quinta-feira, 29 de março de 2018

Equador corta internet de Assange


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            O título também poderia ser "Equador corta a razão existencial de Assange". Porque, para quem tem algum conhecimento de como Julian Assange vive no estreito espaço que lhe é cedido pela chancelaria equatoriana da missão em Londres, há de intuir  o que esse corte da internet possa significar realmente para o   peculiar asilado.
            A situação de Assange é muito estranha. Como asilado diplomático, ele dispunha de situação sui generis, porque utilizava o próprio refúgio do asilo diplomático para um fim específico, vale dizer um blog político, o WikiLeaks que, como o próprio nome indica, trata de vazamentos políticos.
            Assange tem pago preço alto por esse refúgio que, em geral, não se estende por demasiado tempo, de que é conhecida exceção o caso de Haya de la Torre.
             De certa forma, Assange tinha uma espécie de acordo verbal - é uma suposição minha - com o antigo presidente do Equador, Rafael Correa que lhe abriu a acanhada chancelaria (o que designa não a residência da missão, mas a parte essencialmente política da embaixada equatoriana junto ao Governo inglês), de forma a que residisse por tempo indeterminado em dependência dessa chancelaria, o que equivale a um abrigo diplomático, ou mesmo asilo diplomático, sui generis.
               Para que se entenda melhor esse affaire célèbre (caso célebre), tentarei dele fazer um breve histórico. Afim de escapar da  extradição  para a Suécia (onde fora indiciado por estupro),  Assange obteve em 2012 do presidente Rafael Correa, que é de esquerda e, portanto, com posição crítica junto aos Estados Unidos, esse especial asilo em Londres.  Enquanto Correa foi presidente, Assange dispunha de uma espécie de carta branca, embora certas características colocadas pelas limitações do refúgio exigiam sacrifício pessoal de Assange (o fato, v.g., de não poder servir-se de um dentista, por óbvia falta do equipamento necessário, não passa tantos anos sem provocar danos dentários).
                 Com a mudança de governo no Equador, apesar de que o sucessor haja sido indicado por Correa, iria, pela natureza humana, alterar o ménage para Assange. O atual presidente Lenine Moreno, depois de breve período de entendimento com o antecessor,  tornou-se adversário  político de Rafael Correa, o que iria também complicar a vida do asilado Assange.
                   No final de 2017, Assange assinou um compromisso por escrito que assumiu com o governo equatoriano de não emitir mensagens que pudessem representar ingerência  em relação a outros estados. Não levou muito tempo para que Assange descumprisse o tal compromisso, o que teria feito ao criticar nesta segunda-feira, pelo Twitter, a expulsão coordenada de diplomatas russos por países ocidentais.
                       A situação de Julian Assange ficou complicada pela própria independência do site WikiLeaks, embora essa alegada independência esteja ultimamente muito impregnada das cores da Federação Russa de Putin. Na última eleição americana, a intervenção do WikiLeaks teve uma tournure bastante pró-Rússia e anti-Hillary, então candidata do Partido Democrata. Esse viés pró-Rússia está deveras muito presente no site de Assange.
                        Assange, de resto, se acredita perseguido pelos Estados Unidos. Dessarte, a acusação de crimes sexuais na Suécia seria apenas um pretexto, ao ver de Assange, para extraditá-lo para os Estados Unidos.
                         E, com efeito, há certos desenvolvimentos estranhos: como já assinalei, o asilo em Londres se deve à tentativa de escapar de ser extraditado para a Suécia, onde teria cometidos os crimes sexuais alegados.  Ora, não é que a Justiça sueca mandou posteriormente arquivar a acusação, mas um tribunal de Londres rejeitou em fevereiro, a anulação do mandado de prisão, considerando que Assange não teria respeitado as condições de sua liberdade sob fiança.
                         Em tais condições, a dúvida cresce.  Quem teria feito o tribunal de Londres rejeitar a anulação do mandado de prisão de Julian Assange? Quem seria este amicus curiae que se intromete na causa, ora terminada na Suécia, mas mantida no Reino Unido, que tinha sido apenas a principio o local de refúgio mais próximo para Assange evitar a extradição para Estocolmo, agora não mais subsistente?
                         Valendo-se do direito que tem os presidentes dos EUA em fim de mandato de perdoar americanos que teriam sofrido supostas injustiças, Obama perdoou a suboficial Chelsea Manning, mas preferiu não fazê-lo com relação a Edward Snowden, hoje asilado na Rússia, sob a acusação de haver revelado os programas de National Security Agency de vigilância global.                       
                       Não dá para suspeitar que as coisas se tenham complicado para Assange, por causa de um velho aliado da Inglaterra?                         

( Fontes: O Estado de S. Paulo, The New Yorker )

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