A frase de
Cármen Lúcia ficou no ar, na longa
sessão vespertina. E, no
entanto, a impressão que se guarda, ao cabo da longa e para alguns ministros, exaustiva sessão, é que pesaram, apesar de tudo e muito, o carisma do
ex-presidente, e o novo patrocínio com Sepúlveda Pertence, ainda que
fragilizado pela idade.
Por outro lado,
o Ministro do Supremo Marco Aurélio
Mello disse que está sendo crucificado (sic)
por ser visto como responsável pelo
adiamento que julgava o habeas corpus do ex-presidente Lula. Ele mostrou um
cartão de embarque para um vôo na
quinta-feira, dia 22, e deixou o tribunal.
A par disso, Cármen Lúcia defendeu a suspensão da sessão para respeitar limites físicos dos ministros da Corte.
A difusa má-impressão quanto à
reação da Corte se reflete também na observação de Bruno Carazza: "a surpreendente decisão do Supremo Tribunal
Federal de conceder liminar para impedir prisão de Lula até dia quatro de abril expõe outro
aspecto do sistema de privilégios e regalias do setor público. O julgamento foi
suspenso em função do "adiantado da hora" e da Semana Santa, que
começa na quarta para a corte." E
para não estender demasiado, é oportuno citar igualmente o seguinte parágrafo
do artigo "Feriadão prolongado do STF expõe privilégios":
"A questão é que não faz sentido esperar que a pilha de processos diminua enquanto os membros do Judiciário trabalharem, a cada ano, pelo menos 50 dias a menos do que os demais trabalhadores brasileiros."
"A questão é que não faz sentido esperar que a pilha de processos diminua enquanto os membros do Judiciário trabalharem, a cada ano, pelo menos 50 dias a menos do que os demais trabalhadores brasileiros."
Apesar das opiniões contrárias, há
certas evidências que ficam cada vez mais difíceis de ignorar. Na lábil terra
brasileira, as jurisprudências têm vida curta: "a decisão liminar, de
impedir a prisão do condenado até o julgamento do HC (habeas corpus), adotada por 6 a 5, revela (por vias tortas) que
inverteu-se a maioria favorável ao cumprimento da sentença de segunda
instância. Depois de inutilizarem a bússola da Constituição, os juízes
legisladores movem-se sem rumo em terra desconhecida." Assim, segundo Demétrio Magnoli, "faz tempo que o
STF rasga a Constituição para ser fiel à "voz das ruas". Lá atrás, os
ministros ignoraram artigos sobre a
igualdade perante a lei e o mérito no acesso ao ensino superior para 'legalizar'
as cotas raciais. Depois num crescendo, jogaram no lixo a lei do impeachment para conservar os direitos
políticos de Dilma Rousseff."
Muita vez em questões menores se pode identificar a menor atenção - ou mesmo desatenção - às exigências de vestir toga e sentar-se na exclusiva mesa do STF. As discussões desabridas - que datam não de hoje, mas de encontros no julgamento do chamado Mensalão - nota-se, outrossim, excessiva flexibilidade na admissão de compromissos particulares dos ministros, que, não se sabe bem porquê, se sobrepõem ao horário oficial e aos juízos daí decorrentes. Viu-se neste pré- julgamento de Lula que os compromissos particulares dos ministros se sobrepunham naturalmente a motivações indeclináveis, a escusas perfeitas de ausências ao compromisso oficial que é aquele pelo qual o Ministro, uma vez indicado pelo Presidente da República, examinado pelo Congresso e votado pelo Senado, adentra até a idade limite estabelecida a seu tempo o número constitucional de Ministros do Supremo. Causa espanto, por isso, que qualquer compromisso tomado pelo ministro em causa possa sobrepor-se às suas obrigações no plenário da Corte, eis que, manda o bom senso e sobretudo o dever funcional, que o interesse público sobreleve em todos os casos o particular. Se haverá casos extraordinários que derroguem essa norma, eles não são questões de todo o dia, como se tem a impressão que sejam, com a facilidade que parecem ter os ministros, ao servir-se de um cartãozinho branco para valer-se de tais escusas que não deveriam sobrepor-se às próprias obrigações enquanto ministros do Supremo.
Trocado em miúdos, em Pindorama nem todos são iguais perante a Lei. Esta verdade, que tanta gente não desconhece, mostra o caminho que ainda falta fazer para que o Brasil vire uma real democracia. Em passada situação, quando Lula ocupava a presidência da república, querendo invocar para o Ex-presidente José Sarney uma especial atenção, dizia Lula, enquanto Presidente, encarecendo maiores atenções para o seu antecessor: "Sarney não é um cidadão comum!"
A verdadeira democracia exige que todos sejam tratados da mesma forma enquanto cidadãos, ao que manda a Constituição de 1988, e não sujeitos a esse jeitinho inefável de Pindorama que, segundo um especialista dinamarquês, ainda tende a levar uns dez anos para ser coisa do passado. E se não fosse? Pois desde o Império o Brasil convive com o jeitinho e sua aplicação às realidades do tempo, o para inglês ver, que tem mais de duzentos anos, e continua ainda muito vivo e influente?
(
Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado
de S. Paulo, TV do Judiciário )
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