O título também poderia ser
"Equador corta a razão existencial de Assange". Porque, para quem tem
algum conhecimento de como Julian Assange vive no estreito
espaço que lhe é cedido pela chancelaria equatoriana da missão em Londres, há
de intuir o que esse corte da internet
possa significar realmente para o peculiar asilado.
A situação de Assange é muito estranha.
Como asilado diplomático, ele dispunha de situação sui generis, porque utilizava o próprio refúgio do asilo
diplomático para um fim específico, vale dizer um blog político, o WikiLeaks
que, como o próprio nome indica, trata de vazamentos políticos.
Assange tem pago preço alto por
esse refúgio que, em geral, não se estende por demasiado tempo, de que é
conhecida exceção o caso de Haya de la
Torre.
De certa forma, Assange tinha uma
espécie de acordo verbal - é uma suposição minha - com o antigo presidente do
Equador, Rafael Correa que lhe abriu a acanhada chancelaria (o que designa não
a residência da missão, mas a parte essencialmente política da embaixada
equatoriana junto ao Governo inglês), de forma a que residisse por tempo
indeterminado em dependência dessa chancelaria, o que equivale a um abrigo
diplomático, ou mesmo asilo diplomático, sui
generis.
Para que se entenda melhor esse affaire célèbre (caso célebre), tentarei
dele fazer um breve histórico. Afim de escapar da extradição para a Suécia (onde fora indiciado por
estupro), Assange obteve em 2012 do
presidente Rafael Correa, que é de esquerda e, portanto, com posição crítica
junto aos Estados Unidos, esse especial asilo em Londres. Enquanto Correa foi presidente, Assange
dispunha de uma espécie de carta branca, embora certas características
colocadas pelas limitações do refúgio exigiam sacrifício pessoal de Assange (o
fato, v.g., de não poder servir-se de
um dentista, por óbvia falta do equipamento necessário, não passa tantos anos
sem provocar danos dentários).
Com a mudança de governo no
Equador, apesar de que o sucessor haja sido indicado por Correa, iria, pela
natureza humana, alterar o ménage
para Assange. O atual presidente Lenine Moreno, depois de breve período de
entendimento com o antecessor, tornou-se
adversário político de Rafael Correa, o
que iria também complicar a vida do asilado Assange.
No final de 2017, Assange
assinou um compromisso por escrito que assumiu com o governo equatoriano de não
emitir mensagens que pudessem representar ingerência em relação a outros estados. Não levou muito
tempo para que Assange descumprisse o tal compromisso, o que teria feito ao
criticar nesta segunda-feira, pelo Twitter, a expulsão coordenada de diplomatas
russos por países ocidentais.
A situação de Julian
Assange ficou complicada pela própria independência do site WikiLeaks, embora essa alegada independência esteja
ultimamente muito impregnada das cores da Federação Russa de Putin. Na última
eleição americana, a intervenção do WikiLeaks
teve uma tournure bastante pró-Rússia e anti-Hillary, então candidata do
Partido Democrata. Esse viés pró-Rússia está deveras muito presente no site de Assange.
Assange, de resto, se
acredita perseguido pelos Estados Unidos. Dessarte, a acusação de crimes
sexuais na Suécia seria apenas um pretexto, ao ver de Assange, para
extraditá-lo para os Estados Unidos.
E, com efeito, há
certos desenvolvimentos estranhos: como já assinalei, o asilo em Londres se
deve à tentativa de escapar de ser extraditado para a Suécia, onde teria
cometidos os crimes sexuais alegados.
Ora, não é que a Justiça sueca mandou posteriormente arquivar a
acusação, mas um tribunal de Londres rejeitou em fevereiro, a anulação do
mandado de prisão, considerando que Assange não teria respeitado as condições
de sua liberdade sob fiança.
Em tais condições, a
dúvida cresce. Quem teria feito o
tribunal de Londres rejeitar a anulação do mandado de prisão de Julian Assange?
Quem seria este amicus curiae que se
intromete na causa, ora terminada na Suécia, mas mantida no Reino Unido, que
tinha sido apenas a principio o local de refúgio mais próximo para Assange
evitar a extradição para Estocolmo, agora não mais subsistente?
Valendo-se do direito
que tem os presidentes dos EUA em fim de mandato de perdoar americanos que
teriam sofrido supostas injustiças, Obama perdoou a suboficial Chelsea Manning, mas preferiu não
fazê-lo com relação a Edward Snowden,
hoje asilado na Rússia, sob a acusação de haver revelado os programas de National Security Agency de vigilância
global.
Não dá para suspeitar que
as coisas se tenham complicado para Assange, por causa de um velho aliado da
Inglaterra?
(
Fontes: O Estado de S. Paulo, The New Yorker )
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