quarta-feira, 21 de março de 2018

Putin quer ser grande depressa


                                             
              A relação entre Trump e Putin constitui uma espécie de contrassenso, eis que ela não reflete a presente condição e o histórico recente no relacionamento entre as duas potências.
                 Há dois aspectos a considerar.  O passado imediato e os antecedentes desses contatos dentro de contexto relativamente próximo.
                 A tradicional oposição entre as duas superpotências - Estados Unidos e  URSS -  iria sofrer uma mudança substancial, em termos da qualidade e da relativa cercania desses contatos durante o governo de Mikhail Gorbachev e as suas reformas com o intento de democratizar e modernizar a União Soviética.
                 Talvez Gorbachev, como todo idealista, tenha acionado forças que fugiriam de seu controle, como nos seus programas básicos Perestroika e Glasnost, traduzindo com certa liberalidade Reestruturação e Transparência. Gorbachev levaria ainda mais longe a sua tentativa de desemperrar a União Soviética, ao revogar o Pacto de Varsóvia - que constituía uma espécie de anti-OTAN -, além trazer a ideia da democracia para o conceito União Soviética. De qualquer forma, Gorbachev, entre os fracassos da história, constituiria um dos mais belos e provocantes, caso houvesse  logrado contornar o Cabo da Boa Esperança, e porventura vencido as forças adormentadas e entorpecidas da reação.
                 Saído de cena pela inédita implosão do Estado, com o esfarelamento do instrumental da cadeia de autoridades da União Soviética, repontaria o ressurgimento das nacionalidades que o longo abraço de Nesso fizera desaparecer.
                 De todos esses Estados, a Rússia logo surgiria não como a nação sucessora, pois o esfacelamento da URSS foi para valer, repontando vários países como  Ucrânia, Geórgia e muitas outros em que a extensão territorial das antigas províncias, ora refletia nacionalidades abrangidas pela face asiática da Russia imperial e transformadas em nações como o Kazakhstão, Uzbequistão e Kirghistão, sem falar das pequenas, mas históricas nacionalidades na banda ocidental, como Estônia, Letônia, Lituânia.
                 Vladimir Putin faz parte de outra progressão. Boris Ieltsin seria a figura heróica dessa primeira fase se as suas perspectivas de projeção não sofressem com a própria dipsomania. Conviveu, no entanto, com um período marcado pela transição, em que a Rússia ainda não se projetava no cenário mundial - apesar de herdeira natural das grandes prerrogativas da URSS, como o assento permanente no Conselho de Segurança, e portanto com a própria posição de herdeira direta de o que sobrara do patrimônio da União Soviética, em termos nucleares. Os primeiros tempos da Rússia sob Ieltsin seriam borrascosos e até imprevisíveis, mas ela guardou sob o seu primeiro líder um viés democrático, que perderia em seguida em outras mãos.
                    Não pretendo aqui cansar o leitor com resumos históricos,  mas existe na trajetória de Vladimir V. Putin a característica da restauração do antigo poder do Kremlin.
                   Perdeu a Federação Russa o seu viés democrático, que aos trancos e barrancos, mantivera sob o imprevisível Boris Ieltsin que partilhara a governança com um grupelho de oligarcas, em um periodo tumultuado sob certos aspectos.
                   Nada assegurava que a democracia seria apenas fugaz temporada na antiga terra dos czares, mas foi o que sucedeu com a sua escolha de um político jovem com origens em Leningrado.  O enfoque voltou a ser o do regime forte, com as suas óbvias consequências
                    A trajetória de Putin tem sido objeto de muitos estudos sociológicos. Com a sua origem no KGB, não se poderia esperar que reforçasse a democracia. Com o crescente domínio dos meios de comunicação,  Putin não tardaria muito em livrar-se dos antigos barões que viviam na órbita de Ieltsin.  Também  na política, a tendência foi a da repetição das tradições do Estado forte, em termos de comunicação e política.
                    Também a tradição ou o vezo da violência do Estado cresceu junto com o fortalecimento do novo regime que adotou uma espécie de anti-ideologia com vários empréstimos a pensadores de direita, como se tal representasse uma postulação da Rússia voltada para as suas raízes asiáticas, em que as lutas com os Khans sempre deixavam  marcas.
                    Adotados os parâmetros da violência do Estado nas suas relações com os países e nações infelizmente próximas do urso russo - há um termo legislativo para a expressão deste proto-imperialismo, que são leis dirigidas às relações com as nações próximas da Rússia. Por outro lado, não se pode ignorar que esse renascido viés imperialista se associaria sob Putin a uma Rússia grande potência, a que o  diligente Vladimir Putin se empenha em reafirmar.
                    Por isso, todo o empenho de Putin está em restabelecer a antiga posição da Rússia dos tzares (por enquanto não atua como se fora a URSS, mas nos últimos tempos  tenta seguir-lhe os passos, com os condicionamentos inevitáveis).  Nessa postura imperialista no plano externo - veja-se a sua reação com o fato de haver perdido um governante submisso na Ucrânia, como Viktor Yanukovich: promove uma 'revolução' reminiscente do separatismo dos anos tempestuosos da implantação da URSS,  "castiga"  Kiev  pela audácia de derrubar um quisling,  e anexa a Criméia, este o seu maior erro político, que até o momento permanece.
                      A sua interferência - que beirou a intervenção branca, através dos hackings do Conselho Nacional Democrata - contra a candidatura de Hillary Clinton refletia o seu entranhado ódio pela política democrata, que foi objeto de inúmeros intentos através da internet com o fim específico de fazer vencer  Donald Trump, e sobretudo derrotar a valorosa ex-Secretária de Estado que tivera a coragem de enfrentá-lo em questões de interesse de seu país.
                         Tenho minhas sinceras dúvidas se não terá sido a húbris de pensar lograr estabelecer alguém que lhe seja próximo na Casa Branca que terá movido o frio, calculista Putin. De qualquer forma, esse episódio da história americana - em que o antigo brilho da Superpotência não aparece - tenderá, pelo que indica fonte estadunidense a ter um fim mais próximo de o que se pensa,  e para tanto  o mundo segue com atenção os movimentos  que a imprensa logra fazer-nos chegar do Conselheiro Especial Robert Mueller III.
                          De qualquer forma, me permito um conselho à senhora Hillary Clinton. Já transcorreu tempo demasiado para o seu silêncio diante das repetidas injúrias e calúnias que se encerram na adjetivação crooked Hillary, ditas a propósito de todo tipo de questão, como se fora interjeição.  Sei que o silêncio de Mrs Hillary R. Clinton reflete o desprezo que qualquer pessoa de bem há de associar a tal infâmia. Mas o mutismo como resposta não pode premiar quem se permita injúria tão soez e covarde.                       

( Fonte: The New York Times )

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