domingo, 1 de agosto de 2010

Colcha de Retalhos LI

As Vítimas do Eldorado

A área refrigerada do necrotério de Pima County, no estado do Arizona, faz parte do cenário da questão do imigrante ilegal nos Estados Unidos, neste estado do quase extremo oeste americano, fronteiriço com o México. A dracônica lei estadual anti-imigração, cuja processo judicial ora completa a sua primeira fase, com diversos artigos suspensos por determinação da juíza federal competente, não terá mais importância para os cerca de trezentos corpos com que o macabro armazem está no limite de sua capacidade.
No entanto, todos eles estão ligados pela atração do mercado de trabalho americano, atração esta terminada de forma trágica no solo pedregoso dos inóspitos desertos que circundam a cidade de Tucson.
Desde o começo do ano, cento e cinquenta pessoas faleceram na travessia. Neste julho último, a curva das mortes atingiu 57, em função da onda de calor no verão boreal.
Nos dois anos anteriores, em igual espaço de tempo, cento e sete homens e mulheres sucumbiram, por força das condições adversas.
O número de fatalidades cresce, em consequência da repressão e das maiores dificuldades encontradas para chegar a estradas pavimentadas. Diante dos esforços das autoridades de barrar o caminho os ilegais, eles não têm outra escolha senão seguir por trilhas cada vez mais árduas e íngremes.
Dessarte, os chamados coyotes – aqueles que organizam essas jornadas do desespero – encaminham os candidatos ao Eldorado por lugares sempre mais remotos.
Feita a pé, com duração de três a quatro dias, os migrantes, em geral sem víveres e com cantis que soem secar rápido, depauperados, enfrentam luta desigual, que a muitos abaterá, nos ermos e hostis espaços nos quais findará o próprio inútil e ingente esforço.
Dadas as características da sua entrada, os cadáveres dos ilegais não costumam trazer consigo documentos de identidade ou outros pertences que possam ajudar na identificação. Pelo seu estado humilde, tampouco a arcada dentária fornecerá indícios, por não terem frequentado gabinetes dentários.
Desde 2000, o Dr. Bruce Parks, médico-legista chefe e sua equipe de cinco detetives, seis patologistas e um antropologista perito forense tem um atraso (backlog) de 150 restos mortais não-identificados (o mais antigo data de 1993). Não obstante, de 1700 ocorrências, o plantel já identificou cerca de 1050.
Pelo afluxo de migrantes, também os patologistas enfrentam pesada carga de trabalho. Na semana passada, a Dra. Cynthia Porterfield fez cinco autópsias em um dia. Apenas um dos cadáveres pôde ser identificado. Tratava-se de Jesse Palma Valenzuela, de trinta anos, morto no dia 12 de julho. Os seus companheiros tentaram levá-lo de volta ao México, mas desistiram pela exaustão. Envolveram, contudo, o corpo em um cobertor, e o colocaram sobre os galhos de uma árvore, para que os animais não o comessem. Após retornarem ao México, avisaram a patrulha fronteiriça.

A proeza do minério de ferro

Por causa da procura chinesa, estima-se que o minério de ferro há de superar, no corrente ano, os US$ 20 bilhões. Tal se deve ao aumento da cotação, de cem por cento, superaquecido pela demanda da emergente RPC. É um marco ambíguo em nossa balança comercial. O minério de ferro corresponde a 12% da pauta, e junto com o petróleo e a soja, representam 30% de nossas exportações.
Calcando o peso das commodities em nossa balança, será a primeira vez em mais de trinta anos que nas exportações brasileiras as matérias primas superam os produtos manufaturados.
Não só por causa da volatilidade do mercado dos chamados produtos de base, inexistem grandes motivos de comemoração nesse marco às avessas. Os produtos manufaturados – mesmo aqueles mais comezinhos – além de embutir o valor do trabalho, em geral são mais valorizados.
A esse propósito, como assinala Míriam Leitão, é vocação do Brasil “ser grande produtor de commodities(...). Mas o melhor seria se o país estivesse removendo os gargalos da infraestrutura, incentivando a inovação tecnológica e ampliando a diversidade das exportações.”

Mais um Papelão do Superavit Primário

Na série de piores resultados de 2010, dentro da tradição dos anos eleitorais, em junho último o país fechou com o pífio superavit primário de R$ 2,059 bilhões. Este é o pior desde junho de 2003. Trata-se da economia do setor público para o pagamento de juros da dívida.
No semestre, o saldo está acumulado em R$ 40,105 bilhões, o que, num fluxo de doze meses significa 2,07% do PIB. Há uma tendência declinante nesse percentual, eis que em maio atingia 2,13% e em abril, 2,14%.
Parece, portanto, claro que a meta governamental de um superavit primário equivalente a 3,3% do PIB se torna cada vez mais difícil de ser alcançada.
Para anotar oportunamente, o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, continua otimista. Argumenta que para o fim do ano a tendência é de que a arrecadação aumente, com o fim dos incentivos fiscais, e também pela limitação dos gastos a que o setor público se vê obrigado pouco antes das eleições.

O Presidente Sarkozy e os Ciganos

Em decisão que há de provocar muita polêmica e resistência, o Presidente Nicolas Sarkozy determinou a expulsão dos ciganos Roma (com descendência romena e búlgara), assim como de outros imigrantes itinerantes. Essa postura do presidente francês foi considerada xenofóbica por grupos de direitos humanos. Colheu, outrossim, fortes críticas de seus oponentes políticos.
No contexto, semelha oportuno lembrar a frase de Sarkozy, então Ministro do Interior de Jacques Chirac, que, em 2005, ao ensejo dos distúrbios e queima de veículos pelos jovens da minoria de origem árabe dos negligenciados conjuntos HLM (habitações de baixo custo), afirmara in loco que se tratava ‘de la racaille’ (da ralé). A controversa expressão iria contribuir para reforçar a sua persona de político decidido e o catapultaria sobre o rival de Villepin na candidatura pelo partido gaullista.
O presente Ministro do Interior, Brice Hortefeux, declarou nos próximos três meses desmantelará cerca de trezentos acampamentos ilegais, de que duzentos são dos ciganos Roma. Nesses acampamentos há ‘tráfico ilegal, exploração infantil em mendicância, prostituição ou delinquência’.
Segundo asseverou o Ministro Hortefeux, o gabinete não estava estigmatizando a comunidade Roma, mas respondendo a inquietudes sobre a segurança pública.
Dentre tais ocorrências, que alarmaram a população, houve motins em subúrbios de Grenoble, depois da morte de um homem que fugia da polícia, alegadamente após o assalto a um cassino. Outro episódio violento, este na cidadezinha de Saint-Aignan, no vale do Loire, quando um grupo de ciganos Roma atacaram um posto policial, reagindo ao incidente em que policial abateu a tiros um viajante que tentara forçar barreira de segurança.
Os ciganos, essa minoria nômade, que está presente, sob denominações diversas, em tantos países, sempre mais se assinalaram pela habilidade das mulheres em ler a sorte, pelos artefatos de cobre que vendiam, do que pelos rumores que suscitavam, relativos ao suposto vezo de se escafederem com crianças alheias. Não há negar que muita da parolagem mais servia para assustar meninos travessos, do que para incriminar essas comunidades e as suas estranhas vestimentas.
Nos episódios em tela, o que motiva o alarme dos franceses, e a determinação de seu Presidente, que se prepara com vistas à batalha de sua reeleição ? A reação dos Roma que, num caso, como no outro, fora motivada pela morte a tiros de alguém (de identidade não definida). E nos dois incidentes os óbitos foram provocados pelo disparo de agente policial.

( Fontes: O Globo e International Herald Tribune)

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