sábado, 7 de agosto de 2010

É possível o diálogo com a barbárie ?

Num gesto de generosidade, Lula, de público, intercede junto ao governo do Teerã, oferecendo asilo a Sakineh Ashtiani, a pobre iraniana, no corredor da morte da masmorra de Tabriz, condenada, em 2006, pelo crime de adultério, a ser executada por lapidação.
Muito se fala do martírio de Sakineh. Semelha importante que as nações ditas civilizadas tenham consciência dessas penas cruéis, verdadeiros fósseis de culturas antigas e não tão antigas. Tais práticas permaneceram à margem da revolução no direito penal de que o Marquês de Beccaria, durante o iluminismo do século XVIII, foi o precursor com a sua grande obra Dos delitos e das penas.
Por sua ação inovadora e corajosa, Beccaria contribuíu para aclarar com a luz da razão os cárceres e calabouços, em que a tortura constituía parte integrante do processo de instrução judiciária, e as penas ainda seriam do gosto de tiranos como Gengis Khan.
Talvez uma das passagens mais marcantes do Evangelho está na intervenção de Jesus no episódio da adúltera, condenada pela lei judaica à lapidação. Nada marca tão inequivocamente a caridade e a piedade cristãs como a interposição do filho de Maria. A capacidade de perdoar e o repúdio à prática desumana é um dos traços distintivos do cristianismo.
Assistimos na época atual a fenômeno de regressão em certos cultos, como no islamismo, em que usanças e castigos pregressos são renovados e reinstituídos. Tal é interpretado como retorno às origens, em modalidade de suposto fortalecimento dos princípios da respectiva cultura e de reafirmação da nacionalidade.
A revolução islâmica no Irã, ao derrubar a ditadura coroada dos Pahlevi, reintroduziu costumes e regras de sujeição da mulher, em termos de vestimenta e aparência, que melhor convivem com culturas arcaicas e tribais, do que com os ares dos séculos XX e XXI.
Manter o apedrejamento nos tempos que correm, se desvela a autêntica face da tirania dos ayatollahs, é apenas um exemplo em regime que manda para a forca os opositores políticos por ‘crime de opinião’, e que persegue familiares e advogados, como os próprios detidos, dentro da brutal lógica inclusiva das ditaduras.
A barbárie é nossa vizinha. Prova disso são os porões do Doi-Codi. A própria Revolução Francesa mandou para a guilhotina Chrétien-Guilllaume de Malesherbes, magistrado e correspondente de Jean-Jacques Rousseau, pelo crime de haver sido advogado defensor de Luís XVI perante a Convenção.
Não se pode determinar se a iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
foi secundada por gestões de chancelaria. Em outras palavras, se o apelo, feito em palanque, teve corroborada a seriedade do propósito pelos canais oficiais. Sem embargo, a resposta do companheiro Mahmoud Ahmadinejad, pela sua forma desabrida e pouco atenciosa, transmitida por subalternos, com a motivação de que Lula desconhecia o processo iraniano, tal resposta se afigura coerente com a triste realidade de seu país.
Seria decerto rematada surpresa, se o presidente iraniano, que nega o Holocausto, e cuja reeleição é produto da fraude eleitoral de doze de junho de 2009, feita a mando do Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei, se comoveria com tal gênero de intercessão.
Como imaginar que Ahmadinejad possa ser suscetível de atender a tais apelos? Como pensar que a contribuição prestada pelo oneroso acordo nuclear tripartite representasse algum crédito passível de eventual retirada humanitária ?
Aqueles que se sustentam pela força e pelo fuzil são surdos à linguagem do perdão e da clemência
.

( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo )

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