmo.
Para prosseguir compondo o próprio
sonho, que é claro como sorriso de criança, ele irá continuar aprontando. Como
o seu oculto modelo, não é coisa em que muito pense, até que sucumba a uma
dessas tentações que lhe custam caro, mas, quem sabe, por trás da expressão
para muitos indecifrável aí está um jogador, que é, sem talvez o saber,
compulsivo.
(
Fonte: vida diplomática )
Um comentário:
Ótima análise, que permite vislumbrar o possível destino dessa figura e das pobres pessoas sob seu jugo. A história infelizmente é conhecida.
Abs,
Mauro
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