A relação entre
Trump e Putin constitui uma espécie de contrassenso, eis que ela não reflete a
presente condição e o histórico recente no relacionamento entre as duas
potências.
Há dois aspectos a
considerar. O passado imediato e os
antecedentes desses contatos dentro de contexto relativamente próximo.
A tradicional oposição entre
as duas superpotências - Estados Unidos e
URSS - iria sofrer uma mudança
substancial, em termos da qualidade e da relativa cercania desses contatos
durante o governo de Mikhail Gorbachev e as suas reformas com o intento de
democratizar e modernizar a União Soviética.
Talvez Gorbachev, como todo
idealista, tenha acionado forças que fugiriam de seu controle, como nos seus
programas básicos Perestroika e Glasnost, traduzindo com certa
liberalidade Reestruturação e Transparência. Gorbachev levaria ainda mais longe
a sua tentativa de desemperrar a União Soviética, ao revogar o Pacto de
Varsóvia - que constituía uma espécie de anti-OTAN -, além trazer a ideia da
democracia para o conceito União Soviética. De qualquer forma, Gorbachev, entre
os fracassos da história, constituiria um dos mais belos e provocantes, caso
houvesse logrado contornar o Cabo da Boa
Esperança, e porventura vencido as forças adormentadas e entorpecidas da reação.
Saído de cena pela inédita
implosão do Estado, com o esfarelamento do instrumental da cadeia de
autoridades da União Soviética, repontaria o ressurgimento das nacionalidades
que o longo abraço de Nesso fizera desaparecer.
De todos esses Estados, a
Rússia logo surgiria não como a nação sucessora, pois o esfacelamento da URSS
foi para valer, repontando vários países como
Ucrânia, Geórgia e muitas outros em que a extensão territorial das
antigas províncias, ora refletia nacionalidades abrangidas pela face asiática da
Russia imperial e transformadas em nações como o Kazakhstão, Uzbequistão e
Kirghistão, sem falar das pequenas, mas históricas nacionalidades na banda
ocidental, como Estônia, Letônia, Lituânia.
Vladimir Putin faz parte de
outra progressão. Boris Ieltsin seria a figura heróica dessa primeira fase se
as suas perspectivas de projeção não sofressem com a própria dipsomania. Conviveu,
no entanto, com um período marcado pela transição, em que a Rússia ainda não se projetava no cenário mundial - apesar de herdeira natural das grandes
prerrogativas da URSS, como o assento permanente no Conselho de Segurança, e portanto
com a própria posição de herdeira direta de o que sobrara do patrimônio da
União Soviética, em termos nucleares. Os primeiros tempos da Rússia sob Ieltsin
seriam borrascosos e até imprevisíveis, mas ela guardou sob o seu primeiro
líder um viés democrático, que perderia em seguida em outras mãos.
Não pretendo aqui cansar o
leitor com resumos históricos, mas
existe na trajetória de Vladimir V. Putin a característica da restauração do
antigo poder do Kremlin.
Perdeu a Federação Russa o
seu viés democrático, que aos trancos e barrancos, mantivera sob o imprevisível
Boris Ieltsin que partilhara a governança com um grupelho de oligarcas, em um
periodo tumultuado sob certos aspectos.
Nada assegurava que a
democracia seria apenas fugaz temporada na antiga terra dos czares, mas foi o que
sucedeu com a sua escolha de um político jovem com origens em Leningrado. O enfoque voltou a ser o do regime forte, com
as suas óbvias consequências
A trajetória de Putin tem sido objeto de
muitos estudos sociológicos. Com a sua origem no KGB, não se poderia esperar
que reforçasse a democracia. Com o crescente domínio dos meios de comunicação, Putin não tardaria muito em livrar-se dos
antigos barões que viviam na órbita de Ieltsin.
Também na política, a tendência
foi a da repetição das tradições do Estado forte, em termos de comunicação e
política.
Também a tradição ou o vezo da violência do
Estado cresceu junto com o fortalecimento do novo regime que adotou uma espécie
de anti-ideologia com vários empréstimos a pensadores de direita, como se tal
representasse uma postulação da Rússia voltada para as suas raízes asiáticas,
em que as lutas com os Khans sempre deixavam marcas.
Adotados os parâmetros da
violência do Estado nas suas relações com os países e nações infelizmente
próximas do urso russo - há um termo legislativo para a expressão deste
proto-imperialismo, que são leis dirigidas às relações com as nações próximas da Rússia. Por outro lado, não
se pode ignorar que esse renascido viés imperialista se associaria sob Putin a
uma Rússia grande potência, a que o diligente Vladimir Putin se empenha
em reafirmar.
Por isso, todo o empenho de
Putin está em restabelecer a antiga posição da Rússia dos tzares (por enquanto
não atua como se fora a URSS, mas nos últimos tempos tenta seguir-lhe os passos, com os
condicionamentos inevitáveis). Nessa
postura imperialista no plano externo - veja-se a sua reação com o fato de
haver perdido um governante submisso na Ucrânia, como Viktor Yanukovich:
promove uma 'revolução' reminiscente do separatismo dos anos tempestuosos da
implantação da URSS,
"castiga" Kiev pela audácia de derrubar um quisling, e anexa a Criméia, este o seu maior erro
político, que até o momento permanece.
A sua interferência - que
beirou a intervenção branca, através dos hackings
do Conselho Nacional Democrata - contra a candidatura de Hillary Clinton
refletia o seu entranhado ódio pela política democrata, que foi objeto de
inúmeros intentos através da internet com o fim específico de fazer vencer Donald Trump, e sobretudo derrotar a valorosa
ex-Secretária de Estado que tivera a coragem de enfrentá-lo em questões de
interesse de seu país.
Tenho minhas sinceras
dúvidas se não terá sido a húbris de
pensar lograr estabelecer alguém que lhe seja próximo na Casa Branca que terá
movido o frio, calculista Putin. De qualquer forma, esse episódio da história
americana - em que o antigo brilho da Superpotência não aparece - tenderá, pelo
que indica fonte estadunidense a ter um fim mais próximo de o que se
pensa, e para tanto o mundo segue com atenção os movimentos que a imprensa logra fazer-nos chegar do
Conselheiro Especial Robert Mueller III.
De
qualquer forma, me permito um conselho à senhora Hillary Clinton. Já
transcorreu tempo demasiado para o seu silêncio diante das repetidas injúrias e
calúnias que se encerram na adjetivação crooked
Hillary, ditas a propósito de todo tipo de questão, como se fora
interjeição. Sei que o silêncio de Mrs Hillary R. Clinton reflete o
desprezo que qualquer pessoa de bem há de associar a tal infâmia. Mas o mutismo
como resposta não pode premiar quem se permita injúria tão soez e covarde.
( Fonte: The New
York Times )
Nenhum comentário:
Postar um comentário